Norte do Alentejo, um regresso ao passado? (3)

Com este artigo, Via Esquerda conclui a publicação de um ensaio de Higino Maroto sobre as transformações ocorridas no norte alentejano, ao longo dos últimos cem anos.

A rematar esta série, cujos dois primeiros textos publicámos aqui e aqui, o autor aponta os caminhos que, no seu entender, deverão ser seguidos.

As mudanças verificadas e o Turismo como maná salvador

As mudanças verificadas nos campos do Sul nos últimos cem anos são abismais, há, no entanto, um traço comum – a exploração desenfreada dos ASSALARIADOS. Que diferenças existem entre os trabalhadores vindos do Norte e das Beiras durante grande parte do século XX (ratinhos) e os trabalhadores emigrantes vindos de África e outras partes do hemisfério? Que diferenças existem nas condições habitacionais? Salariais? Horários de trabalho? A resposta é clara, se diferenças há é para pior, passados cem anos.

É certo que os campos, já não produzem o trigo, o Alentejo “celeiro da nação”, foi slogan que desapareceu, com as mudanças verificadas, agora existe a exploração intensiva dos solos, que os leva ao desgaste rápido de olival, de pomares variados e vinha; a romã, a amêndoa, frutos vermelhos, beterraba, mirtilo são também produções intensivas

O relatório de Michael Porter, pago a peso de ouro apontou o Turismo como setor a desenvolver e ser potenciado em primeiro lugar pelos Portugueses, era primeiro ministro Cavaco e Silva. Muitas foram as vozes que desde a primeira hora se levantaram contra esta máxima prioridade da nossa economia.

Nada temos contra o turismo e o seu aproveitamento e desenvolvimento enquanto atividade económica, temos e muito contra ser transformado em atividade principal. Nas grandes cidades a população foi encaminhada para as periferias, enquanto os centros históricos se encheram de hotéis, casas de alojamento local e lojas e mais lojas. Em tempos de crise o turismo é o primeiro setor a encolher e esse encolhimento é funesto para todas as atividades que vivem disso. O exemplo acabado são as nossas cidades fronteiriças, que vivem do turismo, com quase todas as atividades a serem organizadas para esse fim: lojas de comércio, restaurantes, cafés, hotéis, alojamento local, museus, etc.

A situação atual

No distrito de Portalegre, contam-se pelos dedos das mãos as empresas com mais de 50 trabalhadores: – Grupo Delta, Hutchinson, Hiper Mercados, Bancos, Autarquias e IPSS são a exceção. Cidades viradas quase em exclusividade para o turismo. O trabalho precário aumenta na proporção que os salários dos trabalhadores diminuem. Uma população envelhecida, com baixos rendimentos, reformas de miséria 260,00€, 300,00€.  Os cerca de 100 lares de idosos são a prova desta realidade. Mas, quantos idosos, existem a viver nas suas casas no isolamento das aldeias, vilas e até cidades?

Fuga maciça e continuada para o litoral de jovens e menos jovens para trabalharem e ganharem o salário.

O número de desempregados inscritos nos centros de emprego, do distrito de Portalegre, mantem um valor homogéneo. A pergunta que urge fazer é: quantos desempregados não estão inscritos nos centros de Emprego? Não o sabemos, mas, por certo não serão poucos, bem como os que tem apenas trabalho sazonal.

A solução milagrosa do TURISMO para o nosso país, que nos foi vendida num estudo, a troco de muitos milhares de dólares arruinou a nossa indústria que foi dizimada e reduzida a sectores com menor peso na economia, juntou-se uma agricultura em grande parte virada para o cultivo intensivo, nomeadamente olival, que irá originar grande desgaste dos solos, que levarão muitos anos a recuperar, azeitona portuguesa transformada em azeite italiano. Ou então exportação de conhecimento técnico no plantio de alfaces para depois comprarmos no Norte de África.

A pandemia fez uma razia em postos de trabalho do pequeno comércio tradicional e restauração… lançando ainda mais famílias no desemprego e no desespero. Situação que apenas sabemos quando começou não sabendo quando e como acaba.

O isolamento das populações acentua-se, a rede de expressos vê a redução das carreiras, a linha do Leste está quase morta. A propalada e propagandeada ligação via ferroviária litoral, Évora, Badajoz começa a sair do papel ainda não há a certeza que Elvas terá estação. A linha de alta velocidade que liga a Europa acaba em Badajoz deixando o nosso país isolado.

Que caminhos seguir

É necessária uma regionalização que sirva as populações, nomeadamente as mais pobres e envelhecidas, que devolva a agricultura aos nossos campos, produzindo e originando postos de trabalho, atraindo jovens a fixarem residência nas terras mais pequenas. É necessário voltar a incentivar a agricultura familiar, que desapareceu quase por completo para a agricultura em grande escala dos grandes consórcios. Agricultura diferenciada de pendor biológico. É necessário reforçar a ação coletiva do associativismo dos pequenos produtores, das mais variadas formas: associações, cooperativas de produtores, etc. O abandono das periferias quer locais, quer nacionais em detrimento das grandes cidades, não resolveu os problemas e em tempos de crise provoca mais miséria.

