Este território que arde…

Na passada semana li um excelente artigo de uma jornalista espanhola especialista em temáticas relacionadas com o despovoamento – a Alba Carballal – que provocava dizendo que “um país se cozinha com três ingredientes: população, poder e território”.

Gostei muito do paralelismo e, por conseguinte, puxando a brasa à minha sardinha – do desenvolvimento territorial sustentável – facilmente o transponho para o tríptico adotado e promovido pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que “implicam um crescimento económico socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável”.

Ora o nosso país, cujo território rural significa muito mais de 2/3 do território (e escuso-me de escrever aqui números exatos para não deprimir quem lê), nunca foi um país com políticas concretas e objetivas de ordenamento territorial.

O cadastro é ainda hoje inexistente e, para não ir mais longe nestas temáticas, os programas de ordenamento e gestão dos espaços florestais são meras quimeras.

A este cenário acrescentem um conjunto de empresas (multinacionais) com uma considerável contribuição para o PIB nacional e cuja atividade depende da exploração dos recursos naturais (cujas preocupações em termos de sustentabilidade são nulas), das quais se destacam a exploração florestal: monoculturas de eucalipto e pinheiro bravo.

Acrescentem-lhe também o despovoamento que todos conhecemos (e sentimos) e que, a cada dia que passa, mais irreversível se torna: quantas aldeias dos distritos de Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja (só para referir os mais afetados) serão povoadas dentro de 10 anos?

Sem me alongar muito mais, porque nem é preciso, do que escrevi inicialmente sobre a alusão da jornalista espanhola e o paralelismo que faço com o tríptico do desenvolvimento sustentável pensem dois segundos e digam-me: sentem que existe equilíbrio? Acham que pode correr bem?

Estes territórios, que este fim de semana arderam (e ardem) uma vez mais, estão despovoados, não estão ordenados, são vítimas da exploração sem escrúpulos dos seus recursos naturais e, o poder local… ai o poder local… sentem-se representados? Sentem-se defendidos? Pois… eu não!

Então se não temos “população”, se não temos “território” com valor e só temos um “poder” incapaz de sequer nos conhecer, de nos representar e de interceder por nós, a sustentabilidade destes territórios é uma mera ilusão! Pois é!

Apesar de tudo não sou um catastrofista inveterado… prefiro pensar que sou um realista moderado e, afinal de contas, acredito no poder do povo.

E por ser um realista moderado consigo perceber, sem ter de ir a Coimbra (como se diz por aqui), que continuamos sempre a apostar nos cavalos errados. Sim, por exemplo, no campo da “floresta” apostamos forte no combate descurando a prevenção. Sim, é isto.

Reconheço que muitos esforços foram feitos desde 2017 em termos de combate, mas e de prevenção?

O Estado continua a querer que os proprietários limpem e previnam aquilo que tem de ser um papel do próprio Estado.

É óbvio que os proprietários rurais não vão fazer nada.

Toda a gente sabe isso.

Toda a gente sabe que já ninguém quer saber disso.

Toda a gente sabe que os proprietários também sabem que o Estado nunca conseguirá saber que determinado terreno é seu e, assim, não o pode “obrigar” a cuidar dele.

Toda a gente sabe.

Quando digo “toda a gente” falo das pessoas deste país real!

De resto, quando passar este verão, nem precisam de planificar muito, basta lerem os planos/programas/projetos/iniciativas para prevenir e combater incêndios delineadas em 2003, 2004, 2010 ou 2017 e poupam dinheiro em gastos de consultoria e estudos.

Enquanto isto, o meu país, o meu interior, arde!

E temo que continuará a arder por muitos anos.

1 comentário em “Este território que arde…”

  1. Sem dúvida um país sem lei nem roque, o senhor conhece a estrada de Salvador para Aranhas, foram cortados uns bons hectares de pinhal, sabe o que lá está agora? Um eucaliptal, com certeza autorizado por gente doida que governa este país, eu quero plantar um hectare não me autorizam, sou pobre. Um abraço

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