“Passámos Por Cá”: este filme é um murro no estômago

Em 2016, o realizador britânico Ken Loach, então com 80 anos, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes com “Eu, Daniel Blake”, uma película sobre o quotidiano dos trabalhadores do seu país, vítimas de um sistema de segurança social “emagrecido” pelos apóstolos britânicos do neoliberalismo. Reaparece agora com novo filme sobre a mesma temática, na linha do “realismo social”, desta vez sobre a precariedade e vulnerabilidade laboral.

De facto, “Passámos Por Cá”, já em exibição, é tudo menos o tradicional filme natalício, levezinho e com gente feliz. Pelo contrário, aqui, Kris Hitchen, Debbie Honeywood e Nikki Marshall, os principais intérpretes, traçam-nos um mural realista e sombrio sobre o quotidiano de uma família de trabalhadores de Newcastle, em tempo de capitalismo “a funcionar em pleno”, para usar uma expressão do próprio realizador.

Trabalho escravizante sob a capa da liberdade e do empreendedorismo; desumanidade asfixiante, numa sociedade dita “civilizada”; brutalidade destruidora de laços familiares, porque é preciso obter “resultados”; o risco da delinquência juvenil a ameaçar um casal esmagado por um quotidiano brutal — na singularidade daquela família está tudo sobre a vida infernal de milhões de trabalhadores sobre explorados.

A sinopse oficial enquadra os espectadores na trama da obra, 101 minutos que são um verdadeiro murro no estômago.

“Após a grave crise financeira de 2008, que pôs em causa a estabilidade de milhões de cidadãos em todo o mundo, o inglês Ricky Turner, pai de família, esforça-se para ter sempre um prato de comida na mesa. Com cada vez mais dificuldade em pagar as despesas, toma uma decisão arriscada: comprar uma carrinha e trabalhar por conta própria num “franchise” de entregas ao domicílio. Contudo, não imaginava as imensas contingências que um trabalho desses implicaria. Sem ordenado fixo a cada final de mês, Ricky vê-se a trabalhar quase continuamente. Com o passar dos meses, a falta de dinheiro, associada ao excesso de trabalho e às preocupações com o negócio, quase o levam ao desespero.”

Não deixa de ser curioso que, no filme, a iniquidade e a injustiça — comandadas pelos “totós” que estão por detrás das máquinas… — sejam mais percebidas pelas crianças e pelos jovens. E que deles provenham os poucos e tímidos gestos de resistência. Um sinal de esperança?

Em competição pela Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, “Passámos Por Cá” tem argumento de Paul Laverty, colaborador de Loach em vários outros filmes, entre eles “A Canção de Carla” (1996), “O Meu Nome é Joe” (1998), “Bread and Roses” (2000), “Sweet Sixteen” (2002), “Ae Fond Kiss…” (2004), “Brisa de Mudança” (2006), “Neste Mundo Livre…” (2007), “O Meu Amigo Eric” (2009), “Route Irish – A Outra Verdade” (2010), “A Parte dos Anjos” (2012) e “O Salão de Jimmy” (2014) e “Eu, Daniel Blake” (2016)

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