O Presidente da República acaba de promulgar o diploma da Assembleia da República que aprova a primeira Lei de Bases da Habitação (LBH) do nosso país. Esta nova Lei corresponde a um texto comum acordado entre as três forças políticas que apresentaram projetos lei nesse âmbito, PS, PCP e BE, e que estabelece as bases do direito à habitação e as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efetiva garantia desse direito a todos os cidadãos, nos termos da Constituição. Pela primeira vez é definida em lei a função social da habitação. PSD e CDS-PP votaram contra o diploma.
Marcelo promulgou o diploma, mas não deixou de tecer dúvidas quanto à concretização “das elevadas expetativas suscitadas” pela LBH. Refere o PR na mensagem:
“Apesar de dúvidas quer quanto à possível concretização das elevadas expetativas suscitadas, quer quanto à porventura excessiva especificação para uma Lei de bases, atendendo ao seu significado simbólico volvidas décadas de regime democrático, o Presidente da República promulgou o Diploma que aprova a Lei de bases da habitação.”
As “elevadas expetativas” da LBH a que Marcelo alude são, tão só, as de procurar que todas as pessoas tenham acesso a uma habitação adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Tal como a saúde ou a segurança social, a habitação tem de ser um direito e um dos pilares do Estado social.
No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o PR tinha feito publicar uma nota em que refere ser “necessário ir mais longe no combate à pobreza” e criar uma estratégia que olhe para a habitação, como para a justiça, para o trabalho, para a educação e para a saúde. É para esse objetivo que concorre a LBH.
A habitação tem sido encarada ao longo de décadas como um negócio. A maior parte da despesa pública em habitação foi para o sistema financeiro através de juros bonificados que alimentaram o endividamento das famílias. Portugal é dos países em que o Estado tem menos parque habitacional, pouco mais de 3%. Na Holanda, 32% do parque habitacional é propriedade pública, na Dinamarca e na Suécia este valor está também acima de 20% e em França cerca de 17%.
É fundamental que tudo isto mude. O Estado português tem de ganhar capacidade de intervir na habitação e criar um verdadeiro serviço nacional que garanta o direito de todas as pessoas à habitação condigna. É preciso um Estado interveniente, capaz de aumentar a oferta a preços verdadeiramente acessíveis e uma política pública capaz de controlar os fenómenos especulativos.
Seria preocupante e lamentável se as “dúvidas” de Marcelo viessem a suscitar qualquer hesitação quanto à exigência de aplicação da LBH. O diploma entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação no Diário da República, as disposições que tenham impacto orçamental entram em vigor posteriormente à publicação do primeiro orçamento a que esse impacto corresponda e o Governo tem um prazo de nove meses para regulamentar as normas que o exijam, como é o caso da dação em pagamento aos bancos em caso de incumprimento por carência económica.