O Bloco de Esquerda à frente da luta contra a direita

As eleições que aí vêm a aproveitar-se da pandemia e das restrições a enfeitar a chamada crise política que, segundo Costa, Marcelo e Rio, ameaçam a governabilidade, ou seja a governança obediente à Comissão Europeia sem sobressaltos e com a cidadania dócil e sem referências claras, podem, contudo, ser um tempo de clarificação ao invés do cenário  que os aparelhos ideológicos e políticos se aplicam a desenhar.

Seja para favorecer a maioria absoluta do PS, seja para fazer do PSD a espada de Dâmocles de Costa, a conversa pré-eleitoral e que ameaça manter-se até às eleições é para «encher pneus» ou, de forma menos vulgar, para enevoar o confronto de opções e alternativas entre uma política de esquerda e os vários avatares do neoliberalismo.

Como todos e todas sabemos em termos gerais e abstractos, a TINA (There Is No Alternative) é a madrinha da nossa civilização actual inspirada no neoliberalismo global. Daí a pressão explícita ou disfarçada para reduzir a disputa eleitoral aos «faits divers» sem conteúdo, num confronto politiqueiro mais ou menos exacerbado na arena da TINA: quem governa o quê, com quem, quem fica de fora, a fazer o quê, até quando, etc.

O PS gabou-se de ter acabado em 2015 com a mácula de o acesso ao círculo do poder estar vedado à sua esquerda; esqueceu-se de vincar que tal benfeitoria se deveu ao facto dessa ser a única forma de Costa tomar conta do governo.

O desafio de Catarina Martins no debate com Costa na pré-campanha de 2015 – se o PS estiver disponível para abandonar esta ideia de cortar 1660 milhões de euros nas pensões, abandonar o corte da TSU e o regime conciliatório de despedimentos, no dia 5 de Outubro cá estarei para que possamos conversar sobre um governo que possa salvar o país, que possa pensar em reestruturar a dívida para termos futuro e emprego (…), (ver Público 31Dez) – foi um verdadeiro golpe de asa, decisivo para o valioso e determinante contributo do BE e do PCP num governo que travou o ímpeto das malfeitorias do passismo e da troika.

Claro que o PCP no seu vezo de cuco, de pôr os ovos nos ninhos dos outros, lá fez com que a proposta para um acordo parlamentar de apoio ao governo Costa para correr com a direita começasse a ser divulgada como tendo sido sua iniciativa.

Mas em verdade, verdade vos digo, em última instância o governo anti-Passos esteve sempre sob a tutela da troika, donde o FMI apenas fez de conta que saiu o que vai dar ao mesmo. E donde o PS não permitiu que saíssemos verdadeiramente como se pode constatar numa rápida vista de olhos: a legislação laboral dependente da vontade dos patrões; os primeiros lanços duma pseudo “transição energética”, destinados a encobrir a brutalidade dos milhares de despedimentos colectivos e encerramento de empresas como a Galp de Matosinhos ou a central de Sines, transição aquela para que os mandantes do mundo se estão rentando repondo ad hoc o funcionamento de centrais de carvão e a exploração dos combustíveis fósseis, num claro mas involuntário apelo à intensificação da luta popular contra as alterações climáticas ou seja contra o capitalismo (este Modo de produção – e não “modos de produção”, truque em que o plural esvazia o conteúdo do singular- que a educação e investigação científica mergulhadas na sufocante crise das cativações de Centeno e de Leão (socialistas à brava como Costa);  a colaboração quase provocatória com os privados na saúde à custa do SNS, logo da generalidade da população, promovendo um designado sistema nacional de saúde onde os ricos pontificam, se  tratam e se enchem à custa dos sistemas convencionados pagos pelos trabalhadores e das PPP…pagas pelos trabalhadores;  a cumplicidade ultrajante com os abutres da banca; a submissão rasteira a Bruxelas com ares de grande e prestigioso serviço à humanidade.

A conversa de comadres que toma conta da política, como se as propostas e a disputa de alternativas não fossem determinantes, reduzindo-a a uma espectativa mecânica como se o próprio eleitorado fosse um instrumento passivo da TINA, tende a puxar o Bloco para a manobra, ou melhor dito, para o manobrismo, tentando tirar-lhe a iniciativa e a audácia necessárias a quem deve ter como objectivo ser a referência da esquerda em Portugal como assinalou à nascença.

