Festival HabitACÇÃO: “As nossas casas, as nossas vidas, somos pessoas e não mercadorias!”

A culminar o Festival HabitACÇÃO, organizado por mais de 30 coletivos com intervenção na área da habitação, realizou-se uma concentração na Avenida da Liberdade, em Lisboa, que foi uma assembleia participativa de “microfone aberto” para discutir a “mudança” necessária nas cidades e exigir que seja cumprido o direito à habitação.

“O festival não é o fim, é o início de um novo processo de luta pela cidade e pela habitação”, referiu Rita Silva, uma das organizadoras do Festival, que adiantou propostas que já são consensuais entre os coletivos que lutam pelo direito à habitação: “parar os incentivos à especulação, nomeadamente os ‘vistos gold‘, os residentes não habituais e as isenções aos fundos de investimento imobiliário, regular e baixar o preço das rendas e dar estabilidade aos contratos do arrendamento”, assim como “mais dinheiro público para habitação pública” para travar “esta onda de especulação que galga pelas cidades”. Além disso, “parar os despejos, porque esse é o grande problema, é as pessoas que estão a perder a casa e que não têm alternativas, as pessoas que não conseguem encontrar alternativas de habitação”.

A habitação foi na sua quase totalidade mercantilizada em Portugal nas últimas décadas. Chegamos ao limiar de 2020 com apenas 2% de habitação pública, a maior parte de iniciativa municipal. O Estado demitiu-se da obrigação de garantir que o artigo 65.º da Constituição fosse cumprido. Foi tudo entregue ao mercado e a legislação foi sendo liberalizada, com poderes acrescidos para os senhorios, como aconteceu com a lei Cristas. A luta e as mobilizações populares têm de empurrar a mudança neste estado de coisas.

Os especuladores fundiários, o sistema financeiro, os construtores civis e as grandes empresas do imobiliário operaram sem quaisquer restrições, beneficiando dos juros bonificados para aquisição de casa própria a que milhares de agregados foram obrigados a recorrer. Com a pressão do turismo, do alojamento local e dos vistos gold, a subida dos preços do imobiliário tornou-se incomportável mesmo para setores da população com rendimentos médios e com situações dramáticas, nomeadamente aumento dos despejos, perda das casas e expulsão para as periferias, para pessoas com menores rendimentos.

As alterações à legislação sobre habitação foram muito condicionadas pelo PS, para além da oposição da direita, na última legislatura. A aprovação da Lei de Bases da Habitação foi um passo importante, mas só conseguida no final da legislatura. O PS colocou-se geralmente ao lado dos interesses do mercado, em detrimento do direito à habitação. A direita acompanhou-o, invariavelmente, nessa atitude. As verbas para promover a habitação pública em todos os Orçamentos de Estado, desde 2015 até 2019, foram praticamente inexistentes.

Como refere Rita Silva, da Associação Habita, “em vésperas de eleições autárquicas, o primeiro ministro elegeu a política pública de habitação como prioridade e cria uma secretaria de Estado para esse fim. António Costa disse «não pôr em causa a liberalização do mercado» e identifica a classe média como alvo prioritário a aceder à habitação «a custos que sejam acessíveis». Posteriormente, foi anunciada a Nova Geração de Políticas de Habitação.” Os programas desta medida do governo estão subfinanciados e, no caso do programa Renda Acessível, promove a isenção de impostos aos senhorios. Entretanto, as rendas continuam a subir, a escassez de oferta de habitação é cada vez mais acentuada e os despejos não param.

O direito à habitação continua por concretizar. A mobilização cidadã pela exigência de acesso a uma habitação digna para todas as pessoas é essencial para que se consigam avanços que impeçam mais despejos e mais especulação.

 

3 comentários em “Festival HabitACÇÃO: “As nossas casas, as nossas vidas, somos pessoas e não mercadorias!””

  1. Não compareci e dificilmente voltarei a comparecer pois encotro-me há beira de ser despejado e isto nem cócegas faz … Que sentido há em fazer uma destas acções sem que lá estejam forças vivcas como sindiocatos – clubes e outras orgs também elas despejadas !?!?!? Isto para mim não tem sentido algum .. Não passa de floclore : Manifs pela HABITAÇÂO só á porta do papagaio Marcelo ou de S.Bento Primeiro deixaram que fosse aprovada a Lei de Bases da Habitação e agora fazem uma assembeleia para preparar uma nova acção .. Para Março !?!?!? TUDO ISTO È TRISTE ! Mau de mais .. Temos uma esquerda e uma coidadania … Se na frente sindical as coisas avançassem deste modo .. nem as melhoriazinhas da “geringonça” (que mais gosto de apelidadar de “arranjinho” teriam havido ..

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    • Sr. Marín, se uma assembleia na rua com 700 pessoas faz poucas cócegas imaginamos que não vir para este tipo de iniciativas ainda menos cócegas faz 🙂

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  2. Em Lisboa, há Freguesias em que 1/4 dos habitantes são estrangeiros. Se o Alojamento Local foi uma saída e um alívio para algumas pessoas da ‘classe remediada’, foi a desgraça para a maioria, o contributo para a falta de habitação para estudantes, para os casais em princípio de vida e a justificação para muitos velhos ou reformados serem expulsos pela ganância. O AL é a galinha dos ovos de ouro para certos Fundos sem fundo, que compram andares, prédios, ruas.
    Neste estado de democracia representativa, são os representantes que devem defender os representados e fazem-no mal na maioria das vezes. É esse o jogo em que Portugal embarcou com o 25 de Novembro.
    Como, neste contexto, qualquer manifestação de rua com menos de 100 000 pessoas ou é vista como inútil ou não representativa dos mais prejudicados, de facto tenho de concordar com o comentário do José Marin.
    Ou na AR há um grupo de pressão que boicota todas as leis que permitem e facilitam este regabofe (o que não acontece) ou então só lá vamos com acções de luta mais radicais e menos festivaleiras.
    Uns sindicatos parece que andam meio anestesiados e outros que só se preocupam com reivindicações salariais. Quando em datas comemorativas saem à rua, é para cantarolar o ’25 de Abril sempre, fascismo nunca mais’ enquanto o país está a ser vendido a preço de saldo às multinacionais.
    Terão de reler a história do movimento sindical português de há cem anos , para ver se conseguem adaptar a linguagem aos dias de hoje e, principalmente, agir em conformidade.

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