Em 2 de outubro, os membros da Mesa Nacional do BE eleitos pela Moção E apresentaram naquele órgão uma proposta de análise aos resultados das recentes eleições autárquicas. Essa proposta seria rejeitada por maioria.
Via Esquerda apresenta na íntegra a proposta apresentada pelos eleitos pela Moção E.
1 – O PS e as esquerdas obtiveram, nestas eleições autárquicas, a maioria de votos e de autarcas eleitas/os no país. A soma do PS + partidos de esquerda é cerca de 2.400.000 votos, enquanto a soma das forças de direita é, aproximadamente, 1.900.000 votos.
2 – Há meio milhão de votos de diferença, sensivelmente, mas verifica-se uma subida das direitas, com a extrema-direita a ganhar expressão autárquica, que se manifesta no crescimento global de votos, nas Câmaras e mandatos autárquicos ganhos.
3 – Houve uma recuperação da direita, ao contrário das eleições autárquicas de 2017, onde se tinha assistido a uma onda rosa e a um ligeiro crescimento do BE. As mediatizadas vitórias da direita em Lisboa, Porto, Coimbra e Funchal consolidam, na opinião pública, a ideia do avanço das direitas. É tempo de preparar, com firmeza e amplitude, o combate ao agravamento previsível da ofensiva neoliberal, nas autarquias e a nível nacional.
4 – A campanha do secretário-geral do PS apresentou um país cor-de-rosa que não existe. Com arrogância, fez declarações contraditórias com a realidade, como no caso da refinaria de Matosinhos. Insistiu em promessas baseadas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para iludir as dificuldades das pessoas, o abandono dos territórios deprimidos e as mudanças que são mesmo necessárias. O resultado foi o inverso do que pretendia. Apesar da votação maioritária no país, o PS averba derrotas importantes e sai politicamente fragilizado.
5 – O Bloco de Esquerda ganhou um novo vereador no Porto, manteve vereadores em Lisboa, Almada e Salvaterra de Magos, onde obteve a maior votação a nível nacional. A coligação em Oeiras, com a participação do BE, elege uma vereadora independente. No cômputo nacional, o Bloco teve uma pesada derrota nestas autárquicas, depois da quebra eleitoral nas Legislativas 2019 e da derrota nas Presidenciais.
6 – Em 2021, o Bloco apresentou menos candidaturas que em 2017. Perdeu 32.517 votos, ou seja, menos 19,1% em relação a 2017. Baixou a sua votação relativa no todo nacional de 3,29% para 2,75%. De 12 vereadores passou a quatro, ou seja, perdeu 2/3 dos mandatos nas Câmaras Municipais. Perdeu 31 membros nas Assembleias Municipais, passando de 125 para 94 (cerca de menos 25%), e 51 representantes nas Assembleias de Freguesia, passando de 213 para 162 (menos 24%, aproximadamente).
7 – A eleição de autarcas, a capacidade, dedicação e esforço de centenas de candidatas/os bloquistas devem ser valorizados e reconhecidos, em particular aquelas e aqueles que foram os rostos mais visíveis das listas, que não desistiram e lutaram pela afirmação do Bloco nos debates e confrontos da democracia local. É essencial criar condições políticas e organizativas para que este esforço dê frutos.
8 – É impossível tapar o sol com a peneira. Os factos teimam em demonstrar a realidade de um ciclo de quebras consecutivas de influência eleitoral do Bloco, com uma vincada expressão nestas autárquicas.
9 – A pedinchice de acordos em vez de autonomia tática na luta pela mudança, contra o neoliberalismo reinante no PS, cria descontentamento em muito do eleitorado potencial do Bloco, que não vota por convicção ideológica ou de militância, mas porque o BE é útil na luta pela mudança do situacionismo. Descontentes, mudam de voto para a abstenção ou para quem aparece, numa atitude radical, contra a situação que veem degradar-se no acesso a bens essenciais e na sua qualidade de vida.
