CML aprova nova grande superfície comercial para o “quarteirão da Suíça” no Rossio/Pç. da Figueira

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou, na reunião hoje realizada, um novo grande empreendimento comercial que ocupará todos os imóveis  entre a Praça da Figueira/Rua do Amparo/Rua da Betesga/Rossio, em Lisboa.

A proposta foi apresentada nos serviços do Urbanismo da CML pela empresa “JCKL Portugal – Investimentos Imobiliários Lda.”, na qualidade de proprietária daqueles imóveis, localizados numa das áreas históricas mais centrais da cidade, sujeita nas últimas décadas a um processo de despovoamento, com expulsão de moradores e de muitas lojas do comércio tradicional, com consequências nefastas para a revitalização da Baixa lisboeta.

O projeto, viabilizado com os votos a favor do PS/PSD/CDS, abstenção do BE e voto contra do PCP, reforça as dinâmicas especulativas que têm sido impostas na Baixa por grandes promotores imobiliários e pela banca. A ideia é a de continuar a utilizar aquele território para especulação com a obtenção de dividendos volumosos, sem que seja tido em conta o interesse público, a multifuncionalidade daquele espaço central e a sua revitalização ao serviço da cidade e da população.

A função habitacional ficou completamente excluída, assim como a de dedicar algumas áreas a residência universitária e à instalação de comércio tradicional, identitário daquele quarteirão. Trata-se  do sintoma de que na proposta do promotor, com a aprovação da CML (só com o voto contra do PCP), não houve qualquer preocupação com uma real regeneração e requalificação urbanas nem com o desenho de uma cidade vivida quotidianamente pelos seus moradores.

São apenas os grandes interesses imobiliários e especulativos que presidem à proposta da JCKL que, deste modo, fez aprovar a instalação de quatro unidades comerciais e de uma unidade de serviços (que ocupa a totalidade do piso em sótão), apesar de a proposta se apresentar “embrulhada” num projeto de recuperação de elementos originais da traça pombalina para melhor fazer passar a instalação de uma nova grande superfície comercial naquele conjunto conhecido pelo “quarteirão da Suíça”, devido à marca deixada pela “Pastelaria Suíça” que teve de abandonar há cerca de 2 anos o local.

5 comentários em “CML aprova nova grande superfície comercial para o “quarteirão da Suíça” no Rossio/Pç. da Figueira”

  1. Não conheço o projecto e desconheço os motivos que levaram à abstenção do BE nesta aprovação da CML. O texto também não esclarece.
    Há uma dinâmica própria nestes centros históricos e isso nem sempre tem a ver com especulação pura e dura.
    A ‘Suíça’ já tinha há anos deixado de ser a pastelaria e esplanada de que me recordo da juventude e grande parte da idade adulta, para tornar o seu interior em mais um “come-em-pé”. Por causa do turismo e da especulação imobiliária? Não! Por culpa da escassez de tempo na hora de almoço (não dá para ir a casa que fica a 20 km…) e também porque poucos trabalhadores portugueses recebem o suficiente para comer com qualidade e conforto.
    Não me parece que um edifício nesta localização e com esta fachada, exigindo obras internas de vulto, fosse compatível com oferta de habitação acessível. Para se tornar habitação de luxo, estaríamos perante uma iniciativa tanto ou mais especulativa do que a de espaços comerciais que, pelo menos, geram mais emprego.
    Há sim na Baixa ruas e prédios que ao longo do tempo foram passando de habitação para pequenos escritórios ou negócios, como conheço diversos casos, mas isso nada tem a ver com pressão de grandes grupos de investimento. São situações que ocorrem desde há dezenas de anos e que têm levado gradualmente ao despovoamento da Baixa de Lisboa. Mas o problema é a falta de milhares de habitações acessíveis noutras zonas da cidade e não as centenas que poderiam existir na Baixa, as quais, com a elevada frequência de turistas, nunca dariam grande tranquilidade aos residentes. E existem lojas neste quarteirão ou nos que lhe são contíguos, que foram perdendo clientes e que acabaram por ceder o lugar por ofertas tentadoras, simplesmente porque o comércio mudou!
    Agora, caso se mantenham ou até nalgumas situações se recuperem os traços exteriores originais, parece-me que será um mal menor. Criar, modernizar e melhorar as condições de acesso ao comércio sem destruir o património, não é em si uma coisa má. O Harrods em Londres, as Lafayette em Paris ou os El Corte Inglês em Madrid, foram alterados internamente e por diversas vezes, aumentando a comodidade de quem os frequenta. Este caso parece ser um aproveitamento do imóvel que, pelo que aqui leio, vem com a promessa de não comprometer o valor histórico e arquitectónico do prédio, nem da Praça em que se inclui.

