O debate acerca da produção animal sustentável

Muito se tem falado nos últimos dias sobre produção animal, emissões de gases com efeito estufa (GEE), consumo de carne e sua influência para combater as alterações climáticas.

Propagam-se textos, cartas abertas, diagramas, dados e mais dados. Pergunto, onde estão as Universidades e Institutos Politécnicos que formam técnicos altamente especializados e com competências na área da zootecnia e agricultura, e na área alimentar? Refiro-me a engenheiros zootécnicos, engenheiros agrónomos, engenheiros ambientais, engenheiros alimentares, nutricionistas, médicos veterinários entre muitas outras formações creditadas por ordens profissionais e por entidades que garantem que as Instituições de Ensino Superior formam técnicos convenientemente. Pergunto-me, onde estão estas Universidades e Politécnicos? Porque não apresentam factos científicos para elucidar alguns professores catedráticos e a sociedade em geral? Pergunto-me, de facto porque não o fazem?

Permitam-se a audácia de partilhar algumas reflexões.

Diabolizam-se os bovinos… sim, é um facto. Esses malvados animais, como tantos outros ruminantes selvagens por esse planeta fora, têm a audácia de, na sequência do seu processo digestivo, produzirem CO2 e CH4… produtos provenientes do que chamamos de fermentação entérica. De uma forma muito e excessivamente resumida, isto ocorre, pois, todos os herbívoros tiveram de arranjar estratégias para lidar com um problema: a fibra existente nas plantas, os chamados hidratos de carbono estruturais (sim são hidratos de carbono), e outros componentes (como a lenhina, entre outros). Ora estes componentes que constituem a fibra são indigestíveis, as enzimas de origem animal não conseguem quebrar e digerir estes constituintes. Assim, numa adaptação estratégica, os herbívoros criaram relações de simbiose com populações microbianas, cuja ação fermentativa consegue tirar partido nutricional de, e assim resolver o “problema” da fibra.

Sem esta parceria simbiótica os herbívoros não sobreviveriam.

Esta é também uma vantagem única, estes animais produzem produtos alimentares de elevado valor nutricional para nós humanos, a partir de fontes alimentares que nós, humanos, não temos capacidade para digerir, como erva, subprodutos da industria agrícola, forragens (feno, palha, silagem,…) entre outros. Se procurarmos saber um pouco mais sobre metabolismo microbiano e fermentação entérica, vemos que de facto, aumentar a eficiência do processo digestivo destes animais passará necessariamente por diminuir as perdas energéticas: entre elas a produção de CO2 e CH4.

Uma dieta com elevado teor de fibra será sempre menos eficiente que uma dieta com um menor teor em fibra (vias metabólicas diferentes). Se olharmos apenas às emissões provenientes da fermentação entérica destes animais, facilmente se percebe que se ingerirem menos fibra, irão ter menores emissões de CO2 e CH4. Serão mais “eco-friendly”…

Na realidade, uma vaca em pastagem tem maiores emissões provenientes de fermentação entérica do que uma vaca estabulada a ingerir concentrado, e, se olharmos apenas a isso, terá um maior impacto ambiental…

E assim poderia cair por terra o argumento de que as vacas em pastagens, ou de que os sistemas de produção baseados em pastagens são melhores que os restantes… Se olharmos apenas às emissões entéricas dos animais… não são. Lamento, mas é um facto.

Ora o que vale é que em ciência, não olhamos apenas a uma coisa. Devemos ter sempre uma abordagem holística do sistema, e logo entrar com outros factores. Como o facto de os ruminantes, fruto dessa maravilhosa adaptação que os torna a pior coisa do Universo em termos de emissões, produzirem produto animal de elevado valor nutricional (carne, imagine-se, e leite,…) utilizando fontes alimentares que de outra forma se acumulariam no terreno (o que aliás já acontece em muitas regiões por esse interior fora onde ninguém quer viver, e onde as vacas, as ovelhas e as cabras têm vindo a desaparecer). Temos de olhar ao ciclo completo de produção, temos de fazer as contas ao chamado Life Cycle Assessmente (LCA).

Ora também no cálculo do LCA se torce a cauda… mais uma vez as metodologias de cálculo são muito dispares, e teremos valores para todos os gostos.

Em rigor… o que é melhor? Dependerá sempre dos objectivos e dos critérios. Todos os sistemas de produção têm prós e contras… como aliás tudo na vida.

Mais uma vez, falar apenas em emissões é não só profundamente redutor, como errado. É esta análise simplista que leva a conclusões erradas e fora do contexto.

