Lições de Marx para os insurgentes climáticos de hoje

Peter Boyle, um dos editores da revista Green Left Weekly (Austrália), escreve acerca da análise de Karl Marx sobre o capitalismo e a crise ambiental que a humanidade vive hoje:

«Imagina que encontraste uma garrafa com uma mensagem com 150 anos que previa que o mundo enfrentaria uma crise catastrófica como resultado da lógica capitalista do lucro.

Imagina que a previsão também explicasse como é que o capitalismo – sustentado por gerações de exploração da natureza e do trabalho humano – deixaria de lado todas as objeções morais, racionais e científicas na busca cega do lucro.

E imagina que a previsão dizia que chegaria a um ponto em que a maioria das pessoas teria que escolher entre o capitalismo ou um novo sistema democrático, racional e socialmente justo, capaz de manter um relacionamento sustentável com a Terra.

Tal mensagem teria resumido a situação da humanidade hoje – e é precisamente o que escreveu Karl Marx o insurgente socialista do Século XIX.

Marx não apenas nomeou o inimigo – capitalismo – mas explicou como é que esse sistema é a causa da crise que a humanidade e o planeta enfrentam.

“A produção capitalista”, explicou Marx, “apenas desenvolve a técnica e o grau de combinação do processo social de produção, minando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza – o solo e o trabalhador”.

De acordo com a análise do capitalismo de Marx, há uma dupla contradição no centro do sistema capitalista ao transformar tudo numa mercadoria.

Sob o capitalismo, tudo é uma mercadoria à venda. O valor de troca de uma mercadoria é calculado com base na quantidade média de trabalho humano necessário para criar ou extrair a mercadoria.

A primeira contradição é que os trabalhadores que criam ou extraem a mercadoria recebem apenas o custo médio necessário à reprodução da sua força de trabalho. Todo o valor acima desse custo médio é apropriado pelos capitalistas como lucro [a mais-valia].

A segunda contradição é que a natureza é vista como algo que não tem valor; algo que pode ser apropriado de graça e indefinidamente.

O progresso do capitalismo, como tal, é um processo “não apenas de roubar o trabalhador, mas também de roubar o solo, a natureza”.

Falha metabólica

Marx considerou que a humanidade deve estabelecer uma relação metabólica com a natureza, à semelhança do que acontece com as outras espécies vivas. No entanto, o capitalismo interrompe sistematicamente essa relação, causando ruturas metabólicas cada vez maiores e com efeitos multiplicadores.

No volume 1 do “Capital”, Marx refere que “A produção capitalista perturba a interação metabólica entre os seres humanos e a Terra, ou seja, impede o retorno ao solo dos seus elementos constituintes consumidos pelos seres humanos na forma de alimentos e roupas”.

O editor de “Climate & Capitalism”, Ian Angus, um dos vários ecossocialistas que apontaram os valiosos contributos de Marx para os que enfrentam a emergência climática de hoje, referiu que “A única maneira de a vida continuar no planeta por 3 biliões de anos é reciclar e reutilizar constantemente os recursos “.

Mas as brechas metabólicas interromperam essa reciclagem e “um milhão de espécies está em risco de extinção se não mudarmos a nossa maneira de interagir com a natureza, porque as falhas no metabolismo da natureza estão-se a expandir demasiadamente rápido não dando tempo a que muitas dessas espécies se adaptem”.

“Os processos naturais mantiveram estáveis, ao longo de milhões de anos, ​​a quantidade de gases com efeito de estufa na atmosfera, mas no século passado, especialmente nos últimos 20 ou 30 anos, o dióxido de carbono emitido para a atmosfera foi superior ao que todos os processos naturais poderiam eliminar.”

O ecologista Barry Commoner [1917-2012], autor de “The Closing Circle”, foi fortemente influenciado pelas ideias de Marx. Ele argumentou: “A primeira lei da ecologia é que tudo se relaciona entre si”. “Para sobreviver, precisamos de fechar o círculo. Precisamos aprender a devolver à natureza os recursos que lhe pedimos emprestado.”

A conclusão de Commoner, compartilhada por milhões de insurgentes da emergência climática de hoje, foi a seguinte: “As nossas opções foram reduzidas a duas: a organização e distribuição racional e social dos recursos da Terra ou uma nova barbárie”.

Imperialismo

Marx fez muito mais do que nomear o capitalismo como inimigo. Ele estudou cientificamente a forma como o capitalismo operava no seu tempo e elaborou a dinâmica do sistema.

Descobriu que a feroz competição pelo lucro entre os vários agentes capitalistas causaria crises regulares, nas quais os capitalistas mais fracos desaparecem ou são engolidos pelos mais lucrativos.

A competição daria lugar ao monopólio e, no processo, milhões de trabalhadores seriam lançados no exército de desempregados, comunidades e ecossistemas inteiros seriam destruídos, nações escravizadas e o mundo dilacerado pela guerra.

A divisão do mundo em nações imperialistas exploradoras e colónias e semicolónias economicamente escravizadas e empobrecidas decorre dessa dinâmica e molda hoje a emergência climática global.

Como o marxista americano John Bellamy Foster explicou em “Imperialismo e o Antropoceno” na “The Monthly Review”: “Não pode haver revolução ecológica diante da atual crise a menos que seja anti-imperialista, ganhando essa força a partir do sofrimento humano que a grande massa vive.”

“O movimento ecológico global deve, portanto, ser um movimento pela unificação dos oprimidos, emanando de inúmeras rebeliões e levando à primeira verdadeira Internacional dos trabalhadores e povos do mundo.”

“Os pobres herdarão a Terra ou não haverá mais Terra para herdar.” »

[…]

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[Extracto do artigo “Marx’s lessons for today’s climate rebels” de  Peter Boyle publicado originalmente em Setembro/2019 na revista Green Left Weekly]

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