Norte do Alentejo, um regresso ao passado? (2)

Via Esquerda prossegue hoje a publicação de um ensaio de Higino Maroto sobre as transformações ocorridas e em curso no norte alentejano.

Depois de um primeiro artigo já aqui publicado, o autor aborda o período que vai desde a Campanha do Trigo, dos anos 30 aos anos 60, até à entrada na CEE e a nova Política Agrícola Comum. Pelo meio, Higino Maroto recorda as Praças das jornas e a luta por melhores salários, as lutas pelas oito horas e o grande movimento grevista 1962 e, finalmente, o marcante 25 de Abril de 1974 e a Reforma Agrária.

Num próximo e último artigo, será analisada a situação atual e apontados os caminhos a seguir.

Campanha do Trigo dos anos 30 aos anos 60

Apesar de começar nos anos trinta, a preparação vem de trás, do início da década de 20 com várias iniciativas (Congressos, Semana do Pão, Comboio de Propaganda, Concursos e Prémios). A mobilização é muito grande do ministério da agricultura e os seus agrónomos; da direção da lavoura e dos grandes latifundiários e do seu jornal “A ÉPOCA”; grandes industriais da moagem e em especial Alfredo da Silva que via neste incremento da produção do trigo duas grandes hipóteses de negócio – uma através da CUF, adubos e fertilizantes outra a moagem, com a criação de grandes moagens no sul do país. A imprensa nacional da altura principalmente “O Século” e o “Diário de Lisboa” dão grande cobertura a estas campanhas e lançam campanhas próprias, com prémios para os concelhos que mais conseguirem produzir.

Nos primeiros anos da década de 30 verifica-se uma produção bastante irregular, com anos muito bons e com outros maus, tendo mais a ver com as condições climatéricas do que com a campanha em si. Ao mesmo tempo são notórios os problemas de armazenamento, com falta de silos e bem como a falta de meios de transporte. A nível de balança de transações os resultados também não são os esperados: o que se poupava em verbas na compra de trigo ao estrangeiro, tinha o revés de não entrar como divisas provenientes da exportação de outros produtos agrícolas, que tinham deixado de ser produzidos. A necessidade de regadio e de crédito à produção são questões bastante levantadas e que o governo resolve assumir.

No que diz respeito ao crédito verifica-se um fenómeno de usura, que assume alguma importância: parte da burguesia rural aproveita esses dinheiros, contraindo empréstimos para depois emprestar, com juros altíssimos a rendeiros, seareiros ou a outros agricultores que não conseguiam empréstimos do estado. Estava assim criada uma fonte fácil de grandes lucros, ajudando a cimentar a sua força como classe. Para a propaganda governativa, os principais beneficiados da campanha seriam os rendeiros e seareiros, na prática não se verificou, porque cultivavam as terras mais pobres da charneca e caso precisassem de fundos, tinham que pagar com juros acrescidos aos usurários. A campanha do trigo no início é destinada a todo o território nacional, mas acaba por se desenrolar principalmente no Alentejo e Ribatejo.

Praças das jornas e luta por melhores salários

Aos proletários agrícolas não está garantido o pleno trabalho durante todo o ano, digamos que isso só acontecia por alturas do fim da primavera e verão. Se chovia, não se podia trabalhar por conseguinte iam para casa e não recebiam; como se isso não bastasse e com excesso de mão de obra, foi criada uma forma singular de contratar os trabalhadores. “Praça da Jorna” era o seu nome, que mais não era do que encostar os trabalhadores à parede do largo principal da localidade, todas as segundas-feiras e depois os feitores ou capatazes dos agrários escolhiam os que queriam para o trabalho dessa semana. O preço era concertado antes pelos encarregados a mandos dos agrários.

Os escolhidos, neste mercado de novos escravos, ficavam contentes. Os recusados voltavam para casa lamentando-se e sabendo que nessa semana não ganhariam dinheiro. Era a humilhação suprema. A não escolha também servia para castigar quem era mais rebelde, mais reivindicativo, mais solidário, quem lutava e levava os companheiros a lutar.

