Um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), demonstra que a força de trabalho global total está agora calculada em 3,5 mil milhões de trabalhadores. Esta é a maior força de trabalho global historicamente registada. A conversa sobre o desaparecimento dos trabalhadores é totalmente prematura quando confrontada com o peso desses dados.
A maioria desses 3,5 bilhões de trabalhadores, afirma a OIT, confronta-se com carências de bem-estar material, de segurança económica, de igualdade de oportunidades ou de condições para o desenvolvimento humano. Estar empregado nem sempre garante uma vida decente. Muitos trabalhadores têm que assumir empregos informais [chamado trabalho flexível] e caracterizados por baixos salários e pouco ou nenhum acesso à proteção social e aos direitos no trabalho. Enquanto menos de metade da força de trabalho global é composta por empregados assalariados, dois mil milhões de trabalhadores (61%) estão no setor informal.
O relatório da OIT mostra que o número de trabalhadores pobres agora diminuiu, em grande parte graças ao enorme impacto da economia da República Popular da China. Os dados sobre pobreza são controversos, pois há dúvidas de que as estatísticas do governo sobre pobreza sejam honestamente relatadas. No entanto, os dados demonstram que, embora o rendimento dos pobres tenha aumentado, não aumentou o suficiente para os tirar da pobreza. Os investigadores Jason Hickel e Huzaifa Zoomkawala mostraram que houve pouco ganho para o setor mais pobre da humanidade nas últimas décadas. “Para os 60% mais pobres da humanidade”, escreve Hickel, “cada pessoa em média viu o seu rendimento anual aumentar em apenas US $ 1.200… durante 36 anos”. Este não é de todo um valor para comemorar.
Mesmo que os dados mostrem que muitos dos que integram a força de trabalho global não conseguem encontrar ‘trabalho decente’, as taxas de produtividade são mais altas do que eram antes. Como observa o relatório da OIT, “o crescimento da produtividade entre 2019 e 21 deve atingir os níveis mais altos desde 2010, ultrapassando a média histórica de 2,1% no período 1992-2018“. A OIT refere-se à média global, uma vez que em muitos países – inclusive nos Estados Unidos – o crescimento da produtividade não tem aumentado; é o crescimento da produtividade em países como a China que fez aumentar a média global. Mas os benefícios desse crescimento da produtividade não são suficientemente compartilhados com os trabalhadores em termos de aumentos de salário e de forma proporcional aos respetivos contributos para a produtividade. Os benefícios aumentam para os proprietários do capital, o que apenas aumentará a concentração da riqueza. O trabalho está a produzir lucros massivos, que poderiam muito bem ser usado para melhorar o bem-estar geral da humanidade. Em vez disso, vai alimentar os bolsos dos capitalistas.
Ao longo do ano passado, o Tricontinental: Institute for Social Research, tentou encontrar maneira de explicar alguns equívocos importantes:
Que a força de trabalho global encolheu. Conversas sobre automação e precariedade levaram à suposição de que há um declínio no trabalho globalmente. Não é o caso. Atualmente, há mais pessoas a trabalhar do que nunca, muitas delas na indústria – apesar dos ‘desertos de fábricas’ e do processo de desindustrialização no Ocidente.
Que a pobreza diminuiu. Se havia menos pessoas a trabalhar, deveria haver menos pessoas a ganhar e, portanto, deveria haver taxas mais altas de pobreza. O fato é que há mais pessoas a trabalhar e, no entanto, a pobreza continua a ser um problema sério. As pessoas que estão a trabalhar são de fato mais produtivas, em média, e estão agora a produzir mais do que antes. O que os mantém na pobreza, apesar do aumento da produtividade – em parte devido à evolução tecnológica – é que não auferem uma parte desses ganhos de produtividade e do excedente total produzido. Mas o que também mantém a taxa de pobreza é a destruição do Estado de bem-estar social e de uma série de provisões sociais – desde a habitação à alimentação – que foram tiradas a milhares de milhões de pessoas.
De fato, há mais pessoas a trabalhar, mas não conseguem ganhar o suficiente do excedente total produzido para serem retirados da linha de pobreza. Porque é que isto acontece assim?
A análise marxista fornece um conceito simples – a taxa de exploração. Marx, em “O Capital” (1867), escreve sobre a exploração em dois registos. Primeiro, no plano moral, insurge-se contra a exploração dos trabalhadores, principalmente das crianças. As terríveis condições de vida e trabalho deixam-no revoltado, como deveria acontecer a qualquer pessoa sensível. Segundo, no quadro do seu trabalho científico, Marx estuda a maneira como os proprietários de capital contratam trabalhadores comprando a sua força de trabalho. São esses trabalhadores que produzem mais-valia e cujos ganhos são expropriados a favor da reprodução e acumulação do capital. Exploração, então, é a extração dessa mais-valia pelo capital aos trabalhadores que a produzem. Marx refere que a taxa de exploração pode ser bastante esclarecedora se usarmos esse conceito básico.
Hoje, os trabalhadores do iPhone são 25 vezes mais explorados do que os operários têxteis da Inglaterra no século XIX (aumenta a taxa de exploração)
A Apple acaba de lançar seu iPhone 11. Há pouco que o diferencie do iPhone X, embora a versão mais cara do novo telefone tenha três câmaras. É importante ressaltar que a Apple não fabrica esses telefones. Eles são fabricados em grande parte em Taiwan pela Foxconn, que emprega mais de 1,3 milhões de trabalhadores, somente na China. O iPhone é obscenamente caro. A maior parte desse valor não vai para os trabalhadores nem sequer para a Foxconn, mas para a Apple que detém a patente e fica com a maior parte dos lucros [depois de retirados todos os custos de conceção e produção] desse processo.
Há cinco anos, E. Ahmet Tonak fez um estudo do iPhone 6, analisando-o do ponto de vista da taxa de exploração, segundo o conceito marxista. Como investigador do Tricontinental: Institute for Social Research, Ahmet atualizou a sua análise sobre o iPhone 6 para examinar o iPhone X. A taxa de exploração permite demonstrar quanto contribuiu o trabalhador para o aumento de valor no processo de produção. Isso mostra que, mesmo que o trabalhador recebesse mais, com a maior eficiência do processo de produção a taxa de exploração aumenta. A descoberta mais impressionante da análise é que os trabalhadores do iPhone da nossa época são 25 vezes mais explorados do que os trabalhadores têxteis da Inglaterra do século XIX. A taxa de exploração do trabalhador do iPhone é de 2458%. Esse número diz-nos que uma parte infinitesimal da jornada de trabalho é dedicada ao valor pago aos trabalhadores como salário; a restante jornada, a maior parte do dia de trabalho, é utilizada apenas para os trabalhadores produzirem bens que aumentam a riqueza do capital. Quanto maior a taxa de exploração, maior é o aumento da riqueza do capitalista retirada do trabalho.
[Traduzido e adaptado por Via Esquerda do original de Vijay Prashad publicado na “Monthly Review Set 2019“]