“França Insubmissa” vota contra plano de emergência francês e apresenta alternativas

Jean-Luc Mélenchon, proferiu um importante discurso no parlamento francês sobre o chamado Plano Macron de Emergência sanitária, contra o qual acabariam depois por votar os 17 deputados da França Insubmissa (FI), formação de que é líder.

Nessa intervenção, o líder da formação gaulesa começou por afirmar ser a FI uma força de oposição e uma força de apresentação de propostas. “Manter-nos-emos assim, sejam quais forem as circunstâncias”, vincou.

“Numa democracia a oposição contribui para o interesse geral através das suas ações solidárias, mas também através das suas críticas. Isto permite nunca esquecer o postulado fundamental da democracia e da razão: em todas as situações, um outro caminho é possível”, acrescentou. O direito e o dever de uma oposição é de “apresentar-se como uma alternativa, à disposição dos cidadãos”.

O líder da FI reconheceu que a pandemia é um facto biológico. “Mas ela é antes de mais um fenómeno social que resulta das condições em que a humanidade a produziu, trocou e definiu as suas prioridades até agora. Chegamos hoje aqui porque o egoísmo social, o mercado livre e a livre concorrência dominaram tudo sem travão, enfraqueceram e destruíram sem contrapartida quase todos os nossos meios de defesa coletiva.”

Mélenchon considera ser com tudo isto que “é preciso romper de uma vez. Não apenas para criar um mundo novo amanhã, mas para nos podermos salvar hoje.”

A situação é clara. “O interesse comum, a salvação de todos, a entreajuda, a planificação ecológica, eis o que deve predominar de agora em diante.”

Apesar de ter custos psicológicos graves, “o confinamento forçado é necessário e indispensável, presentemente. Mas não representa o horizonte inultrapassável da ação coletiva para o futuro.”

Mélenchon enumera o muito por fazer e para o qual a França tem os recursos necessários.

“A frente sanitária deve ser abastecida, sem demora, de tantas máscaras quanto as que forem precisas, de tantos ventiladores quanto os necessários, dos testes que permitam saber quem está doente e deve ficar confinado e ser cuidado e quem não está e pode tornar-se útil.

Consequentemente, as 1 000 empresas têxteis e os seus 100 000 trabalhadores, devem ser requisitados para produzirem, prioritariamente, as centenas de milhões de máscaras de que necessitamos.

As empresas fechadas ou em falência, cujas produções dizem diretamente respeito aos produtos de que temos necessidade, devem ser nacionalizadas e reabertas, sem demora.

Todo este aparelho produtivo pode e deve ser mobilizado, dia e noite, para evitar o desastre, antes do pico da epidemia.

Em todas as empresas abrangidas, os próprios trabalhadores devem decidir sobre as melhores condições sanitárias de produção, serem equipados com os meios de proteção e organizar, através do contacto com as empresas que os fornecem, a continuidade da cadeia de fornecimento que lhes é necessária.

Deve ser garantido a cada um que o seu rendimento, o seu alojamento e os seus bens de primeira necessidade serão assegurados e, consequentemente, pode e deve aceitar, sem condições o confinamento.

Um imposto sobre as grandes fortunas e os rendimentos do capital, deve contribuir, imediatamente, para o financiamento das medidas de salvação geral.

A França deve mobilizar-se, não apenas para si, mas para participar na solidariedade com os povos que pediam ajuda e, em particular e prioritariamente, os do espaço francófono.”

Em contrapartida, afirma Mélenchon, o plano do governo “não prevê a contribuição de todos os que fazem parte do país, nem a planificação dos meios de produção necessários.”

“Ele não tira qualquer lição da forma como o egoísmo das nações que compõem a União europeia, se impôs contra todo e qualquer bom senso e com o maior desprezo pelos valores que proclamam. As vossas decisões serão aplicadas. Desejamos, de todo o coração, que elas sejam bem-sucedidas, mesmo se não acreditamos. Mas se falharem, o país deve saber que dispõe de uma alternativa, com uma outra coerência.”

“Chegou o momento de mudar radicalmente. É esta revolução que a civilização humana da nossa época deve levar a cabo”, concluiu o líder da França Insubmissa

Discurso de Mélenchon foi premonitório

O Plano do governo Macron já teve desenvolvimentos posteriores. Daí não resultou nenhuma requisição do setor têxtil nem mecânico para a produção de máscaras e ventiladores. Nenhuma nacionalização de empresas. Nenhum método de planeamento da mobilização sanitária.

A lei francesa de emergência sanitária é um pretexto para um novo recuo dos direitos sociais. Assim, os empregadores poderão agora passar os dias de confinamento forçado em férias pagas, se houver um acordo empresarial. E os empregadores podem decidir sozinhos sobre as RTT e os dias de descanso.

Nos transportes, logística, agroalimentar, agricultura, energia ou telecomunicações, agora será possível fazer trabalhar até 60 horas por semana. O tempo mínimo de descanso entre dois dias de trabalho será reduzido em duas horas.

O governo francês faz com que os trabalhadores paguem a crise sanitária que ele contribuiu para reforçar com a sua impreparação. Fá-lo quando recusou qualquer medida que contribua os ultra-ricos. A proposta da FI para restabelecer o imposto sobre a fortuna (ISF), mesmo a título provisório, foi adiada. Mas a confiscação dos direitos sociais foi feita de um dia para o outro.

Entretanto “A República em Marcha” (direita) na Assembleia anunciou que as medidas antissociais excecionais deveriam ser passadas para o direito comum.

O recuo dos direitos sociais – em França como em Portugal – põe em perigo a mobilização sanitária. Pelo contrário, é preciso que todos contribuam para o esforço coletivo. E é preciso colocar cada um em segurança para que ele possa participar na mobilização.

 

Crédito da Foto de Mélenchon: Ministerio de Cultura de la Nación on Visual hunt / CC BY-SA

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