Um numeroso grupo de personalidades ligadas ao ambiente acaba de publicar uma Carta Aberta contra o projeto de turismo de luxo que ameaça o mouchão do Lombo do Tejo, uma das três ilhotas do estuário do rio Tejo.
Numa primeira fase, pretendem uma unidade hoteleira com 60 a 70 quartos e um Spa. A seguir virão 60 a 70 villas em madeira, com tipologias entre T1 e T3.O investidor garante que “no cenário pós-pandemia, o novo luxo é dado pelas experiências naturais, saudáveis e exclusivas”, na ilha do Lombo. Exclusivas de quem pode pagar o luxo, entenda-se…
Se se confirmar o uso turístico do Mouchão do Lombo do Tejo abre-se um precedente para o mesmo fim nos outros mouchões, ameaçando todo o estuário do Tejo.
Via Esquerda transcreve na íntegra essa Carta Aberta.
Em defesa do Estuário do Tejo
O Estuário do Tejo foi sempre um dos ex-libris da Política de Ambiente desde que esta existe institucionalizada, primeiro como Secretaria de Estado e depois como ministério.
Ao longo destas décadas houve sempre um Ministério do Ambiente decidido a defender o estuário das várias tentativas de empreendimentos que poderiam subverter a sua integridade física e biológica.
Ao ser criada pelo Decreto Lei nº 565/76 de 19 de Julho a Reserva Natural do Estuário do Tejo ficou definitivamente salvaguardada (pelo menos assim se julgava) a sua condição de uma das mais importantes zonas húmidas estuarinas da Europa, classificada como sítio da Convenção de Ramsar. O bom estado de equilíbrio deste ecossistema complexo e valiosíssimo é também um indicador da qualidade ambiental para a região de Lisboa.
Existem três mouchões próximo da margem direita, Lombo do Tejo, Alhandra e Santa Iria, sendo o mais importante o primeiro, onde sempre funcionou uma exploração agro-pecuária que, como tal e porque tem sido mantida equilibrada, não interfere com a integridade biofísica e ambiental do estuário. Mas também desde há várias décadas que foram surgindo propostas para transformar o mouchão num empreendimento turístico e sempre, repete-se sempre, os sucessivos ministérios do Ambiente recusaram essa reconversão para turismo – fica em causa não só o aumento da área de construção, a sua utilização pacífica como apoio à agro-pecuária, mas ainda o aumento de pessoas a movimentarem-se e a usarem o mouchão como local de lazer, com tudo o que isso implica de ruído e perturbação da tranquilidade indispensável à vida selvagem do estuário, em especial da avifauna.
Se se confirmar o uso turístico do Mouchão do Lombo do Tejo abre-se um precedente para o mesmo fim nos outros mouchões. Se a isto somarmos o enorme erro que é a pretensão de construir o novo aeroporto no Montijo, que o próprio actual Ministério do Ambiente apoia mandando até fazer um segundo EIA porque o primeiro contrariava a proposta. E se for por diante a transferência dos Parques Naturais para o âmbito das Autarquias Locais, será o descalabro total do Sistema Nacional de Áreas Protegidas : estamos perante um Ministério do Ambiente que envergonha a sua missão, em pleno século XXI, num país da União Europeia.
O dinheiro e os negócios nunca devem prevalecer perante os valores fundamentais da Vida.
É contra isso e em prol da defesa do Estuário do Tejo como área sensível e ecologicamente única no nosso país, de valor europeu e universal, que nós que dedicámos as nossas vidas à defesa da Conservação da Natureza como pilar do Ambiente, nos indignamos e apelamos a um sobressalto cívico que possa travar estes atropelos ambientais.