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  2. Este é o debate sobre a cidade que interessa.
    As forças políticas que têm tido uma posição clara sobre os efeitos nefastos da especulação imobiliária e da turistificação não deviam olhar para a propostas da empresa proprietária do “quarteirão da Suíça” e achar que nada se passa.
    A proposta da “JCKL Portugal – Investimentos Imobiliários Lda.” está de acordo com as regras puras e duras do mercado. Ou seja, se há um conjunto edificado num local central da cidade com elevado valor patrimonial, porque razão não há-de ser destinado ao uso que maior lucro possa ser extraído dessa intervenção urbanística?
    À esquerda o pensamento sobre a cidade não se confina a essa ideia nem a esses interesses, em que o lucro máximo comanda a construção de cidade, entendida como um mero território para a reprodução e acumulação de capital.
    O “quarteirão da Suíça” tem cerca de 10 mil metros quadrados. Admitindo que uma parte podia ser para comércio e serviços, seria impossível dedicar pelo menos uma parte dessa área para habitação e residências universitárias? E não seria possível que pelo menos 25% fosse para renda acessível?
    Os lucros obtidos na venda da área em comércio, serviços (preferencialmente alguns de interesse público) e habitação a preço de mercado, que significam muitos milhões de euros, não permitiriam suportar uma parte da superfície para habitação a renda acessível?
    Este é um exercício minimalista, mas nem este a JCKL e a CML quiseram fazer. Podia ter sido aprovada alteração ao Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina que impusesse regras ao promotor de afetação de usos? Podia ter sido negociado com o promotor um caderno de encargos com contrapartidas? Claro que sim, mas nem o promotor nem a CML quiseram fazê-lo.
    E qual seria o benefício para a cidade e para o centro histórico deste exercício, mesmo que minimalista? Chama-se multifuncionalidade, em vez de turistificação, chama-se diversificação social, em vez de gentrificação, chama-se revitalização do centro histórico com moradores, em vez de o despovoar e obter uma espécie de “disneylândia”. Chama-se cidade democrática em vez de cidade ao serviço do mercado e da especulação imobiliária.
    É um combate difícil? Sim, de facto é, mas a esquerda não se pode demitir desse combate democrático, anti neoliberal, pelo direito à cidade, mesmo que em nome de taticismos espúrios.

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  3. Sem intenção de criar qualquer polémica – ainda para mais com quem parece saber muito do assunto – em minha opinião as desejadas contrapartidas que deveriam ter sido exigidas pela CML, talvez devessem centrar-se na recuperação de imóveis devolutos, degradados, propriedade da Câmara e, sim, destinados a residências de estudantes (uma necessidade que todos reconhecemos), mas já agora situados o mais próximo possível das Faculdades, Institutos ou Politécnicos.
    Porquê exactamente no Rossio que não é zona, nem pouco mais ou menos, onde se concentrem os mais de 25 estabelecimentos de ensino superior da cidade?
    O que uma entidade privada que visa o lucro como é o caso da JCKL (que não deve ser confundida com um mecenas) iria gastar na recuperação e reconfiguração interior do prédio – envolvendo eventualmente uma revisão ou reforço estrutural de um imóvel pombalino – para tornar parte dele em residência comunitária funcional, daria, com muito menos custo, para muitas obras bem mais próximas dos locais de estudo, mais facilmente adaptadas a esse fim e dispondo de infraestruturas locais e oferta de serviços básicos de consumo, com preços eventualmente mais em conta dos que as lojas de alto padrão da Baixa de Lisboa. Quanto a gastar milhões para depois receber ‘rendas acessíveis’, possivelmente a resposta que dariam à CML seria: “então façam vocês”.
    Quanto à degradação de certas zonas de Lisboa, nomeadamente a Baixa, com uma palhaçada de lojas de produtos pretensamente originais e tradicionais, com cursos de línguas ao vivo em regime open-air e num faz-de-conta para turista consumir, nisso estamos de acordo.

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  4. As opiniões expressas refletem dois pontos de vista interessantes, penso que poderão haver mais sobre o problema do acesso à habitação nas grandes cidades portuguesas, como Lisboa e Porto. Antes de centrar o problema há que equacionar as questões. Que política habitacional para a cidade? Qual o investimento necessário a efetuar? Concordo com o João B. que o problema não está nos quarteirões emblemáticos das cidades, mas sim na oferta em massa de habitações e com rede de transportes acessíveis onde as pessoas possam deslocar-se, num curto espaço de tempo, entre a casa e o trabalho e outros interesses culturais e lazer. Por outro lado, concordo que os centros das cidades devem ser habitados para que não fiquem completamente desertos fora do horário de expediente dos escritórios. Ora acontece que existe um acordo sobre oferta pública de habitação para a cidade de Lisboa, que reserva 25% do edificado a ser implementado para oferta pública de habitação. Sobre esta última temática, era bom que viesse a público o texto do acordo na CML sobre a habitação para que possamos discutir o acordo com a verdade que se impõem.

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