No verão, os montes eram invadidos pelos chamados “ratinhos” homens e mulheres que veem das Beiras e do Norte recebem menos e com essa ação fazem com que o salário pago aos trabalhadores locais baixe. Vivem em palheiros e barracões em grupo, em condições sem privacidade e dignidade.

Lutas pelas oito horas – grande movimento grevista 1962

Apesar da luta e da resistência, de muitas greves, prisões e mortes só no início dos anos sessentas é que as oito horas de trabalho chegam aos campos do Sul, após um amplo movimento grevista que só encontra paralelo nos primeiros anos da República. O começo da greve dá-se por ocasião do 1º de Maio no Distrito de Beja e Litoral Alentejano, depressa se propaga aos distritos de Évora e de Portalegre e chega ao Ribatejo.

Os trabalhadores recusam ir trabalhar, exigem as oito horas de trabalho e aumentos de salários. Apesar da repressão feroz, principalmente na região de Alcácer do Sal, com espancamentos; prisões: apesar das ameaças de despedimentos e de nunca mais arranjarem trabalho a luta não esmorece, os trabalhadores não desmobilizam. Os “ratinhos”, trabalhadores vindos das outras regiões do país, querem trabalhar de qualquer jeito, são impedidos e expulsos pelos grevistas.

Ao fim de algumas semanas alguns agrários começam a ceder aceitando as oito horas e aumentos salariais, em poucos dias o novo horário de trabalho e os aumentos salariais são uma realidade nos campos do Ribatejo, Alentejo e Algarve.

A falta de trabalho e o consequente desemprego é agravada pela crescente mecanização dos trabalhos agrícolas. As cíclicas condições de miséria em que se vivia levam à fuga massiva dos campos para as periferias das grandes cidades e para o estrangeiro na busca de melhor sorte.

O 25 de Abril de 1974 e a Reforma Agrária

O golpe militar de 25 de Abril de 1974, com a extraordinária adesão popular, transformou-se num amplo movimento que no imediato ultrapassou o propósito do derrube da ditadura fascista, o fim da censura, da guerra colonial para colocar novas exigências e luta pelo pão, pela paz, pela educação, pela habitação, pela saúde.

Em 10 de Dezembro de 1974, um pequeno grupo de trabalhadores rurais ocupam a Herdade do Monte do Outeiro em Beja. Estava dado o primeiro passo de uma velha aspiração: “A terra a quem a trabalha”. Os assalariados rurais, que vivem uma realidade de miséria, despojados de tudo, sem direitos, vivendo em condições desumanas, em que várias gerações nasceram e cresceram a par dos baixíssimos salários e vendo terras abandonadas, terras férteis subaproveitadas por falta de interesse e assistência dos latifundiários tudo isso foi a base e argamassa que gerou o desejo de luta e esse sonho. O pleno emprego e condições dignas de vida!

A 21 de Janeiro de 1975 mais de 10.500 hectares estavam ocupados. Em Beja realiza-se uma grande manifestação onde se grita pelo fim do latifúndio e a entrega da terra a quem a trabalha. O movimento cresce e a 15 de abril o Conselho da Revolução aprova o decreto-lei sobre a Reforma Agrária, os diplomas foram publicados apenas em agosto. Em outubro é criada a primeira UCP (Unidade Coletiva de Produção).

A Constituição de 1976, no seu preâmbulo, consagra a Reforma Agrária como um dos instrumentos fundamentais da sociedade socialista. Os distritos de Beja, Évora, Portalegre e concelhos dos distritos de Castelo Branco, Santarém, Lisboa e Faro sofrem profundas transformações, o pleno emprego é finalmente uma realidade. Não se trabalha mais para o agrário. A alegria, a cor, o empenho é redobrado. Gigantescas ondas de gente, de tratores e reboques invadem as cidades alentejanas em manifestações e comícios. Entre 1974 e 1976 foram criadas mais de 600 UCP e cooperativas, equivalendo a uma área superior a 1.130.000 hectares, representando 25% da superfície agrícola arável nacional.