No entanto, as malfadadas emissões são reais, e as provenientes do sector animal correspondem a valores que variam entre os 14,5% (FAO, 2013), e os 4% (EPA, 2017) do total de emissões de GEE de origem antropogénica (se falarmos apenas de ruminantes as percentagens são de 6,9% (FAO, 2013) e 2% (EPA, 2017). Para Portugal, a APA apresenta valores da contribuição da agricultura para as emissões de GEE de 10%. Os valores variam assim tanto pois as metodologias de cálculo não são universais, os factores tidos em conta nos cálculos diferem, os sistemas de produção são diferentes, as realidades dos diferentes países também, enfim, todo um conjunto de variáveis altamente voláteis justificam as diferenças.

Apesar destas diferenças, uma coisa salta à vista: a percentagem é baixa! Mesmo nos valores mais elevados, mais de 80% das emissões de origem antropogénica não têm nada a ver com animais nem com a sua produção!

Será necessário também ter uma abordagem mais alargada, ter em conta que o sector agrícola, em particular o pecuário, é um responsável directo (pastagens e animais) e indirecto (forragens) pela retenção de carbono atmosférico, sendo o balanço de carbono praticamente nulo (ligeiramente positivo em alguns sistemas). Mais uma vez, os cálculos e as estimativas da fixação de carbono variam bastante com a metodologia utilizada, o tipo de sistemas considerados, entre outros factores. Em Portugal, as pastagens biodiversas por exemplo têm um potencial de sequestro de 5 Ton CO2/ha/ano.

A ideia de que, quer do ponto de vistam ambiental, quer do ponto de vista nutricional, uma dieta sem produtos animais é desejável, é errada. E mais uma vez, usar para justificar tal ideia o argumento das emissões é … à falta de melhor palavra… tolo.

Um dia sem consumo de carne equivale a não andar 8 km de carro (Garnsworthy, 2019)… 8 km!… fui de manhã às compras, como vivo numa quinta (sim, temos animais, imagine-se… temos vacas…) fora da cidade só a minha ida às compras ficou em 18km… Bom, mas também sou mãe de 3 filhos, já condenei o planeta há muito uma vez que ter descendentes é caminho certo para acabar com o planeta… Se contarmos com as vacas então…

No seu relatório de Agosto de 2019 o painel intergovernamental para as alterações climáticas (IPCC, 2019) refere: “dietas balanceadas à base de alimentos vegetais (grãos de cereais, legumes e frutas) e alimentos de origem animal, produzidos em sistemas de produção resilientes e sustentáveis representam grandes oportunidades para adaptação e mitigação de efeitos ambientais gerando simultaneamente grandes benefícios em termos de território e nutrição e saúde humana”.

Fala-se de resiliência e sustentabilidade… sistemas de produção resilientes e sustentáveis… logo extensivos e em pastagem certo?… Errado! Podemos ter sistemas de produção em pastagem e serem caracterizados como intensivos! E serem muito eficientes, e produtivos, e com um LCA bastante positivo em termos ambientais. Mais uma vez, os fatores que caracterizam os sistemas de produção são tantos e tão variáveis… Temos que alterar designações.

Será profundamente fraturante que dentro do sector animal haja posições de que “uns sistemas são amigos do ambiente” e outros não… este tipo de ação é não só errada do ponto de vista técnico e científico, como nefasto para a unidade que se espera que o sector tenha. A abordagem holística das situações terá que prevalecer.

Será necessário que se fale com o cuidado de informar corretamente, e ser coerente quer nos conceitos, quer na informação passada.

Falamos de um sector que produz alimento! Não são sapatos, nem telemóveis, nem carros … Não são bens materiais efémeros… ALIMENTO! É disso que estamos a falar… produzir alimento.

Intensificação significa aumentar a quantidade de produto obtido por unidade de input fornecido, através de uma utilização mais eficiente dos recursos. Uma maior eficiência geralmente dá origem a uma melhoria económica, um menor impacto ambiental e maior quantidade de alimento, no fundo, os três pilares da sustentabilidade: económico, social e ambiental. Resiliência é a aptidão de um determinado sistema que lhe permite recuperar o equilíbrio depois de ter sofrido uma perturbação. Este conceito remete para a capacidade de restauração de um sistema. Neste caso um sistema de produção animal.

Falemos antes de intensificação sustentável da produção animal, ou seja, aumentar a eficiência da produção de produtos animais de elevada qualidade nutricional, aumentando o rendimento, com elevados padrões de bem-estar animal e impactos ambientais mínimos.

Falemos com os técnicos e investigadores que trabalham na área. Informemos por favor. Comunicar será a solução.

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