Quando a árvore refloresce…trepam os macacos

“…Nesse momento de aceleração do crescimento do poder romano, iam-se combinar vários factores na inflamável Hispânia, fazendo deflagrar de forma inesperada um conflito que se prolongaria durante anos e ao qual Roma não saberia fazer frente. Este conflito iria transformar-se numa ferida que a faria perder abundantes energias, recursos e vidas.”

De “Os Bárbaros”

 

Poder-se-á dizer que Franco foi o herdeiro de Cipião, o Numantino.

A história não deixa para trás nenhum criminoso da estaleca destes dois. Macrabos, cruéis, traiçoeiros e vingativos, marcaram a história da “Hispânia” e ambos deixaram na História um rasto de sangue difícil de apagar.

Não deixa de ser surpreendente, porém, que, passados apenas cinquenta anos sobre o “Massacre de Badajoz” , em 1986, portanto, Mário Neves, o jornalista português que presenciou ao serviço do Diário de Lisboa, todo o caudal de atrocidades praticadas no dia 14 de Agosto de 1936, tenha constatado, quando voltou a pisar aquele chão, que a grande maioria dos jovens não sabia nada ou quase nada sobre o que acontecera na própria cidade onde residiam.

E, se não fosse tão enormemente revelador Guernica, o quadro de Picasso, a memória de um fascismo que encheu o subsolo das Espanhas de montes de ossos, porventura estaria, ainda, mais diluída.

Nessa suspeita radica o meu medo. Tenho medo da Espanha que se juntou para gritar “Viva Espanha” e “Viva Franco” porque não sei a que Espanha se referem nem o que pretende. Bastou brotar uma flor no ramo andaluz para que os macacos voltassem em força – os mesmos que se espalharam quando a árvore caiu.

Espanha está sempre em confronto consigo mesma. Trucida como ama; dissolve como conquista; alua como acalma. Deixou no mundo a marca da intolerância de um poder imperialista que quase dominou a Europa e o Mundo. Não é fácil campear com um poder tão faminto. Muitas nações ainda se debatem e se rebelam na memória desse jugo de tão excessivo que foi.

E talvez seja por isso que esta Espanha velha de milénios não admite sequer pensar que vai perder a Catalunha, o País Basco e Navarra.

Na foto: pormenor de “Guernica”, de Pablo Picasso

Não foi por acaso que Franco, encurralado pela morte, deixou o Rei no poder.

Foi sempre nesse símbolo que assentou o Império das Espanhas. Franco foi apenas um militar insuflado desse poder para que pudesse dar-lhe continuidade. Não tinha responsabilidade histórica. Viveu como um general a mando do Senado. E, como a todos os militares, interessava-lhe a glória a qualquer preço.

Infelizmente, uma destas Espanhas, a que fez de massacres a sua história, ainda não conseguiu ver que já não há sangue para Guernicas, Badajozes e Jerumenhas e que até mesmo o que continua a correr nas arenas está por um fio; está exangue mas continua excitada pela memória de um marçano que praticou com os seus aquilo que os seus mandantes instigaram por todo o Império. E vai a correr para as praças na esperança de encontrar de novo essa senda e trepar a mesma árvore de onde caiu.

Esta é a Espanha que encurtou a memória de Espanha – vejam o seu poder! Enfuna-se, porém, e ainda, com a memória dos antigos empanturramentos sem considerar que há outro e novo oceano entre ela e a matriz velha da sua espada e da sua bombarda: o poder da civilização e do povo das outras Espanhas.

 

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