Uma sólida defesa da regionalização

Intervenção de apresentação do “Estudo Macroeconómico e Ordenamentos Espaciais Sub-Regional, Regional e supranacional”, um trabalho do professor Ernesto Figueiredo, na Livraria Ler Devagar, em Lisboa

A apresentação deste Estudo Macroeconómico e Ordenamentos Espaciais Sub-Regional, Regional e supranacional, um trabalho do professor Ernesto Figueiredo, trata temáticas na ordem do dia — o que a torna especialmente oportuna.

Seria pretensiosismo da minha parte tentar condensar, ainda que em breves palavras, a enorme riqueza da informação aqui reunida e trabalhada, ao longo de quase 400 páginas — informação a merecer leitura, estudo e análise. Limitar-me-ei a pontuar alguns aspetos e a sublinhar as enormes potencialidades do debate que se abre ainda mais a partir desta obra, a meu ver indispensável a todos os que acompanham estas matérias, sejam académicos, políticos ou apenas cidadãos mais atentos.

Com se percebe pelo título, o livro incide sobre diversos planos de ordenamento espacial, numa perspetiva diacrónica e, nessa medida, também numa ótica prospetiva.

No plano supranacional, assistimos na Europa a profundos movimentos convulsivos, de que o Brexit é apenas um deles, porventura o de maior visibilidade e quiçá de maior impacto. Mas não o único.

Sobre que afinidades e desafinidades objetivas se constroem e/ou desconstroem diversos espaços supranacionais é matéria que tem muito a ver com o nosso devir, ancorado numa União Europeia em tempos apresentada aos portugueses como garantia de futuro risonho, mas hoje claramente em crise.

O Prof Ernesto Figueiredo apresenta-nosum estudo muito denso, assente em basta e rigorosa documentação, sobre a evolução desses espaços supranacionais. A partir de um extenso painel de indicadores podemos compreender melhor as forças centrípetas em torno de alguns países, bem como divergências que apenas ainda se vislumbram ou já se afirmam à vista de todos.

Mas, como faz notar Francisco Louçã no prefácio, no plano nacional “o fio do argumento é o de que “a regionalização deve fazer-se não só porque seja politicamente conveniente (ou inconveniente), mas sim porque constitui a forma natural de associação regional de comunidades convergentes”.

E é verdade. O autor explica como ao longo de 8 séculos se foi esboçando e configurando no nosso território nacional um modelo de seis comunidades provinciais, “ganhando estatuto de povos (provincianos) com identidades patrióticas indeléveis”.

Por outro lado, é criticada de maneira reiterada, fundamentada e muito assertiva a divisão distrital saída da revolução liberal de 1826, classificada de “figurino caótico distrital, que de regional e identitário nada possuía nem possui”.

Em contraste com figurino distrital decorrente dessa visão centralista do Estado, o profundo trabalho de recolha e tratamento de dados acabou por permitir reconfigurar “de forma clarividente” o modelo regional das seis comunidades há muito inventariadas no continente nacional: Douro-Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior; Beira Litoral, Estremadura, Alentejo e Algarve. Será a estas regiões que, pela sua “robustez”, deveriam ser atribuídos os “pergaminhos públicos de reconhecimento autonómico e autárquico”. Dito (por mim) de outra forma, seriam estas as regiões a concretizar como prevê a nossa atual Constituição.

Num plano sub-regional e com definição da exclusiva responsabilidade das autarquias regionais, o autor prevê a criação de 22 sub-regiões, neste caso entidades supramunicipais de carácter associativo, de carácter mais flexível, mas que ainda assim permitiriam aproximar mais o estado central do Estado local (municipal).

Não me deterei sobre os contornos das regiões e sub-regiões tal como aqui definidos — valorizando, é claro, a grande valia e o rigor do estudo que a eles conduziu.