Ao mesmo tempo é necessário uma verdadeira descentralização de poderes, funções do estado, serviços em todas as áreas, para dar resposta rápidas e eficientes aos problemas e criar uma situação de igualdade entre todos os cidadãos. Esta descentralização tem que criar mecanismos de controle e fiscalização por parte de todos, não pode ficar nas mãos de organismos burocráticos sem fiscalização e que haja reais condições dessa prestação de contas, seja efetuada por parte de todos os cidadãos.

É necessário combater o despotismo de alguns grupos económicos, a falta de liberdade e direitos dos trabalhadores, nomeadamente o direito à livre associação, sindicalismo, comissões de trabalhadores, delegados sindicais. É necessário e urgente a existência da pluralidade de opiniões e formas de organizações. A perseguição e ameaças a quem tem e defende ideias e soluções diferentes para os trabalhadores e o povo tem que acabar, quer sejam efetivadas por grupos económicos ou por autarquias. Não podemos aceitar que quem seja da cor política tenha os benefícios, os apoios, os fundos e quem pense diferente ou defenda outros caminhos seja perseguido, cortados os seus direitos, ameaçado de cortes de apoios, de meios e de fundos.

Os partidos de esquerda, que se opõem ao neoliberalismo e a todas as formas de renascimento do fascismo têm o dever de seguir este caminho em defesa das populações – as pessoas em primeiro lugar – desenvolvimento harmonioso dos países, rejeitando o caminho que tem sido imposto de algumas regiões ricas, onde se concentra tudo e grandes regiões periféricas cada vez mais isoladas e empobrecidas.

O Bloco de Esquerda, tem que ter uma politica intransigente de defesa do interior e de todas as pessoas, uma procura constante de diminuir e não as aumentar as desigualdades. Não deixando as populações à sua sorte, nem à demagogia barata de políticas de ódio entre os povos e etnias. Tem responsabilidades acrescidas no apoio, de todas as formas, às suas estruturas partidárias que enfrentam maiores dificuldades, por estarem afastadas dos grandes centros decisórios.

*Higino Maroto, Dirigente distrital do BE-Portalegre

1 comentário em “Norte do Alentejo, um regresso ao passado? (3)”

  1. Toda a razão no que respeita ao regabofe que hoje se passa na agricultura intensiva, na destruição e abandono dos campos, na exploração (muitas vezes por empresas duvidosas) dos assalariados rurais. Começaram a imitar o ‘milagre’ espanhol existente há já muitos anos, onde magrebinos e não só trabalham em estufas sem horário e com passaportes (quando os têm) retidos pelos engajadores. Cada país tem a Almeria ou a Odemira que os governos fingem desconhecer.

    O turismo – promovido de forma incipiente nos tempos da Ditadura com a publicidade do “Avril au Portugal” – tentava atrair estrangeiros antecipando a época alta. No final dos anos 60 e início dos 70, muitos portugueses sentiam-se discriminados na sua própria terra, em particular no Algarve, com restaurantes a exibirem os menus exclusivamente em inglês e francês; era a altura da subserviência ridícula (que até hoje não mudou muito…), com os ‘mini-market’, os ‘room to rent’ e (queixavam-se alguns) a sermos mal servidos e com maus modos, porque os estrangeiros eram facilmente enrolados nas contas e ainda davam boas gorjetas. Fui testemunha disso e insurgi-me por diversas vezes contra o roubo descarado, sempre que o presenciava.
    Mas a coisa foi evoluindo e hoje estamos a ser expulsos de casa para exploração do ‘Alojamento’, as autoridades começaram a fechar os olhos (e a abrir os bolsos) para autorizar construção em zonas que deviam ser de reserva e os preços das casas urbanas e sub-urbanas dispararam para níveis incomportáveis para quem trabalha. A poluição atmosférica e sonora atingiu níveis prejudiciais à saúde porque, só no continente, os aeroportos de Lisboa. Porto e Faro levam com mais de 1000 movimentos por dia.
    Mas como o turismo em Portugal nem sempre foi o maná da última década, mais cedo ou mais tarde, voltará a não ser. É bom que tenhamos isso presente.
    Quando a Tunísia (que já se lançou nos resorts de luxo) alargar o turismo para a classe média europeia explorando o exotismo das suas paisagens e a sua cultura e quando a Grécia reforçar o sector turístico que hoje os estrangeiros procuram em Portugal (preços, clima, monumentos e gastronomia gregos nada ficam a dever ao nosso país), vamos começar a perceber o que é concorrência a sério. Quando a Croácia começar a explorar em força a beleza das suas águas e a Eslovénia conquistar mercado do centro e do Norte da Europa pelo ambiente ecologicamente cuidado e elevado nível de cultura, esqueçam o Turismo a render acima de 15% do PIB e upa upa, como tem sido o desejo e a aposta preguiçosa dos sucessivos governos.

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