Signatários
António Antunes Dias, Biólogo, ex-director das Reservas Naturais do Estuário do Tejo e do Sado
António Eloy, Antigo professor universitário, investigador, coordenador do Observatório Ibérico de Energia
Carlos Pimenta, Ex-secretário de Estado do Ambiente
Fernando Santos Pessoa, Ex-presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, responsável da criação da Reserva Natural do Estuário do Tejo
Helena Freitas, Professora Catedrática da Universidade de Coimbra
João Reis Gomes, Ex-director da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim/Vila Real de Santo António
Jorge Paiva, Biólogo do Centre for Functional Ecology-Science for People & Planet, Universidade de Coimbra
José Carlos Costa Marques, Tradutor, editor
Luís Coimbra, Engenheiro aeronáutico, ex-presidente da NAV Portugal
José Marques Moreira, Ex-director de Serviço do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e do Instituto da Conservação da Natureza
Robert Manners de Moura, Antigo professor da UTAD, Prémio Nacional da Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente, ex-director do Parque Natural do Alvão
Há uma atitude contraditória neste governo: por um lado é o que mais grita pela necessidade da transição energética tendo em vista a salvaguarda do ambiente, mas por outro protege o pato-bravismo e dá facilidades à destruição do património natural.
Não percebo se o faz por ter um ministério com fraca chefia técnica e ideologicamente pobre, se por uma birra para mostrar poder, ou se há alguma pressão que o submete… francamente é difícil de entender.
Essa ideia bizarra de querer mudar uma Lei para permitir a aberração do Montijo – porque essa mesma Lei serviu aos interesses do governo de Sócrates mas é um entrave ao de Costa/Matos Fernandes – não é uma atitude democrática quanto mais socialista. Depois fingem-se chocados com atitudes populistas dos bem A-venturados.
Parece que o governo se deslumbrou com a varinha-mágica chamada turismo e que para todo o sempre o prioritário é desenvolver tudo o que orbite em torno disso.
É bastante cómodo deixar aos privados a criação de armadilhas para consumo de turistas despejados em aviões ao ritmo de 100 000 por dia, sobretudo quando esse filão se baseia na exploração de trabalhadores eventuais, sazonais, não-qualificados, pagos miseravelmente por muitos ditos ‘empresários’ de hotelaria e restauração, alguns dos quais se manifestaram e berraram pelo desconfinamento! O governo cedeu-lhes e tiveram o que pediram: restaurantes abertos e mais uns milhares de idosos e não só, liquidados de uma assentada.
Não pesará na consciência destes governantes? Tão assertivos no que não devem e tão fracos nas cedências irracionais.
Ainda que o governo use uns óculos que só deixam ver símbolos de Euro, bastaria pensar que os milhões gastos por dia em internamentos, UTI´s, milhares de médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, manutenção dos hospitais, ambulâncias, testes, consumíveis, medicamentos… seriam melhor aplicados para pagar a quem pára (patrões e empregados) mas manter as pessoas vivas!
Até um capitalista-explorador (passe o pleonasmo) percebe que os mortos não voltam ao trabalho.
Agora é esta parte da Reserva Natural do Estuário do Tejo que está a ser alvo da ganância.
E, aproveito para perguntar, porquê um resort de barraquinhas e uma pista artificial de esqui na Serra da Estrela (quem serão os totós que virão para um Portugal de clima ameno fazer esqui, tendo aqui ao lado a Sierra Nevada ou os Pirinéus)?
E porque surge mais um atentado ao Douro?
E porquê esta labregagem da construção ataca um pouco por todo o lado?
Porque obviamente já viram como e para quem funciona a Agência Portuguesa do Ambiente, como são feitos os Estudos de Impacto Ambiental e as respectivas Declarações.
Mas não é com cartas-abertas que vamos lá. Certo que é um primeiro passo, um alerta público, mas cartas-abertas nem um secretário de estado as lê, quanto mais um ministro.
A Reserva Natural do Estuário do Tejo tem quase tanto tempo quanto o 25 de Abril.
Denuncie-se sim judicialmente às entidades europeias mais este atentado ao ambiente; ao menos que a UE sirva para isso…