A vitória da direita ou a maioria absoluta do PS (tem graça como as fazem equivaler, nas contas eleitorais, os eleitores zangados com o Bloco pelo chumbo, em boa hora, dos orçamentos de 2021 e 2022,) são o engodo para sustentar a disponibilidade bloquista para traçar a linha para a campanha eleitoral tendo como base a disponibilidade de acordo com o PS se este prometer portar-se bem.

O PS não é um menino traquinas que faz uma tropelias e promete emendar-se. O PS é um velho sabidão, trapalhão, charlatão e, pior que tudo, apostado em ser de Bruxelas, ou seja da finança, um fiel lacaio.

A luta contra a direita exige um programa a sério de esquerda, um programa bem estruturado, com respostas adequadas aos interesses imediatos de quem trabalha e com visão estratégica de futuro. De reformas que travem a agressão do capital e propostas de construção de uma alternativa sistémica.

O programa que o Bloco apresenta nestas eleições é um verdadeiro programa orientador para a esquerda, que reponde aos cinco critérios da grande canção do Sérgio Godinho; A Paz,o Pão, Habitação, Saúde, Educação e acrescenta o da nossa “era”: a Natureza, como pressupostos para a liberdade.

Torna-se imperativo fazer desta campanha não uma fastidiosa, repetitiva, tímida, inepta, inconsequente e oportunista repetição do apelo, mais claro ou mais dissimulado, ou de afirmação de disponibilidade para acordos com o PS que já mostrou ao que anda e não hesitou em provocar eleições para acusar o Bloco de responsável por uma crise que de facto não passa da mesma de sempre: os trabalhadores na mó de baixo a serem trucidados pelos amigos do PS e do PSD.

A ameaça da direita não pode ser conjurada a não ser com propostas mobilizadoras para a cidadania em geral e os trabalhadores em  particular. Tudo o que for acenar com mais do mesmo, ainda por cima em condições diferentes, significa entregar o ouro ao bandido.

Além disso o Bloco tem de excluir do seu discurso o mantra da terceira força com que a comunicação social o atira para uma disputa com o Chega,

O Ventura não passa de uma treta com voz grossa assim/assim que nem fascista consegue ser. O Ventura quer ir para o governo do “sistema” a que diz opor-se e que o financia generosamente.

Como diria o Almada Negreiros o Ventura cheira mal da boca! O Ventura é o escárnio da consciência!

O Bloco teve a sua maior votação em 2015 (550.890), quando abriu a porta ao acordo com o PS para impedir a direita de formar governo apesar de Passos ter ganho as eleições.

Em 2019 perdeu 50 mil votos, mantendo no entanto o mesmo número de deputados (o PCP perdeu 115 mil), ao insistir num acordo que, além de lhe ter sido negado, já tinha mostrado ter cumprido o seu papel e, a partir daí, insistir nele, não passava de chover no molhado quando o PS já deixara claro que o amor à esquerda acabara, queria governar com a direita se não pudesse fazê-lo sozinho.

Marisa Matias na campanha presidencial de 2021 (164.869 votos) perdeu 300 mil votos dos 469,582 de 2016, pela mesma razão: a insistência para encontrar soluções para o país num acordo com o PS.

Hoje, dos que ficaram zangados por o Bloco ter chumbado os orçamentos de 2021 e, em especial o de 2022, numa afirmação factual de que não está disposto a transigir com mais colaboracionismo com a direita, uma parte irá votar no PS, o ninho acolhedor.

Mas grande parte da fatia do eleitorado que se abstém por estar descontente com esta democracia que só serve a direita, por estar farta de promessas e de ficar sempre de fora das grandes decisões, a grande parte do eleitorado de esquerda, precisa de ser posta em contacto com o programa do Bloco e o seu potencial de realização e de esperança.

A nossa campanha tem que afirmar-se como a única alternativa à direita, com as nossas propostas que a confrontam no cerne do seu poder, e deixar claro que esse confronto, por mais duro que seja, não dispensa ninguém nem nenhuma força de esquerda desde que não transija no fundamental nessa luta.

Original no site da Convergência do Bloco de Esquerda

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