Um dos principais temas do último ano e meio na Ucrânia foi o da mobilização para o exército. No nosso país, todos estão cientes da enorme escala alcançada não apenas pela própria mobilização, mas também por inúmeras violações sistemáticas dos direitos humanos no curso dessa mobilização, enquanto a maioria da imprensa nos países ocidentais abafa essa informação.
A legislação da Ucrânia define o procedimento de registo militar para o serviço militar de conscritos e reservistas e, em particular, o procedimento de recrutamento para o exército está regulamentado.
A intimação para o serviço militar é um documento escrito emitido em nome de uma pessoa específica. Ao mesmo tempo, a citação deve ser preparada com antecedência¸ e não preenchida na frente da pessoa a quem é entregue. Se a ordem for elaborada corretamente, o conscrito é obrigado a comparecer no órgão competente responsável pela mobilização – o Centro Territorial de Recrutamento e Apoio Social (TCC e SP). Se a ordem foi elaborada com violações, o conscrito não tem essa obrigação.
Por lei, a convocação para o serviço militar não pode ser feita no formato de mensagem instantânea, tipo mensagem SMS, ligação telefónica ou e-mail. Os funcionários dos centros de recrutamento não têm o direito de emitir intimações “no local”, na frente da pessoa a quem a intimação é endereçada, ou de adicionar dados a um formulário de intimação parcialmente preenchido.
O que, na prática, está a acontecer na Ucrânia, é uma violação geral e sistemática da ordem legal de mobilização.
Assim, em meados de janeiro de 2023, representantes do TCC tentaram verificar documentos de cidadãos nas ruas de Odessa para emitir no próprio local intimações para o serviço militar.
Em Zaporozhye, em meados de janeiro de 2023, foram registadas imagens vídeo de funcionários do TCC, juntamente com a polícia, a pararem pessoas na rua e a preencherem no momento intimações de recrutamento. No final de janeiro de 2023, a polícia deteve pessoas em várias aldeias e encaminhou-as, mesmo sem intimação, para o TCC. Em fevereiro de 2023, na cidade de Berehove, na Transcarpática, funcionários do TCC exigiram os documentos a cidadãos na rua e emitiram intimações no local.
Tendo visto o suficiente de tais métodos de mobilização, muitos homens começaram a esconder-se, quando viam pessoas em uniforme militar (a mobilização é realizada pelos militares do TCC).Então as autoridades começaram a usar métodos ainda mais flagrantes, tentando enviar o maior número possível de pessoas para a guerra.
Em janeiro de 2023, em Odessa, representantes do TCC esconderam-se numa ambulância e, quando viram homens em idade militar (dos 18 aos 60 anos) intersetaram-nos e redigiram no local intimações, arrastando à força para dentro da viatura aqueles que resistiram. Os próprios militares foram forçados a admitir esse facto.
No final de janeiro – início de fevereiro de 2023, vários casos foram registados quando funcionários do TCC, juntamente com a polícia, bem como de forma autónoma, detiveram pessoas nas ruas de Odessa e em várias outras cidades ucranianas. Em Ternpil, em meados de fevereiro de 2023, representantes do TCC na rodoviária agarraram homens em idade militar e forçaram-nos a entrar numa viatura.
Casos semelhantes foram registados em fevereiro de 2023 em Chernomorsk, Transcarpática, Kropyvnytsky, Cherkasy e muitas outras cidades e regiões. Em 3 de março de 2023, o tribunal distrital de Nikolaev ordenou a inscrição no Registro Unificado de Investigações Pré-Julgamento (ERDR) de uma declaração do cidadão I. Dirk sobre a ocorrência de um crime. O requerente forneceu uma gravação em vídeo de como um grupo de pessoas em uniforme militar o obrigou a entrar num carro e o levou contra sua vontade a um dos centros regionais de recrutamento territorial e apoio social. O requerimento foi apresentado nos termos dos artigos 146.º, 371.º do Código Penal da Ucrânia (prisão ilegal ou rapto; detenção ilegal consciente, prisão domiciliária ou detenção).
Em 7 de março de 2023, em Odessa, na rua 10 de abril, funcionários do TCC levaram à força um cidadão e levaram-no para cumprir a intimação. À noite, a sua mulher redigiu um depoimento dirigido à polícia sobre o sequestro ilegal do marido. Processos criminais foram abertos sobre este facto.
Factos recorrentes têm sido registados quando a distribuição de intimações é utilizada como mecanismo de punição criminal ou administrativa, o que é ilegal. Assim, em 20 de março de 2023, apareceu um vídeo de um escândalo com um taxista de Odessa por ter expressado “pensamentos patrióticos insuficientes”. E em 22 de março de 2023, soube-se através da circulação de uma mensagem que “ele tinha sido abordado e convocado para o exército”.
Os exemplos acima são apenas uma lista relativamente pequena de casos de numerosas violações de direitos humanos nesta área. Na verdade, existem milhares desses exemplos, e só se sabem os casos que foram captados em vídeo e divulgados nas redes sociais ou nos média.
O atual governo ucraniano organizou uma autêntica caçada aos seus próprios cidadãos. Homens em idade militar são detidos nas ruas, em flagrante violação da lei, e incorporados à força no exército, após o que, em muitíssimos casos, são enviados para a frente de batalha praticamente sem treino militar e por isso morrem ou ficam gravemente feridos pouco tempo após chegarem às linhas de combate.
Muitos homens tentam não sair à rua de jeito algum, permanecendo em casa o máximo possível. Mas a necessidade de trabalhar para se alimentar a si e à sua família torna impossível evitar aparecer em lugares públicos. A maioria dos homens ucranianos recrutados tornou-se “carne para canhão”, simplesmente porque carece de qualquer tipo de treino militar.
No entanto, isso não se aplica aos “escolhidos” – a elite governante. Nenhum de seus representantes – o séquito do presidente, ministros, deputados e também oligarcas – está nas frentes de batalha. O mesmo vale para seus filhos adultos. Todos eles estão bem na retaguarda ou até seguiram para o exterior sem impedimentos. Preferem ganhar dinheiro com a guerra do que a morrer nela. A elite governante deixa o direito de morrer na guerra para os trabalhadores, para os pobres, em que se tornou a maioria da população da Ucrânia sob o atual governo. A este respeito, deve-se notar que, na economia arruinada da Ucrânia, os salários militares são quase a única renda possível para as pessoas fisicamente aptas, forçadas a arriscar as suas vidas e saúde para alimentar a família.
A essência de classe da oligarquia dominante manifesta-se da maneira mais clara possível na forma de mobilização. Também é compreensível que os principais meios de comunicação ocidentais se calem sobre isso, não querendo destruir a imagem que criaram de “unidade do governo e do povo ucraniano democrático”, que tem pouco a ver com a realidade.
Maxim Goldarb
Presidente da União das Forças de Esquerda (Pelo Novo Socialismo) da Ucrânia