Uma aldeia festival – é Cem Soldos!

Foi na aldeia de Cem Soldos, a uns minutos de Tomar, e numa coletividade que faz questão de manter a designação de Operário, que germinou a ideia de um festival de música feita em Portugal. O objetivo era comemorar os 25 anos do Sport Clube Operário de Cem Soldos, em 2006, com uma bienal que acabou por ganhar o nome de “Bons Sons”. A preparação é comunitária, envolve todas as gerações, e as exposições, os jogos, os debates e os palcos são montados nos largos, em velhas adegas, por entre o casario da aldeia. Passou a ser anual, em 2019 já vai na 10ª edição. A dinâmica cultural e popular do festival mobiliza cerca de 35 mil pessoas e desafia dramaticamente o mito sobre um rural atávico e desinteressante.

Cem Soldos é conhecida na região pela “aldeia vermelha”. São evidentes o apego ao espírito comunitário que lhe vem de há muito, a forte ideia de desenvolvimento cultural e a intensa participação coletiva nas decisões e nas obras. Luís Ferreira, o diretor artístico de “Bons Sons”, em entrevista ao jornal Público (2010) conduzida pelo jornalista Mário Lopes, desmonta o lugar que a urbanidade com problemas de horizonte inventou para o mundo rural: “Uma ideia ultrapassada de artesanato, de músicas tradicionais e gastronomia”. Que é quase sempre replicada e imposta pelo centralismo do Estado e dos partidos. Cem Soldos mostra que essa cristalização é um erro, que nada daquilo existe parado no tempo.

Nove anos depois, Mário Lopes volta a perguntar a Luís Ferreira se parte importante do discurso do “Bons Sons” passava por contrariar a ideia de ser inevitável o definhamento e a desertificação do espaço rural e do interior do país. Mas andamos a discutir a descentralização há décadas e a desertificação do interior é mesmo uma realidade. O diretor do “Bons Sons” responde que “a descentralização é sempre um olhar de Lisboa para o resto e cada vez mais sentimos que estamos numa lógica de organização quase medieval, em que há a cidade-estado e depois o resto é a paisagem que serve o caminho para a cidade.”

Luís Ferrira refere que “nessa ideia de descentralização há sempre um olhar muito exterior, sempre numa lógica de “estou aqui no centro e, onde a minha mão chegar, a coisa vai acontecer”, e não no sentido daquela frase [do Zeca Afonso] que repetimos muitas vezes (…) “A revolução cultural não é eu poder ir tocar a todos os sítios, é eu ir aos sítios e ouvir a música que é feita lá.”

O festival em Cem Soldos dura desde quinta feira. Vai terminar, por agora, no domingo. A programação de “Bons Sons” foi vasta: Tiago Bettencourt, Júlio Pereira, Luísa Sobral, Helder Moutinho, Budda Power Blues & Maria João, Dino D’Santiago, Pop Dell’Arte, Moullinex, X-Wife, Três Tristes Tigres, Diabo na Cruz, First Breath After Coma + Noiserv, Glockenwise + JP Simões, Sensible Soccers + Tiago Sami Pereira, Benjamim + Joana Espadinha, Joana Gama + Sopa de Pedra, Lodo + Peixe… e muitos mais. É grande a expectativa para o “Bons Sons” 2020!

 

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