Os feminismos estão na agenda política?

Acontecimentos, relativamente recentes, podem dar a entender que os feminismos estão na agenda política: o movimento # Me Too de denúncia do assédio sexual, as manifestações anti Trump em várias cidades do mundo contra as políticas misóginas e antifeministas do novo presidente dos EUA, a Greve Internacional de Mulheres no 8 de março, com especial expressão no Estado Espanhol.

Também no nosso país, as mulheres têm saído mais à rua nas marchas contra a violência, no dia 8 de março, na indignação contra o assassinato de Marielle Franco, na formação de novos grupos feministas e de novas expressões culturais como o Festival Feminista. Também encontramos, uma maior aceitação da palavra feminismo por parte de órgãos de comunicação social, em especial a partir do Congresso Feminista 2008.

Será que os feminismos deixaram de estar marginalizados?

Será que os feminismos conquistaram lugar de destaque no debate e na agenda política?

Numa análise ligeira do assunto poderíamos ser levados/as a pensar afirmativamente.

Mas que dizer do avanço de uma ideologia neoconservadora e mesmo fascizantes em países europeus, onde a homofobia, o racismo e o antifeminismo ganham terreno?

Creio que não existem dúvidas de que os feminismos se foram afirmando na sua corrente institucional, em torno da Igualdade de Género, de políticas governamentais contra a violência de género e contra todo o tipo de discriminações.

Se pensarmos numa corrente política de feminismo de esquerda de cariz marxista, esta tem de estar muito para além destas políticas, embora se tenha de reconhecer a importância destas políticas na concretização de direitos. Esse feminismo tem de responder a desafios que se colocam teoricamente ao pensamento marxista. Mas tem de ser, também, um feminismo de ação política. Um feminismo que se indigna perante as discriminações em função do sexo, da classe, da cor de pele, dos países de origem, das etnias, da orientação sexual e da identidade de género.

Um feminismo que coloca em causa as relações capitalistas e heteropatriarcais.

Um feminismo que não se limita a desconstruir os estereótipos de género, mas que procura eliminar o binarismo de género. Um feminismo que não denuncia apenas as desigualdades salariais entre mulheres e homens, mas que aprofunda a base dessas desigualdades na forma como o capitalismo e o patriarcado atuam de braço dado, nas estruturas do mercado.

Um feminismo que procura contribuir para uma outra cultura de livre expressão de valores de igualdade real. Um feminismo que enfrenta debates “incómodos” como o da prostituição, não deixando de lado os direitos das trabalhadoras sexuais. Um feminismo que não é só urbano, mas que se estende a todos os territórios. Um feminismo que não é só de elites intelectuais, mas que chega a todas as mulheres trabalhadoras. Um feminismo que não é eurocêntrico, mas que acolhe as diferenças de feminismos em outras regiões do mundo. Um feminismo internacionalista sem impor modelos.

Pelo contexto histórico vivido, o feminismo liberal assume, actualmente, contornos neo-liberais, que impedem a incorporação de factores de transformação social emancipatórios. O contraponto ao pensamento e discurso neoliberal coloca-se na afirmação da identidade política dos feminismos. Na criação de uma forte corrente política de esquerda dos feminismos, que faça frente ao discurso neoliberal e que possa reforçar sem tutelas o movimento feminista e outros movimentos sociais.

O reforço sem tutelas do movimento feminista é algo muito importante no momento atual. O pensamento e ação próprios das associações feministas são cruciais. Autonomia e independência continuam a ser dimensões das lutas feministas e das estratégias de resistência dos coletivos de mulheres.

A atual conjuntura mundial exige que uma corrente política feminista de esquerda retire espaço, em termos de pensamento e de ação ao feminismo neoliberal, que espalha a ilusão de que cada mulher por si só, pode alcançar ascendência económica, social e política, desde que seja assertiva, empreendedora e competente e, desse modo, considerar-se emancipada. A emancipação social das mulheres exige luta coletiva, exige transformações mais profundas nas sociedades.

Contudo, não podemos desprezar a luta contra a ideologia e as políticas conservadoras e fascizantes que podem ocasionar recuos nos direitos das mulheres e serem extremamente penalizadoras dos direitos de pessoas imigrantes, de pessoas de diferentes etnias e identidades sexuais.

 

Foto: joan-eddis-koch on visualhunt

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