A justiça, o nosso lugar comum

Saramago dizia que o problema da justiça é que aplicava uma lei que não era justa. Esse problema da lei, vamos nós aqui combatendo. Mas quem resolve o problema que se vive na Justiça?

A justiça folclore, que enche capas sensacionalistas de jornais é nada mais do que a consequência de uma justiça doente em Portugal. A justiça em Portugal é cara e inibitória do exercício de direitos para o cidadão, principalmente se tivermos em conta que o empobrecimento gerado pela crise não foi acompanhado por medidas que evitassem essa repercussão no acesso à Justiça pelos que mais perderam rendimentos.

Por outro lado, é também lenta e pouco eficiente, fragilidade que fomenta o jornalismo de investigação, que vai obtendo provas e/ou provas aparentes antes mesmo das próprias investigações, com o consequente pré-conceito que vai socialmente eclodindo. Tudo isto gera, também, a ansiedade crescente de onde nascem cada vez mais fugas ao segredo de justiça.

Por isso, identificar o problema é só fundamental: tal só acontece porque a justiça em Portugal é lenta, ocupando a Justiça portuguesa uma média de 710 dias para resolver um processo, em contraposição, por exemplo, com Espanha, com uma média de 200 dias(*). Temos poucos juízes e muitos problemas.

A justiça é agora também machista, o que é consequência de uma classe de Juízes, com uma superespecialização técnica, mas sem especialização face aos problemas vividos por grupos específicos, sem especialização face à identificação dos problemas das descriminações em razão do género, raça, etnia, da idade.

Mas a Justiça tem outros problemas, nos seus próprios alicerces. Os jovens advogados precisam de proteção face ao crescimento do fator de condição económica vir a ser cada vez mais como requisito sem o qual não se acede à profissão, onde os estágios profissionais não remunerados como regra são o mote para elitizar cada vez mais uma classe. Por seu lado, os técnicos juristas (licenciados em direito) que essencialmente trabalham na administração pública (mas não só), resolvem grande parte dos litígios jurídicos, mas vivem ainda sem carreira, sem escalões – numa espécie de limbo jurídico, vejam só a ironia – enquanto o Estado paga aos grandes escritórios de advogados valores irrisórios por uma causa. Também fazem greve os funcionários da justiça, que vivem com as suas progressões congeladas há mais de 10 anos, esperam melhores condições de trabalho.

Não existe direito se quem o exerce vive sem direito. Combater o problema dos trabalhadores da Justiça é combater por uma Justiça melhor.

(*) Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia, 2017.

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