10 – Exige-se retirar as devidas lições deste ato eleitoral, para que seja possível inverter o ciclo negativo. Desde já, perceber que campanhas tendo como eixo central a realização de acordos com o PS não dá bom resultado. É preciso descolar, de vez, de uma espécie de lamúria sobre “o PS não nos quer”. Não podemos passar como gato sobre brasas no balanço da terceira derrota consecutiva.
11 – Ao problema tático, acresce a orientação central que desvaloriza e desmotiva o trabalho local, a criação de núcleos e de agenda de lutas e reivindicações locais, em diálogo com as associações e movimentos unitários locais. Devem ser encontrados mecanismos de promoção da criação de núcleos e de apoio efetivo ao trabalho de base, dotando-o dos meios necessários à sua ação, conferindo-lhes autonomia real, tal como previsto nos Estatutos.
12 – A Comissão Nacional Autárquica deve ser reformulada, deixando de ser um bureau burocrático, distante e completamente ineficaz. Tem de constituir um organismo democrático, participado, plural e com os meios necessários para apoiar e estimular a intervenção local, onde todas/os as/os eleitos tenham voz. É fundamental recuperar energia e iniciativa em todo o Bloco. Respeitar pensamentos diversos, incentivar a cooperação e inclusão de todas/os e rejeitar campanhas de fação. Não há bloquistas nem autarcas bloquistas dispensáveis.
13 – A reafirmação do Bloco como formação política radical, na rua, contra os despedimentos, pelo aumento sério do Salário Mínimo Nacional e dos salários em geral, das pensões e reformas, pela revogação do pacote laboral da Troika, por uma política pública para resolver os gravíssimos problemas da habitação, da saúde, do ensino e do ambiente, em defesa das populações nos territórios social, económica e demograficamente mais deprimidos, na defesa consequente da regionalização. É uma viragem política que exige coragem, determinação e urgência em ser ponderada e concretizada.
14 – Continuar a centrar toda a ação política, no essencial, nos debates e propostas parlamentares, no taticismo da expetativa de acordos de governação com o PS, é continuar a desvirtuar aquilo para que o Bloco foi criado, como um movimento amplo e unitário, capaz de criar unidade e alianças em torno de agendas concretas, que potenciem as lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores e do povo sofrido. O Bloco tem de ir às suas raízes nos movimentos sociais e laborais, trazendo para a rua contestação e alternativa aos oferecedores de promessas e de bazucas que beneficiarão os mesmos de sempre.
15 – Não são as negociações com o Governo para o OE 2022 que vão resolver os problemas de linha e de organização. Exige-se um sério debate nacional que envolva todos os aderentes do Bloco e que culmine numa Conferência Nacional do Bloco que transmita combatividade para dentro e para fora, a tempo de preparar o próximo e decisivo embate eleitoral.
16 – Vamos à luta enquanto é tempo. Não podemos continuar de derrota em derrota. O Bloco tem das/os melhores lutadoras/es pela defesa dos interesses populares. Vamos libertar esta energia de luta e combate.
“Diversos fatores” provocaram “resultado negativo”
Na mesma reunião da Mesa Nacional do BE seria aprovada, também por maioria, uma outra análise amplamente difundida.
Nessa analise, a maioria da direção reconhece que o Bloco de Esquerda registou nas eleições autárquicas de 26 de setembro “um resultado negativo”. Esta perda de representação resultará de “diversos fatores”. Dessa diversidade, a maioria apenas destaca “a forte polarização que se registou em municípios em que o Bloco manteve vereadores no último mandato.”
Apesar do “resultado negativo”, a maioria da direção considera que as candidaturas autárquicas do Bloco “representam um nível superior de elaboração programática, enraizamento nas lutas locais e alargamento social e político da influência” do partido
Perante os maus resultados nas urnas, os votantes não se terão apercebido do tal “nível superior” vislumbrado pela maioria da direção do BE.