A contrarreforma começa pela mão de um governo do PS, liderado por Mário Soares e tendo António Barreto como ministro da Agricultura (1977), criador da lei Barreto. Impôs limites à Reforma Agrária, escancarou as portas ao fim das UCPs e ao processo de desocupações e devoluções de terras, possibilitou, que anos mais tarde o governo AD indemniza-se os agrários expropriados. Em 1988, o governo liderado por Cavaco Silva aprovou a nova lei de Bases da Reforma Agrária, conhecida pela lei do latifúndio. Em 2000 Capoulas Santos (PS) deu a última machadada na Reforma Agrária, com a devolução de terras aos latifundiários acima dos 500 hectares de sequeiro e 50 hectares de regadio. Estima-se que com o fim da reforma agrária mais de 50.000 postos de trabalho são destruídos.

A festa que foram as ocupações e criação das UCPs onde o povo e os soldados confraternizavam, por finalmente verem o sonho cumprido, deu lugar às cargas da GNR e polícia nas manifestações de protesto ou nas desocupações. O Alentejo voltava a estar ocupado pelas forças repressivas, voltaram as prisões, as mortes, o medo e a resistência. As forças eram desiguais, o sonho ficou adiado.

A entrada na CEE e a nova Política Agrícola Comum

A 1 de Janeiro de 1986, Portugal integra formalmente a Comunidade Económica Europeia (CEE), para trás ficou um longo processo de 9 anos de negociações. Desfeito o império colonial, que acabou numa lenta agonia de longas guerras, reduzidos ao quintão Luso, o caminhar apresentava-se como uma caminhada difícil. A União Ibérica defendida nos finais do século XIX, por brilhantes intelectuais progressistas, dos dois lados da fronteira parecia utopicamente utópica. Tal como a União Ibérica com países Lusófonos de África e países da América Latina, preconizada por José Saramago na “Jangada de Pedra” ainda mais utópica.

Portugal tinha um nível económico muito diferenciado dos pais mais ricos e até dos pais médios da comunidade, fruto do atraso secular resultados das políticas seguidas. O período revolucionário procurou dar outro rumo ao país, principalmente para os trabalhadores e as várias camadas do povo. Apesar das conquistas desse período terem perdurado no tempo, o espaço temporal foi curto. Os vencedores do 25 de novembro encolheram o caminho. Passados tantos anos, hoje temos um país diferente, entraram rios de dinheiro, as autoestradas atravessam o país, a nossa indústria soçobrou. As diferenças entre os países ricos e pobre mantém-se: a nível salarial, regalias e direitos…

A agricultura é um dos sectores onde a politica comum dos países da CE (anterior CEE) mais avançou. A Politica Agrícola Comum (PAC) foi criada em 1962, tendo por base 3 objetivos: – aumentar a produtividade agrícola; – assegurar o abastecimento de géneros alimentares; – estabilizar os preços dos produtos agrícolas e o rendimento dos agricultores. Esta politica criou excesso de produtos, levou a uma grande de concentração de fundos do orçamento comunitário na agricultura, cerca de 70%, no início da década de 70. Em 1992 foi feita a revisão da PAC, lançando uma nova receita em pacote: – preços mais competitivos, tendo em conta o mercado internacional; estabelecimento de quotas para algumas produções.

A redução da quota de leite, do pescado, da nossa frota pesqueira, etc… foram imposição da CE. Passou a haver muito rendimento proveniente do subsídio e não do trabalho. A agricultura portuguesa não se tornou mais produtiva antes pelo contrário, verificou-se um abandono acentuado.

(continua)

*Higino Maroto, Dirigente distrital do BE-Portalegre

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