Mas quero explicitamente associar-me à asserção de que a aproximação das administrações públicas para níveis e órgãos mais próximos dos cidadãos significam “ganhos de cidadania”. Assim como a de que a escala regional será a mais apropriada para gerir diversos sectores do estado como o da educação e o da saúde pública, para citar só alguns.
As autarquias regionais, eleitas democraticamente em termos similares às autarquias locais, deterão, além da função de administradoras de serviços, a força da representação popular, são a voz singular na defesa das suas regiões. E, na medida em que os órgãos de poder regional detêm a força advinda do voto democrático em representantes e programas políticos, a elas devem ser cometidas responsabilidades políticas na área do planeamento e do desenvolvimento regionais.

Estamos convencidos de que não existiriam as atuais e enormes disparidades no desenvolvimento regional, como ocorre hoje entre o litoral e o interior, caso estivessem criadas as regiões. A nosso ver, a regionalização é um passo sem o qual todas as medidas atenuadoras das iniquidades regionais, mesmo que bem-intencionadas e positivas nunca passarão de tíbios e efémeros paliativos, à mercê de dinâmicas que permanentemente geram desigualdades.

Sabemos ser a regionalização um passo difícil de dar, dados os bloqueios a este processo, em tempos introduzidas pelos partidos do chamado bloco central. Francisco Louçã não se esquece de os lembrar, no prefácio desta obra.
Poderíamos acrescentar a estes bloqueios a chamada “descentralização de competências” para os municípios e para as CIMs, operação em curso, apresentada como visando uma aproximação aos cidadãos. Uma operação iniciada durante a legislatura que recentemente terminou e que saiu, mais uma vez, de um acordo entre PS e PSD, os chamados partidos do bloco central.

Nesta chamada “descentralização”, transferem-se para os municípios e/ou para comunidades intermunicipais um vasto leque de competências, para os quais muitos municípios e muitas CIMs nem têm recursos, nem escala que justifique a sua aquisição —- dificuldades que fazem salivar os privados, mas enfraquecem o sector público. E, no caso das CIMs é um nível de gestão de que está afastado o controlo cidadão-

Conhecemos, pois, os escolhos processuais colocados no caminho da regionalização e as muitas artimanhas de que se têm valido os antirregionalistas para que se não cumpra este imperativo constitucional.

Contudo, a meu ver, às dificuldades não devemos responder com resignação, nem nos deixar tolher por estados de alma. Temos todos, cidadãos e cidadãs, de travar este combate pela democracia.

E, reconheçamos, há novos ventos a soprar no bom sentido. Lembro, por exemplo, que o próximo Congresso da Associação Nacional de Municípios irá colocar a Regionalização no centro dos debates.

Sabemos que, para além do muitíssimo que a partir deste livro se fica a saber, com tantos dados objetivos, haverá ainda que ponderar as mais recentes dinâmicas demográficas e económicas, as afinidades (ou as rivalidades…) históricas, as alterações induzidas pelas mais diversas redes que, imparavelmente, a cada instante, transformam o mapa que subjetivamente cada um de nós tem da sua região e do seu país — ou seja, do seu lugar de pertença.

Será também lícito interrogar-nos em que medida a afirmação e os contornos de cada região — contornos, diz-nos Ernesto Figueiredo, secularmente desenhados — são ou não eles próprios alterados pelo o esbater das fronteiras do nosso país, fronteiras que ontem se afiguravam como muros e hoje estão à distância de um simples clique ou de uma viagem de um par de horas.

Em qualquer caso, este livro é um ótimo instrumento para os combates que se avizinham. Um instrumento indispensável, atrevo-me a dizer.

2 comentários em “Uma sólida defesa da regionalização”

  1. Onde podemos encontrar documentação online, sobre este assunto?
    Refiro-me a documentação fundamentada, com linguagem acessível e que represente diversas visões realistas sobre a transição do estado actual para uma descentralização (a sério) e uma regionalização que funcione de facto, de e para as populações?
    Tenho dezenas de dúvidas, muitas perguntas e nem uma única certeza ou resposta.

    Responder

Deixe um comentário