A Actuar – Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento, a FIAN Portugal e a FIAN Noruega lançaram uma petição tendo como principal objetivo “apelar à Assembleia da República e aos seus Grupos Parlamentares pela criação urgente de uma comissão parlamentar para a discussão pública e formulação participativas de uma Lei de Bases do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA)”
Em 2019, a Assembleia da República chumbou um Projeto de Lei do Bloco de Esquerda sobre esta matéria, uma iniciativa pioneira. Desde então, nenhum Grupo Parlamentar voltou a apresentar qualquer iniciativa sobre o Direito Humano a uma Alimentação e Nutrição Adequadas.
Para a FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o Direito Humano a uma Alimentação Adequada é muito muito mais amplo do que estar ao abrigo da fome. “Implica a necessidade de constituir um ambiente económico, político e social que permita às pessoas alcançar a segurança alimentar pelos seus próprios meios.”
Para os promotores da atual petição, cumprir o Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA) “significa que o acesso a uma alimentação, em quantidade e qualidade, capaz de satisfazer as necessidades alimentares de cada pessoa, de acordo com os seus hábitos culturais, para que tenha uma vida ativa e saudável, deve acontecer independentemente da idade, género, nacionalidade, localidade de residência, nível de rendimentos e pertenças culturais.” Ora, consideram, “este direito não está garantido para um número crescente de pessoas no nosso país.”
Alimentação, em Portugal: um quadro preocupante
Além dos cerca de 2 milhões de portugueses que já estavam em risco de pobreza (2018), o impacto socioeconómico da pandemia covid-19 já está a agravar esta situação levando a um aumento exponencial de pedidos de apoio. Tal como os profissionais de saúde na gestão da pandemia, os profissionais das organizações e instituições sociais que estão na “linha da frente” no combate à insegurança e à pobreza alimentar têm hoje que escolher entre uma família prioritária e outra família prioritária, entre quem precisa e quem precisa.
O aumento do custo de vida e do custo relativo da alimentação face a algumas despesas centrais dos orçamentos familiares (energia, habitação, p.e.) a par da manutenção de salários baixos, a precariedade laboral e o desemprego, têm um impacto muito significativo na capacidade dos portugueses e portuguesas em acederem a uma alimentação adequada.
A experiência de privação e de gestão das incertezas sobre o orçamento reduzido disponível para a alimentação produzem níveis de stresse que, dependendo da durabilidade no tempo, podem contribuir para a degradação da saúde mental. As mulheres são particularmente impactadas, já que continuam a ter um papel central na gestão da segurança alimentar das suas famílias.
A incapacidade em adquirir ou consumir uma alimentação adequada tem consequências sobre a saúde nutricional, podendo contribuir para doenças não transmissíveis e doenças crónicas que condicionam a saúde e qualidade de vida a longo prazo.
A alimentação diversa, nutritiva e saudável é um fator protetor da saúde, mas não está acessível a todos. E mesmo quando podemos escolher o que comemos, nem sempre conseguimos saber se os alimentos que adquirimos são seguros, saudáveis, com um valor justo para quem os produziu e se estão a promover (ou comprometer) a sustentabilidade das gerações futuras.
Criar um ambiente favorável ao DHANA implica também criar condições para apoiar os agricultores familiares, pescadores artesanais e outros pequenos produtores de alimentos que, com frequência, e paradoxalmente, são também parte dos grupos mais vulneráveis à insegurança alimentar. Isto significa que a urgente transformação dos sistemas alimentares deve ser no sentido de se tornarem mais sustentáveis, mais saudáveis e mais justos, para quem consome e para quem produz.
O primeiro grande desafio que enfrentamos passa por construir a segurança alimentar e nutricional do país assente numa abordagem de DHANA, ou seja, tendo como objetivo central responder às necessidades dos grupos mais vulneráveis da sociedade e, ao mesmo tempo, garantir a sua dignidade e a sua participação nos processos de tomada de decisão que lhes dizem respeito.
Esta petição, disponível aqui, volta a colocar na ordem do dia a necessidade de inscrever na Lei este Direito Humano.