É que temos de andar na linha, sorrir com todos os dentes ao vento: aos colegas aglomerados em volta da máquina de café (pausa)
Três vezes ao dia. Três vezes.
Mesmo que seja já uma vez a mais, mesmo que sejam os mesmos colegas e que já te tenhas cruzado com eles no elevador, no corredor, no terceiro andar, na reunião e, às vezes – que azar – à saída da casa de banho.
Mesmo que não tenhas vontade, que já não tenhas vontade.
E que não acredites nesse team building permanente.
Porque já estás farto e estás-te nas tintas para esses discursos arbitrários. Roupa à medida – perfecto (1) para convir aos patrões.
A essa família de socialismo distante, cujo fedor de traição conspurca os nossos ideais. E faz de ti, junto com todos os outros, uma massa de trabalhadores militantes. Neuróticos. Gentrificados.
Devemos caminhar nas faixas brancas que atravessam os open-spaces das colmeias vidradas cintilantes ao sol: dar cotoveladas para guardar o lugar, realçar o que se conquistou para além do razoável. E, na selva, quem tem razão é o mais forte. Um PowerPoint colorido? Eu! Uma introdução bem trabalhada? Eu, de novo! Ser o melhor, eis o desafio. Ser o escravo moderno mais bem informado, o mais inteligente, claro, e o mais submisso, mas, sobretudo, o mais orgulhoso de sê-lo!
Sala musala, como eles dizem! Trabalhem, esforcem-se.
É que temos de seguir as linhas brancas.
Aquelas que se revolvem como um tornado na tua nota de 50€ para aterrar como purpurina nas tuas narinas proletárias.
Cuidar da aspiração e dar espaço ao Lethes.
Para esquecer. Esquecer as ordens, as abstenções, as injunções contraditórias, as batalhas perdidas, a confusão, a desordem, a pequenez, a vulnerabilidade, as misérias, a seca, o desalinho, a injustiça e o poder. Os staffs, os prazos, os orçamentos, as mensagens electrónicas, o lixo electrónico, os agrafadores e os post-it, os tweets, os buzz. Os salamaleques, os “aaah”, os “ooh!”. As curvas a vermelho, a azul, crescentes, decrescentes. As palmadinhas nas costas, os bónus, os fins de ano, os votos, os sorrisos, os rancores, as hipocrisias, as pastas, os crachás, as reuniões, as noites, os dias. O frio, o metro, a Carris, as bicicletas, as faixas para as bicicletas, os “tudo bem?”, os “Mhm mhm!”. A dor.
A dor.
A dor.
Esquecer a dor, a impressão de não servir para nada, zé-ninguém inútil quase revoltada.
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(1) A palavra Perfecto refere-se a uma jaqueta de couro no original francês. É utilizada pela poeta para evocar tanto o vestuário , que é descontraído e impróprio para ambientes de trabalho, quanto a palavra “perfeito” que seria um oxímoro, ou seja, não estaria de acordo com o esperado pelos patrões, entrando em colisão com a ideia de uma conduta de roupa feita à medida. [NdT]
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Tradução de Fernanda Vilar
(*) Joëlle Sambi nasceu na Bélgica e passou uma parte da sua infância em Kinshasa (Congo). Vive em Bruxelas. É escritora eslammer, a par de ser uma activista do movimento feminista. Como escritora foi várias vezes premiada: Le Monde est gueule de chèvre, romance, 2007, e Je ne sais pas rêver, contos, 2002. Na sua vida Joëlle Sambi questiona as situações que decorrem da impotência para as transformações sociais e levanta questões sobre identidade, norma, pertença, temáticas desenvolvidas especialmente na sua poesia slam e com o grupo Congo Eza!