Mais imigração, mais Europa

A humanidade iniciou-se nómada. Procurava-se vida melhor. Os que encontraram O Lugar, ficaram, os que não encontraram, prosseguiram. A nossa história tem a marca indelével da diáspora. Não se detém o desespero dos que fogem das guerras, da miséria, das tiranias. Não se demovem os que perseguem o sonho. Os muros, o arame farpado, os mediterrâneos, os campos de concentração, são objetos que massacram, mas não impedem o futuro. O futuro não cabe numa vala comum. Os problemas humanos só se resolvem com soluções humanas. Só essas soluções são sustentáveis.

A imigração representa o encontro, a colaboração e a convivência com pessoas de outros lados que querem viver cá. No mundo há imensas culturas, línguas, religiões, etnias, portanto, as possibilidades teóricas dos resultados da interação entre imigrantes e nativos são infinitas. Nem tudo corre bem, nem tudo corre mal, há casos em que corre melhor ou pior. A realidade é assim. Quando o espaço de resultados é infinito, desenham-se todos os cenários, alguns mais pessimistas, outros mais otimistas, normalmente associados a modos antagónicos de tocar a diversidade.

A noção de que a imigração tem efeitos nefastos nos países de acolhimento tem prosperado na Europa é paradoxal, na medida em que a Europa precisa de imigrantes. Não é a ideologia que o diz, é a substância desapaixonada dos dados. A defesa de uma Europa sem imigração não defende a Europa; defende outra região, talvez a região do medo, talvez a região do ódio, mas não defende a Europa. Essa sim, será uma posição puramente ideológica, dada a sua irracionalidade. Um breve olhar aos dados demográficos do Eurostat para Portugal, demonstra-o. Refere-se Portugal porque é o país em que vivemos e porque reflete todas as tendências demográficas da Europa, contudo, de modo mais severo.

Entre 1960 e 2017, a taxa de crescimento da população nativa portuguesa diminuiu drasticamente. De 1960 a 2006, registaram-se saldos fisiológicos positivos mas decrescentes – com estagnação virtual entre 1993 a 2006 – e a partir de 2007, passou a registar-se uma redução efetiva do número de habitantes nativos. Este comportamento deveu-se à dramática quebra da taxa de natalidade que passou dos 2,41% em 1960 para os 0,84% em 2017, período no qual a taxa de mortalidade se manteve estável em torno da unidade percentual.

Da relação que se estabelece entre natalidade e fecundidade, percebe-se a trágica redução do índice de fecundidade, de 3,16 filhos em média por mãe em idade fértil em 1960, para 1,36 em 2016. Desde 1981 que o índice de fecundidade se situa abaixo dos 2,14, o que significa que nos últimos 37 anos, o número de crianças geradas anualmente nos agregados familiares, se fixa muito aquém do que seria necessário para renovar as gerações. O resultado inexorável deste padrão consiste no envelhecimento da população. De facto, a idade mediana dos portugueses passou de 27,8 anos em 1960 para 44,4 anos em 2017. No curto espaço de tempo que mediou 2001 a 2017, a idade mediana aumentou cerca de 7 anos.

Em 1960, os indivíduos com menos de 20 anos (mais novos) representavam 37,6% da população e os indivíduos com mais de 59 anos (mais velhos), apenas, 11,3%. Em 2017, os primeiros, já só representavam 19,4% e os segundos, 27,5%. Entre 2000 e 2017, a proporção dos mais novos decresceu 4 pp e a proporção dos mais velhos cresceu 6 pp. Em 2004, o número de indivíduos mais velhos na população passou a ser superior ao número de indivíduos mais novos.

A faixa intermédia (dos 20 aos 59 anos) manteve-se estável em torno dos 50%, às vezes mais, às vezes menos, sem problema. No entanto, a composição etária desta faixa, também se alterou. Considerem-se as classes mutuamente exclusivas dos 20 aos 39 anos e dos 40 aos 59 anos. Em 1960, 58,3% destes indivíduos tinham entre 20 e 39 anos de idade (29,8% em 51,1%), em 2000 ainda eram maioritários com 54,8% (30,2% em 55,1%), mas em 2017 já só representavam 44,4% da faixa etária dos 20 aos 59 anos (23,6% em 53,1%).

Do exposto, podemos concluir que a população portuguesa decresce e envelhece. As consequências deste padrão são devastadoras para a economia e para a sociedade. Carência de mão-de-obra, quebra do produto, menos receita orçamental, mais despesa social com idosos. Efeito dominó. Retirada progressiva de direitos sociais e económicos. Cortes de reformas e prestações sociais. Saturação e degradação do sistema de saúde. Aumento do abandono de idosos. Desmantelamento do Estado Social. Desigualdade severa, caos social, défice democrático. Urge tomar medidas.

