O engenhoso Macron

O presidente francês Emmanuel Macron é apresentado pelos defensores do sistema neoliberal dominante como o futuro da União Europeia.

Vencedor das eleições presidenciais francesas sobre os escombros do Partido Socialista Francês (PSF) e dos partidos conservadores de direita, Macron conseguiu, na segunda volta, que os franceses o escolhessem como a mal menor para travar a fascista Marine Le Pen.

Embriagados com o seu triunfo, os líderes europeus apressaram-se a cantar hosanas a Macron e ao seu partido República em Marcha que, em seu entender, iria resgatar a Europa e lançar as bases de uma nova União Europeia próxima dos anseios dos cidadãos.

Pura ilusão. Uma vez mais, como em tantas e tentas vezes, Macron e todos os que nele apostam pretendem unicamente tomar algumas medidas cosméticas, fazendo de conta que inovam para continuar as mesmas políticas, privilegiando a Banca, os grandes grupos financeiros e do comércio, dando rédea livre aos mercados que tudo decidem como muito bem entendem

As primeiras medidas de Macron foram a descida dos impostos para os detentores de grandes fortunas, a penalização dos reformados e pensionistas, alterações às leis laborais, congelando salários e alterando o código de trabalho precarizando os vínculos laborais, piorando as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores franceses. Mélenchon apelidou estas medidas como um “ golpe no Estado social”.

Daí que os protestos dos chamados “Coletes Amarelos”, a propósito do aumento do imposto sobre o gasóleo, não são mais que o rastilho que incendiou a revolta dos franceses há muito sofridamente contida.

Tentar levar-nos a crer que tamanha revolta se deve basicamente ao imposto sobre os combustíveis é não querer que entendamos a dimensão do protesto e o que verdadeiramente está em causa. Basta olhar para o conjunto das reivindicações dos muitos milhares que continuadamente protestam nas ruas para se perceber que os cidadãos franceses não aceitam um modelo político neoliberal que na generalidade os empobrece.

Percebendo isto, mas tarde, Macron anunciou um conjunto de medidas, nomeadamente o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) e a retirada da subida da taxa de contribuição social nas reformas.

Porém, até este momento, Macron não deixa de tentar de forma engenhosa enganar os franceses. Na verdade, no SMN “não se trata de um aumento no valor fixo do salário, mas sim de uma antecipação de aumentos prometidos pelo Governo Macron durante a campanha, e que incidem sobre uma parcela variável — um prémio que varia consoante os rendimentos do agregado familiar e que tem de ser pedido pelos trabalhadores, não sendo atribuído de forma automática. …” (Jornal Público 12/12).

Seja como for, o governo francês, mais uma vez, mandou à fava o Tratado Orçamental e já anunciou uma derrapagem do défice do seu orçamento que será superior a 3,4%, bem acima do exigido pela União Europeia. O mesmo se passou em anos anteriores, com a Alemanha, e actualmente o mesmo sucede com a Itália. Ou seja, as regras são boas mas servem é mesmo para serem infringidas quando os poderosos assim entendem para defenderem os seus interesses.

O que a actual situação em França, em Itália, ou no Reino Unido (com o Brexit) nos mostra bem é que a União Europeia está carecida de mudanças fundamentais. Tal como afirma no seu “manifesto para a democratização da Europa” Thomas Piketty  “O nosso continente está preso entre movimentos políticos cujo programa se limita à perseguição de estrangeiros e refugiados por um lado, e, por outro, aqueles que afirmam ser europeus, mas na realidade continuam a considerar que o liberalismo puro e duro e a propagação da concorrência são suficientes para definir um projeto político. Eles não reconhecem que essa falta de ambição social é o que leva a sentimentos de abandono.”

Ou seja, o desmantelamento do estado social, o abandono de políticas de coesão social e a rendição aos mesquinhos interesses dos grandes grupos financeiros e do comércio internacional, com o consequente aumento das desigualdades e da generalização da pobreza é que gera o sentimento de exclusão e empurra os cidadãos para a revolta de que os novos fascistas de turno se tentam aproveitar.

Em suma, se os políticos europeus continuarem, por mais engenho que revelem, a tentar mudar só alguma coisa para que tudo fique na mesma, bem podem contar com uma revolta generalizada. Uma vez na rua a revolta é imparável e só não se sabe como acabará.

Original publicado em onaviodeespelhos.wordpress.com

 

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