Com o título acima, a “Convergência” do Bloco de Esquerda emitiu um comunicado sobre a votação do Orçamento de Estado (OE2021), debruçando-se ainda sobre o Estado de Emergência. Transcrevemos esse comunicado na íntegra.
- A Convergência do Bloco de Esquerda saúda a decisão de rejeição à proposta governamental de Orçamento de Estado para 2021 (OE2021), uma decisão inevitável perante uma proposta que não responde às necessidades dos trabalhadores e do país, num quadro de acentuada crise sanitária, económica e social.
Só um Orçamento de redistribuição de renda que pressuponha alterações à legislação laboral, reverta as políticas de benefícios à banca e aos grandes grupos económicos e coloque o esforço de sustentação do Estado nos mais ricos, pode relançar a economia para salvaguarda do emprego e garantia de meios de vida dignos para todos/as. Também não responde aos desafios ambientais perdendo mais uma oportunidade de afirmar a transição energética como forma de combate à crise económica e geração de emprego, prosseguindo como a urgente descarbonização da economia como política pública.
- A resposta à grave crise sanitária exige um reforço significativo do SNS – Serviço Nacional de Saúde, admitindo mais profissionais com carreiras e salários dignos. O SNS tem de reunir capacidade para acorrer aos casos de COVID-19, sem abandonar os muitos milhares de doentes com outras patologias, abandonados sem consultas, exames e tratamentos.
Este abandono, na prática criando “dois SNS”, tem contribuído para aumentar dramaticamente a lista de óbitos. Os hospitais do sector privado e social têm de ser requisitados. Quem, em tempos, assumiu a requisição civil dos motoristas não tem o direito de refugiar-se agora em posições tíbias, perante grupos privados à espera de “bons negócios” com a saúde pública.
- As circunstâncias graves decorrentes da pandemia de COVID-19 também reclamam a proteção integral dos salários, em particular dos sectores laborais mais fragilizados, não sendo admissível que os apoios ao rendimento possam ser inferiores ao salário mínimo nacional.
Empurrados para o desemprego que se agrava, a precariedade, o lay-off e os baixos salários, a capacidade de resposta dos trabalhadores aos atropelos patronais tem de passar a estar garantida, revertendo a legislação laboral imposta pela direita e pela troika. A atual legislação laboral constitui um dos fatores principais da austeridade que continua a ser suportada pelos trabalhadores. Os apoios às empresas têm de garantir a proibição dos despedimentos como acontece noutros países.
- No essencial, o governo do Partido Socialista recusou negociar medidas sérias no quadro orçamental. Cedendo aqui e ali, numa ou noutra medida pontual, o governo optou pela propaganda dessas migalhas e enredou-se numa agressiva retórica contra a esquerda.
O Partido Socialista, amarrado aos mesmos compromissos com a União Europeia que já anteriormente haviam imposto políticas austeritárias, prosseguiu no caminho de cortar no investimento público, subfinanciar o SNS e outros serviços públicos, fragilizar apoios sociais, impor salários baixos e manter uma legislação laboral profundamente retrógrada.
Em contrapartida, neste OE2021, não se coíbe de atirar mais 6 mil milhões de euros para o buraco do serviço da dívida externa, 1350 milhões para as Parcerias Público Privado (PPP) e assegurar através do Fundo de Resolução centenas de milhões para a banca. Na hora de responder ao essencial de quem trabalha o governo só forçado abre a bolsa; já para engordar o capital financeiro não há problemas “é preciso respeitar os compromissos” …
O PS tem de perceber que não contará mais com o Bloco para estas opções. Após as últimas eleições legislativas, em que o PS foi o partido mais votado, embora sem maioria absoluta, António Costa garantiu perentoriamente que não haveria mais acordos de governação com a esquerda. Sabia ao que ia.
- A campanha do PS contra o Bloco de Esquerda revela que esta decisão de votar contra o OE2021 afetou a estratégia do governo, assente no pressuposto de que uma ou outra cedência garantiria o voto favorável do BE – enquanto prosseguia a sua obsessão com o déficit e de alianças com o PSD em matérias estruturais.
A estratégia de um Bloco Central de facto, a par de uma “geringonça de faz de conta” colhe, aliás, a manifesta simpatia de sectores da direita representados por Marcelo Rebelo de Sousa e por sectores empresariais, repercutida por numerosos comentadores. A “estabilidade política”, a qualquer preço, é o seu mantra repetido à exaustão.
- Alguns só agora terão compreendido o que para a Convergência é claro há muito tempo: a geringonça, justificável num tempo preciso, faliu como continuada estratégia política do BE.
Na atual correlação de forças, um qualquer ressurgimento da geringonça assente nalguns “bons conselhos” acolhidos pelo PS serviria fundamentalmente para assegurar a estabilidade de uma linha submetida aos critérios de Bruxelas, da progressiva precarização e pauperização de quem vive do seu trabalho, seja agora, seja em maio, já depois da próxima Convenção Nacional do Bloco de Esquerda.
- A previsível agudização da crise sanitária, económica e social exige decisões corajosas que assegurem que ninguém perca rendimentos e fique para trás.
Sem descurar a capacidade negocial, a força decisiva tem de vir da luta social, dos trabalhadores e dos setores mais afetados pela crise. Ao votar contra o OE2021, o Bloco de Esquerda está hoje em melhores condições de dar voz a essa luta e de afirmar politicamente o seu projeto autónomo. Tal passa por rejeitar quaisquer decisões que, em nome do ataque à pandemia, limitem direitos laborais.
- O debate na especialidade até à votação final global do OE2012, na Assembleia da República, e, aí, a eventual negociação e aprovação de uma ou outra medida pontual não poderá justificar aceitação deste OE2021, que estruturalmente é outra coisa.
A não ser que ocorram profundas, embora improváveis, alterações nas opções do governo, quem aprovou a decisão do BE de rejeitar o OE 2021 na votação inicial não deverá aceitar diferente votação final global.
- A pulsão autoritária regressa ao debate político através de uma proposta de decreto que estabelece novo estado de emergência e abre caminho a restrições a direitos fundamentais.
A evidente necessidade de medidas urgentes e firmes no combate à pandemia e aos seus efeitos já tem suporte constitucional e na legislação em vigor, seja ao nível da Proteção Civil, do Sistema de Vigilância em Saúde Pública e da Lei de Bases da Saúde, que garante segurança jurídica nas medidas a tomar e que dispensa esta iniciativa conjunta do Governo e Presidente da República (PR) que deve ser rejeitada pela esquerda.
A proposta de decreto do PR não atribui ao Governo o poder de impor a requisição de serviços, como no caso do setor privado da saúde, nem de determinar o preço a pagar por eles. Também não toma quaisquer medidas em relação à proibição de despedimentos, num quadro de rápida subida do desemprego, nem à garantia de 100% do salário. No entanto, propõe a possibilidade de requisição de trabalhadores para além das suas obrigações contratuais, independentemente do respetivo tipo de vínculo ou conteúdo funcional, e em condições desconhecidas. A proposta de decreto do PR tem um claro pendor securitário, acentua a situação de exceção constitucional e volta a limitar direitos laborais.
Novembro de 2020
A Articulação Nacional da Convergência
do Bloco de Esquerda