O índice de dependência é um indicador que permite o acompanhamento da evolução do grau de dependência económica na população. Representa o número de indivíduos em idade inativa por cada indivíduo em idade ativa. Assim sendo, trata-se de um indicador sintético do peso da receita pública necessária para manter o Estado Social em funcionamento. Este indicador costuma ser apresentado nas suas componentes Jovens (mais novos) e Idosos (mais velhos).

A evolução do índice de dependência em Portugal, desde o início do milénio, registou duas fases distintas. Redução até 2005 e aumento após este ano. Em 2001, o índice de dependência total era de 80,5%, distribuídos por 41,4% na componente Jovens e 39,1% na componente Idosos. Em 2005 atinge o mínimo histórico de 78,4%, que soma os 38,6% para os mais novos com os 39,9% para os mais velhos. Em 2017, o índice de dependência total já se situava nos 88,2%, 36,5% na componente Jovens e 51,7% na componente Idosos. Deste modo, constata-se que o agravamento do índice de dependência em Portugal resulta do rápido crescimento do contingente populacional de idosos.

Se a preocupação consistir em manter o índice de dependência de idosos estável, podemos pensar no aumento da idade da reforma. Porém, acabará por retirar um direito essencial que é o direito ao descanso depois de uma vida trabalho contributivo. De acordo com um estudo das Nações Unidas do início do milénio, para que fosse possível manter os índices de dependência de idosos nos níveis que se verificavam na altura, teria que haver um alargamento da idade da reforma para os 75 anos. Transportando este resultado para a atualidade, altura em que se regista um índice de dependência de idosos muito superior ao do momento do estudo, podemos deduzir que o alargamento da idade da reforma poderia ir para além da esperança de vida.

Uma das formas de contrariar o envelhecimento da população passa por incentivar a natalidade. Estas políticas, embora essenciais e inadiáveis, apresentam, por um lado, a resistência da lógica da configuração socioeconómica vigente e, por outro, a limitação do horizonte temporal de atuação.

As baixas taxas de natalidade registadas em Portugal e na generalidade dos países da Europa, não são fruto do acaso: são o resultado da forma como as famílias organizaram a sua vida nas diversas instâncias da sua participação social. Foi a própria moldura socioeconómica que pressionou aos comportamentos de fertilidade evidenciados. Em face disto, a eficácia das políticas de incentivo à natalidade depende de um conjunto de medidas concertadas, que requerem a disponibilidade do Estado Social e das finanças públicas para um aumento significativo da despesa social. Despesa social que representa um investimento inadiável. Reforço substancial dos apoios financeiros à família, mais disponibilidade para o acompanhamento dos filhos (lei laboral), infraestruturas que garantam o acolhimento de todas as crianças, como berçários, creches, infantários, ateliers de tempos livres, entre outros.

Há, contudo, que levar em consideração, o horizonte temporal dos efeitos destas medidas. As políticas de natalidade, mesmo quando eficazmente implementadas, levam décadas a produzir resultados. Portanto, a curto e médio prazo, não representam, em si, uma solução. Estas políticas, de natureza estratégica, devem articular com políticas de efeito mais imediato. Trazer população jovem que preencha o vazio. Imigração.

A Europa sem imigração corre o risco de entrar num processo de colapso económico e social. Porém, não agrada a natureza do argumento. O argumento utilitário da bondade socioeconómica da solução representa, até certo ponto, uma perversão de valores. As pessoas não são coisas, não são máquinas, não são mercadoria, não são dinheiro, não são ações. São pessoas. São gente. Gente com necessidades, aspirações, esperanças, sonhos. Gente com direitos. Direitos humanos, económicos, sociais. Os sistemas sociais e económicos devem ser construídos para garantir esses direitos. É isto que significa desenvolvimento, é isto que é civilização. Quando o que está em causa é a vida e a dignidade humana, a economia pode sugerir, não deve impor. É a ética que se impõe. A ética impõe-se à economia. O auxílio aos migrantes internacionais nunca devia ser posto em causa. Não se debate o auxílio aos que sofrem, encontram-se formas de auxiliar. No que respeita à imigração para a Europa, ética e economia recomendam o mesmo. A Europa precisa dos imigrantes para ter futuro e os imigrantes precisam da Europa para ter futuro. Não há dilema. Neste jogo, todos ganham.

Gráficos

Apresentações próprias a partir de dados do Eurostat, consultados em 5 de outubro de 2018

 

1 – Taxa de crescimento natural, Portugal, 1960 – 2017 (%)

    

2 – Índice de fecundidade, Portugal, 1960 – 2017 (Unid.)

Dados para a Europa 28 só disponíveis a partir de 2001

 

3 – Idade mediana, Portugal, 2001 – 2017 (Anos)

 

4 – Estrutura etária da população em início de década, Portugal, 1960 – 2010, 2017 (%)

 

5 – Índice de dependência total (eixo principal), índice de dependência de Idosos (eixo secundário) e índice de dependência de jovens (eixo secundário), Portugal, 2001 – 2017 (%)

 

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