Uma nova política agrícola para uma Europa dos povos

O Parlamento Europeu está a debater a reforma da PAC a partir de 2020, sob proposta da Comissão Europeia. Neste artigo, Marisa Matias, Estefania Torres e Younous Omarjee — eurodeputados do Bloco, Podemos e França Insubmissa — defendem “uma inversão de marcha em direção a uma agricultura de escala humana” na Europa.

Há demasiado tempo que a política agrícola da União Europeia tem promovido a destruição dos pequenos agricultores e tem defendido um modelo de sobre-exploração, exportações e produção em massa a qualquer preço. Este modelo não é adequado para o futuro. Defendemos uma inversão de marcha em direção a uma agricultura à escala humana na União Europeia. De facto, a política agrícola europeia empobreceu os agricultores, trouxe-lhes a precariedade e a instabilidade como único horizonte possível. Para nós, todos os agricultores devem poder receber um salário decente para si e para a sua família.

Além disso, a política agrícola europeia tem promovido uma agricultura baseada na utilização de pesticidas tóxicos. Nós comprometemo-nos na luta por políticas públicas que protejam a saúde de todos os agricultores e de todos os cidadãos de pesticidas nefastos que põem em causa as suas vidas, envenenam as pessoas, poluem os solos e destróem a biodiversidade.

Porque todos nós queremos que os nossos agricultores tenham uma vida decente, e queremos ter acesso a produtos benéficos para a nossa saúde e adequados ao nosso planeta, decidimos agir em conjunto e propor uma política agrícola que tenha em conta os agricultores, as pessoas e o planeta.

A Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu está a trabalhar, desde a semana passada, nas propostas de alteração à reforma da PAC a partir de 2020, proposta pela Comissão Europeia.  A proposta comum sobre a PAC, assinada por estes movimentos e partidos políticos, que fazem parte do Agora, o Povo!, transcende as exigências específicas de cada um dos Estados Membros que representamos e permite-nos colocar o debate onde ele deve estar: na soberania alimentar, numa economia com uma escala humana, no direito à saúde, à justiça social e ambiental e na igualdade de oportunidades entre homens e mulheres por toda a Europa.

Esta reforma da PAC é uma grande oportunidade, se soubermos tirar vantagem do contexto actual. Não podemos esquecer que esta é a primeira política pública comum e a mais emblemática. De facto, até hoje, a PAC absorveu quase 40% do total do orçamento da União Europeia.

A PAC foi criada para assegurar a auto-suficiência dos principais produtos agrícolas na Europa e também para compatibilizar isso com rendimentos adequados para quem trabalhava a terra. Contudo, a União Europeia tem muito pouco a ver com esses objectivos iniciais.

Décadas e décadas de reformas da PAC foram sempre feitas na senda de uma opção pelo ultra-liberalismo, marcado pelas políticas de comércio, e que levou a modelos de produção insustentáveis, desequilíbrios territoriais, paradoxos de uma burocracia que ignora a realidade da terra e que serve para o enriquecimento de uns poucos e para a ruína de muitos pequenos produtores.

Acreditamos que chegou a hora de colocar o direito à alimentação e a via para a soberania alimentar no centro da PAC. Precisamos dar passos muito firmes na direcção da transição ecológica do modelo de produção, transformação e distribuição dos alimentos.

É, portanto, imperativo ir à raíz dos problemas e estabelecer políticas de regulação do mercado de modo a assegurar por um lado que os que produzem os alimentos não ficam desprotegidos e, por outro, deixar de enriquecer os que distribuem esses mesmos alimentos.

A Europa não pode continuar no caminho dos acordos de livre comércio e não pode continuar a substituir políticas públicas pela promoção de regimes privados de seguros agrícolas. A PAC deve procurar cumprir os objectivos de bem comum e deverá ser a força motriz na luta contra as alterações climáticas.

Esta reforma não diz respeito apenas a quem trabalha a terra e produz o que comemos, mas diz respeito a toda a sociedade. Proteger os nossos agricultores e criadores de gado é essencial porque afinal são eles que alimentam a população.

Assim, a PAC que queremos tem que ser construída tendo por base uma vivência no meio rural e um modelo agrícola familiar, social e viável, que seja sustentável e ligado à terra. Só desse modo fortaleceremos a sua legitimidade social, a qual será a melhor garantia para o seu futuro.

 

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