“Esta cidade não é uma cidade é um vício”
(Jorge Sousa Braga, 2005:7)
A cidade do Porto tem vivido sobre grande pressão urbana nas últimas duas décadas por causa dos programas de revitalização urbana da cidade do centro desde os tempos da Capital Europeia da Cultura, Porto 2001. O Porto à imagem de outras Capitais Europeias da Cultura (CEC) como Glasgow, Bilbau e Sevilha vai implementar grandes eventos direccionados para revitalização cultural do seu espaço público, arquitectónico e ambiental da cidade. As cidades procuram assim mudar a sua imagem, mercantilizando e publicitando o seu património como se fosse um simples objecto de consumo.
Esta mercantilização da cidade do Porto tornou-se possível por causa da crise industrial, da desindustrialização, da deslocalização da sua economia, do seu envelhecimento populacional, do estado de ruína induzido que terminou na construção da cidade vazia. Estavam criadas as condições para a liberalização do solo da cidade com consequências no emparcelamento do centro histórico do Porto e respectiva alteração de programas arquitectónicos bem ao gosto dos fundos imobiliários do capital globalizado.
Assistimos à deportação dos poucos moradores do centro da cidade para os blocos atomizados das periferias da Área Metropolitana do Porto. Ficou uma paisagem sinistra, com casas abandonadas, entaipadas, em estado de ruína. Metia dó passar pelas ruas do centro histórico do Porto. A velha cidade abandonada, triste, sombria e angustiada lutava como podia contra uma política que deslocava e deportava em nome da segurança, da higiene e salubridade públicas.

As políticas de reabilitação da cidade antiga não integravam as economias de rua, não simpatizavam com os antigos moradores, não correspondiam aos seus problemas e às suas necessidades. As renovações eram geralmente contra os locais, contra os moradores que resistiam a viver na cidade do centro. Com a criação do CRUARB – Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo (1974-2003) foi possível implementar alguns programas de renovação e de reabilitação envolvendo as comunidades da Ribeira e do Barredo. Infelizmente, nem tudo correu bem ou correu como definia o diploma que o criou.
Mais tarde aparece a Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) com outros propósitos e outros capitais. Mais virada para o mercado e a neoliberalização do centro histórico da cidade. Assistimos à entrada dos fundos imobiliários, à reabilitação de quarteirões inteiros, como o das Cardosas. Com transformações radicais e destruidoras do nosso património. Com a introdução de arquitecturas miméticas e cenográficas, deslocadas e desintegradas. A difusão do fachadismo como único modelo de reabilitação da cidade. Estamos no reino da cidade das fachadas, da cidade imagem, da cidade-mercado, dos parques temáticos da cosmética Disney.
Mas qual é a razão desta contextualização sobre a renovação do casco velho da cidade do Porto? Foi notícia a intervenção nas antigas escadas dos Judeus para aí se instalar uma escada rolante para facilitar a mobilidade entre a zona de Miragaia com a cidade alta. Até aqui tudo bem e tudo muito mal. Mas porquê? O programa de renovação urbana, como o que se desenhou e projectou para as velhas escadas dos Judeus na cidade histórica do Porto, vai contribuir para a sua destruição, porque tem em vista a sua transformação numa espécie de pequeno parque temático que destrói as suas marcas e registos de vida, altera a sua morfologia, recria uma ideia de falsa cidade património.
Vamos assistir à implementação de um novo programa, com novas peças de granito em substituição das velhas e usadas escadas. No fundo é a substituição da cidade real e vivida por uma cidade das cenografias globalizadas, mais plastificada e efémera, mais transparente e plana. Uma cidade estranha para os locais, porque lhes mata a identidade e lhes nega a simbolização da vida nos espaços de memória. Sem memória, sem marcas do tempo, sem habitantes, sem referentes culturais esta cidade transforma-se numa cidade ambulatório por onde circulam turistas.
Só posso subscrever. Parabéns pela lucidez!