Pela democracia no Brasil: resistir!… resistir!…

Os riscos da democracia no Brasil do presente, exigem olhar para recentes episódios construídos à medida de objetivos cada vez mais claros para um país, que ainda à pouco mais de três décadas se tinha livrado de uma tenebrosa ditadura. Bastaria então reavivar memórias tão frescas como, o voto sádico do novo Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no “impeachment” de Dilma Rousseff, em que homenageou o coronel da polícia politica que na ditadura militar torturou a Presidente vítima do golpe que deu o poder a Temer para escancarar portas a um “Messias” que quer servir essencialmente o capitalismo selvagem e predador das riquezas naturais do país e do povo.

Para quem quer branquear tais episódios, o Presidente brasileiro no seu discurso de posse, na verdade não disfarçou as ameaças. Disse claramente ao que vinha. Ódio e perseguição, em nome de Deus e do que designou, “cultura judaico-cristã”, esgrimindo a fé, com predominância evangélica, contra as “ideologias”, ou seja, contra as ideias, contra a liberdade de pensamento. Como se o programa político de Bolsonaro, ainda que o tenha escamoteado nos seus reais objetivos aos brasileiros que mesmo assim o elegeram, não representasse a sua própria e sinistra ideologia fascista e de fanatismo religioso.

É pois neste acelerado quadro de intolerância, de medo, de continuada promoção da corrupção, e de retrocesso das liberdades e da democracia no país irmão, que urge, pela democracia no Brasil: resistir!… resistir!… em memória das conquistas e direitos políticos, sociais e do trabalho, que estão sob ameaça de uma onda revanchista e de extrema-direita que resulta da eleição de Bolsonaro, em que se propõe encetar uma caminhada de destruição e desconstrução de históricas realizações do povo brasileiro, instaurando um novo período politico no país, ainda que numa linha de atuação recheada de incoerências e contradições com previsível desfecho de uma trágico-comédia.

Ainda que se reconheçam múltiplos fatores sociais e políticos, que influenciaram uma significativa base popular que se disponibilizou para alternativas como a de cariz populista que venceu. Há pensamentos, como o do teólogo brasileiro Leonardo Boff, para quem, o “novo governo é o triunfo da ignorância e da estupidez”, questionando mesmo, “como pôde acontecer tudo isso e tanta insensatez em nosso país? Como não conseguimos prever esse salto rumo à Idade Média?” (jornal online, Carta Maior, 11/01/2019). Uma inquietação que não deixa de se manifestar em diferentes áreas politicas, não só à esquerda, perante um presidente da República que formou um governo recheado de laivos ditatoriais e surrealistas, para implementar, a ferro e fogo, um programa ultraliberal e neocolonial neste país com uma economia que está entre as dez maiores do mundo, colocando-a ao serviço de interesses, não do país multicolor, mas de vizinhos, como os EUA e seu presidente Trump a quem Bolsonaro quer servir, humilhando o povo, incluindo o que lhe deu o poder.

A tal germe promotor de violência e ameaça às próprias instituições da República, ou de ataque a garantias básicas da Constituição Federal, a exemplo da liberdade de imprensa, de manifestação e de organização partidária, como a apregoada violência, intolerância e ódio entre brasileiros, fomentando caça às bruxas a cidadãos que o Presidente apelida de “vermelhos” a banir do país, assim como a criminalização de movimentos sociais e entidades progressistas e representativas na defesa da emancipação do povo, que só nas últimas décadas experimentava liberdade e democracia. Só se pode responder, não com medo, nem subserviência, mas com a força da resistência e do voto, com que os brasileiros acabaram por se libertar da ditadura em 1985 construindo o Estado Democrático de Direito, até então sufocado pelo Estado de Exceção. Isto, num tempo em que nós em Portugal só podíamos desejar e festejar solidariamente a libertação de nossos irmãos no lado de lá do Atlântico.

Neste momento de angústia que volta a pairar no Brasil, só podemos desejar que de todas as contradições e disputas políticas, mesmo à esquerda, possa surgir uma aglutinadora União de forças políticas, sociais, económicas e culturais, capazes de empreenderem uma efetiva resistência e exercer a necessária oposição, que tenha como convergência, neste instável quadro político atual, a defesa da democracia, dos direitos dos trabalhadores e dos interesses nacionais ou seja, a defesa da Constituição de 1988 que está profundamente ameaçada. Uma ameaça que não pode deixar indiferente, quem aspira a liberdade e a democracia bem como o seu aprofundamento em Portugal e no Mundo.

É verdade que não estão isentas de responsabilidades de tantas desilusões, as mesmas lideranças que foram determinantes na libertação do povo brasileiro e no fim da ditadura militar com duras e prolongadas lutas exemplares, luta politica e sindical de resistência, prisão e morte. Mas o verdadeiro golpe para consolidar esta caminhada da extra-direita, personificada no presidente Bolsonaro, acabou por acontecer, perante a complacência de instituições que hoje são ultrajadas pelos novos donos do poder. Dilma foi então destituída por um golpe palaciano, e Temer, com o ex-presidente Luís Inácio Lula preso às ordens de Sérgio Moro para facilitar o golpe, assumiu o poder para o regabofe de destruição de direitos sociais e do trabalho, limitação do investimento público para os próximos anos e voltando a lançar o Brasil no mapa da fome. Período de tempo, entre o golpe de 2016 e as presidenciais em outubro de 2018 (segunda volta 28 outubro), que, fez emergir Bolsonaro de matriz assumidamente populista, que as forças progressistas não conseguiram derrotar no confronto final com Fernando Haddad. Deixando assim em risco a democracia e a própria Constituição, com protagonistas nesta trágico-comédia fundamentalista em que se destacam figuras sinistras como: o vice-presidente Hamilton Mourão, o ultraliberal Paulo Guedes na economia, Sérgio Moro na justiça a flexibilizar o porte e posse de arma, contrariando o desarmamento da população que vinha dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Lula. Ou a evangélica Damares Alves, a tal dos meninos vestidos de azul e as meninas de rosa, e ainda os filhos de Bolsonaro, Carlos e o mais velho, Flávio Bolsonaro, que teve o desplante de propor uma revisão histórica sobre a ditadura em livro didático. Alguns dos personagens de um triste espetáculo que coloca o Brasil como palco nacional para uma trama alucinante em que a “mamata” continua com os públicos escândalos no governo de Bolsonaro.

Haja resistência democrática e vigorosa não só politica, social e sindical, mas também do universo académico, da intelectualidade, dos artistas, do mundo jurídico e mesmo de setores religiosos, entre vários outros setores disponíveis para serem oposição a políticas de retrocesso em diferentes áreas, na defesa de direitos e conquistas civilizacionais, sociais e politicas. Retrocessos repugnantes em Portugal, que no Brasil, não deverão ser branqueados em nome de um mandato presidencial legitimado nas urnas, que afinal nem um programa concreto foi legitimado pela sua ausência na campanha, em que prevaleceram tiradas naturalmente inquietantes de Bolsonaro e seus fanáticos correligionários, que já no poder prosseguem o festim.

Contrariar a cruzada da extrema-direita brasileira e reduzir o tempo de tal festim, de quem quer “varrer do mapa” a esquerda e os movimentos sociais”, só pode ser o sincero desejo do lado de cá, para que as sementes do ódio e da violência que foram sendo plantadas por forças reacionárias e donos das grandes fortunas, que criaram Bolsonaro, não voltem a lançar a sombra do fascismo sobre o Brasil. Pela democracia resistir!… resistir!…

 

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