STAYSAFE – Ou as vantagens do Estado de Emergência

STAYSAFE é um simpático hostel, na Travessa do Fala Só.

STAYSAFE quer dizer estás seguro. Boa publicidade numa situação cheia de perigos reais ou imaginados, é assim a vida nas grandes urbes modernas. E não há melhor apelo aos turistas e aos trabalhadores estrangeiros, aos imigrantes.

Com o brutal surgimento do COVID e a ameaça à saúde pública e à vida das pessoas, um lugar acolhedor e com boas condições de habitabilidade e com um solário ao ar livre, pode e deve servir de refúgio seguro aos hóspedes: STAYSAFE!

Eis porém que há cerca de 20 dias, quando se intensificou a ameaça do vírus e logo é imposto o Estado de Emergência a gerência, que decerto stay safe, começou a criar entre os hóspedes uma espécie de estado de sítio psicológico dando a entender que a polícia os iria despejar, lançando a incerteza e o medo. Razões? Exactamente aquilo que a devia obrigar a assegurar em condições o confinamento legalmente imposto.

Roxana uma jovem criatura de 21 anos com uma maturidade insuspeitada, com um pensamento e uma abordagem da realidade social e política brilhantes que lhe conferem uma força interior para a luta e a resistência radicais, organizou os hóspedes deu-lhes alento e orientou-os na resistência possível ao que, durante bastantes dias, era uma ameaça e passou a tornar-se uma imposição.

A fragilidade objectiva da sua situação como estrangeiros, quem sabe se alguns sem a posse de todos os elementos legais para permanecer no país, foi enfraquecendo a unidade inicial e a resistência psicológica, a resiliência.

O temor de acção policial, ameaça da gerência, que a existir só deveria ser para impor à gerência a garantia de permanência dos hóspedes mesmo que alguns já não pudessem pagar o alojamento por o Estado de Emergência obrigar à permanência por mais tempo do que tinham planeado ou porque tinham perdido a sua fonte de rendimento, levou a que fossem abandonando dia a dia a hospedaria sem terem garantidas condições de segurança sanitária e de refúgio decente.

Uma operação típica dos patrões e dos mercadejantes e proprietários que o Estado de Emergência finge prevenir para dar cobertura ao cerceamento das liberdades constitucionais que em nada prejudicam a luta contra o vírus.

Roxana, pintora e investigadora da realidade social e política e que está em Portugal há já algum tempo percorrendo o território à procura das nossas gentes do trabalho em todas as suas vertentes para escrever um livro, encontrou-se comigo e muito falámos nomeadamente do 25 de Abril, das portas que abriu e que ao contrário do que preconizava a generosidade e genealidade poética de Ary dos Santos, alguém quase conseguiu fechar se é que não fechou mesmo.

Roxana apesar da sua força e discernimento deu-me a honra e o prazer de partilhar comigo permanentemente as suas preocupações e dificuldades. Pelo que me senti obrigado, ao tomar conhecimento da situação, ir ao seu encontro no STAYSAFE.

Aí constatei a eficácia do seu trabalho a unir gente tão diferente mas que confiava na sua direcção. Também verifiquei que o pessoal empregado e o próprio encarregado estavam suspensos da ignorância do que se iria passar mas temerosos das consequências: desemprego.

Roxana também já os havia encorajado à unidade e resistência no caso de a ameaça ainda velada se concretizar.

Mas também as embaixadas dos países a que pertencem os hóspedes foram convocadas a ter o seu papel. Roxana tem sido inultrapassável na sua actividade de defesa dos direitos de cidadania, o direito a alojamento condigno e à saúde.

Perante a situação informei em primeira mão a Direcção de Saúde da Lisboa e Vale do Tejo visto tratar-se, antes de uma ameaça de despejo, de uma questão de saúde pública.

Entretanto soube que o Bloco está em cima da situação.

Segundo informação de Roxana a polícia esteve segunda feira no Hostel onde, de duas dezenas, restam cinco pessoas incluindo ela própria.

A polícia tinha orientações para os levar para um local, para os levar para um “alojamento social”.

A pergunta que fica: quem ignora estes abusos dos proprietários/patrões e aceita o despejo sem justificação digna, indo contra a exigências sanitárias, pois é disso que se trata!?

Será preciso sublinhar mais uma vez os verdadeiros objectivos do Estado de Emergência?

Deixo-vos com o duro e magnífico lamento de Roxama na última informação que me enviou:

«5 pessoas vivem aqui, Roxana, Kleber, Abner, Grâcce, Kevin. Sultan partiu para outro hostel que vai fechar as portas dentro de 5 dias. Parem o fluxo. Não é oportunismo, é uma real consciência Mário; se não tiver um lugar decente vou alimentar-me mal, se estiver permanentemente debaixo de pressão quererei fugir. Refugiar-me no mar ou não sei onde, recuperar a energia que me roubaram»

«A função de um edifício que é um edifício turístico é essa. Ponto. Mas poderia ter uma outra função neste período de Emergência, um edifício com as paredes repletas de alegria com as pessoas a alimentarem-se culturalmente em conjunto ou separadas, ter tempo e segurança, por si próprios e por um Bem COMUM. Uma casa até que se retomem o trabalho e a economia»

«É incrível que um Director de Saúde Regional, um Presidente da Segurança Social, um Vereador, um antigo Capitão respeitado por todos, não possam fazer nada.

Merda, uma coisa tão simples! Se não posso ajudar a despertar as consciências, possa ao menos ajudar estas 4 pessoas que confiam em mim.

Que grande hipocrisia»

Estou envergonhado. E vocês?

Viva o Estado de Emergência!

Mas como diria a minha querida Roxana, que nunca mais me perdoará, merda para o mesmo e quem o apoiou.

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