Que resposta da esquerda ao colapso económico?

O colapso da economia mundial, antecipado com o coronavírus, desencadeou o que, possivelmente, será a crise mais profunda da história do capitalismo.

Nos EUA, nos últimos dois meses, subiu para 40 milhões o número de americanos que já solicitaram o seguro-desemprego. No Reino Unido a economia deverá encolher 14% em 2020, o que a confirmar-se será a maior recessão desde 1706. Em França prevê-se o desaparecimento de 800 mil empregos devido à crise.

Em Portugal prevê-se a pior crise registada em oito décadas.

Perante a gravidade da situação, qual a resposta que os governos e as esquerdas estão a dar?

Da noite para o dia, governos considerados outrora austeritários, voltaram-se agora para a defesa de uma intervenção estatal sem precedentes para ajudar empresas, bancos e subsidiar os salários dos trabalhadores.

A conversão dos defensores da austeridade ao keynesianismo ou à defesa da intervenção estatal não mais pretende que preparar o capitalismo para retomar as taxas de lucro anteriores à crise do coronavírus.

Não é sem razão, que um articulista conservador britânico escreveu no jornal Daily Telegraph, que “Boris Johnson deve abraçar o socialismo imediatamente a fim de salvar o mercado livre”.

Em simultâneo, aqueles que na crise de 2007/2008 denunciaram (e bem) as políticas de austeridade acreditam que chegou a sua hora. Até o líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn declarou que “as medidas de emergência do governo conservador comprovam a justeza do seu programa económico”.

Afinal, a “árvore mágica do dinheiro” que os conservadores diziam não existir renasce agora dos escombros do coronavírus para ajudar, acima de tudo, os do “andar de cima”.

Também em Portugal, as forças políticas de esquerda, em oposição (e bem) às políticas de austeridade limitam-se a oferecer aos trabalhadores e ao povo, como alternativa, uma política kynesiana assente no investimento público e no trabalho com direitos. É a eterna receita dos diversos matizes socialdemocratas.

Se a esquerda se ficar pela Teoria Monetária Moderna, que mais não é que a reformulação das ideias de Maynard Keynes não fará muito pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, mas contribuirá, por certo, para salvar o capitalismo das suas próprias contradições.

Na actual crise do coronavírus, como na depressão de 1929, a preocupação da classe dominante e dos seus consultores económicos não é salvar a vida das pessoas comuns, mas viabilizar o seu sistema económico assente no máximo lucro.

Os Estados e os Bancos Centrais podem criar dinheiro do nada e injectá-lo nos bancos e no apoio à iniciativa privada, mas não podem garantir que esse dinheiro tenha algum valor. O dinheiro, não devemos esquecer, é uma representação do valor, valor esse criado no processo produtivo, através do trabalho excedente ou mais valia.

Se um Banco Central imprimir duas notas onde antes havia uma, a operação acaba por desvalorizar a moeda em metade e, como é óbvio, os preços duplicam, reduzindo, assim, o poder de compra dos trabalhadores.

Toda esta política, agora expansionista em vez de austeritária, será paga com mais impostos, menos despesa pública ou mais empréstimos.

Em última instância, quem pagará a factura é quem hoje já suporta a maioria da carga fiscal: os trabalhadores e reformados.

Na verdade, a política keynesiana de investimento público e de alguma valorização salarial, não impede a inviolável e sacrossanta propriedade privada nem a anarquia da produção e, muito menos, a exploração capitalista e as crescentes desigualdades a ela associadas.

Em suma, o actual sistema capitalista vai continuar a apostar na redução salarial, quer através da mais valia absoluta, quer da mais valia relativa, com a modernização dos meios de produção e a respectiva redução do trabalho necessário e o aumento do trabalho excedente.

Ao reduzir os salários a ao aumentar a taxa de mais valia, o sistema reduz o poder de compra dos trabalhadores, que constituem a grande massa de consumidores, pondo em risco a realização da mais valia no processo de venda das mercadorias.

Assim, abre-se a crise de sobreprodução, que está na origem das crises cíclicas do capitalismo.

O papel das esquerdas no actual contexto de crise sistémica do capitalismo não passa apenas por criticar as políticas de austeridade para criar ilusões na intervenção do Estado na economia, e como a panaceia para o mal dos trabalhadores.

O papel das esquerdas é criticar as políticas de austeridade sem criar ilusões na intervenção do Estado na recuperação dos rendimentos do trabalho, em regressão há mais de 40 anos.

O centro da luta dos trabalhadores portugueses e europeus passa por um combate sem tréguas, unido, organizado e sistemático, contra o actual sistema capitalista assente na barbárie e nas desigualdades sociais.

Todas as ilusões parlamentares ou outras, que tentem confundir os interesses dos do “andar de cima” com os interesses dos do “andar de baixo”, estão a contribuir para perpetuar o sistema de exploração do homem pelo homem.

Chegados aqui, resta recordar o que foi escrito na lápide da campa de Karl Marx no cemitério londrino de Highgate: “Os filósofos, até agora, têm-se preocupado com a interpretação do mundo, mas o que se exige agora é a transformação do mesmo”. E a transformação do mundo será feita, como referiu Marx, pela luta de classes como força motriz da história humana, “o combustível da mudança do mundo social”.

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