Jogo de tabuleiro critica o capitalismo e divulga Marx e Bourdieu

Lançado a 8 de novembro em França, o jogo de tabuleiro “Kapital” contraria a lógica habitual dos jogos mais conhecidos, como o “Monopólio”, em que o objetivo é ficar rico comprando e vendendo propriedades. Este novo jogo procura confrontar os participantes com as fraturas da sociedade em que vivemos, as suas regras e contradições determinadas pelo capitalismo. Criado pelos sociólogos franceses Michel e Monique Pinçon-Charlot, “Kapital” foi um sucesso e está por enquanto esgotado.

Marianne Zuzula, responsável pelo projeto, conta que é o primeiro jogo de tabuleiro lançado pela sua editora, “La ville brûle” (a cidade arde), especializada na área das ciências sociais e humanas. Neste jogo, “Monique e Michel mostram que as desigualdades sociais não são naturais, mas são o resultado de uma vontade política implementada em benefício dos ricos”, diz Marianne.

“O nosso jogo de tabuleiro foi inteiramente concebido a partir da sociologia crítica. Colocamos em prática os conceitos de Karl Marx e de Pierre Bourdieu, as teorias da exploração e da dominação, decorticadas e misturadas, aplicadas à classe dominante”, explica a socióloga Monique Pinçon-Charlot.

Ao contrário da generalidade dos jogos de tabuleiro mais conhecidos, as cédulas entregues aos jogadores no início, não representam apenas dinheiro. Primeiro, jogam-se os dados para decidir quem são o jogador dominante – no singular, porque só pode ser um – e os dominados. “Se você é dominante, recebe logo bastante dinheiro, 50 cédulas de capital financeiro”, diz a socióloga. Mas – e aí entra a teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu – a riqueza não se resume a isso. O dominante recebe também, logo no início, 50 cédulas de capital social (“os ricos estão sempre com os ricos, têm amigos influentes”), de capital cultural, (“que representa o mundo dos mercados de arte, das universidades de prestígio, de amantes dos livros e de ópera”), e de capital simbólico.

Os dominados têm direito a apenas 10 cédulas de cada uma daquelas riquezas. E o dominante começa a partida, claro. “No jogo é como na vida: é o acaso que decide quem será o dominante e quem será o dominado.” Se no jogo são os dados que decidem – quem tira o valor maior é o dominante -, na vida real, isso passa pelo lugar e pela família onde se nasce.

À medida que os jogadores lançam os dados, seguem um percurso com 82 casas (que correspondem à esperança média de vida de um francês ao nascer). Ao calharem numa casa, eles retiram cartas com perguntas a serem respondidas, que lhes permitirão avançar ou recuar no jogo. Existem cartas específicas para o dominante e para os dominados “porque não fazem parte da mesma classe social”.

“O objetivo é fazer entender que a riqueza é multidimensional – não basta ter dinheiro –, e esta é a teoria de Bourdieu. E que nós estamos numa guerra de classes, esta é a teoria marxista. “Não é por acaso que o subtítulo do jogo é ‘Quem ganhará a luta de classes?’”.

Neste jogo idealizado pelos sociólogos Pinçon-Charlot, é possível que um dominado ganhe “desde que ele se entenda bem com os outros dominados e caia nas boas casas”. “Por exemplo, se um dominado cai na casa ‘Rebelião’, ele pode exigir que o dominante dê 30 bilhetes a cada dominado. E se for na casa ‘Revolução’, a gente redistribui todos os bilhetes igualmente”, refere Monique em tom divertido.

Não há informação conhecida sobre se o jogo “Kapital” vai ser editado em português.

 

 

 

2 comentários em “Jogo de tabuleiro critica o capitalismo e divulga Marx e Bourdieu”

  1. “…o jogo “Kapital” vai ser editado em português”?
    Claro que sim. Aliás, já está!
    O tabuleiro tem o formato rectangular por onde uns poucos ‘dominantes’ estão dispersos; é que a maioria está (noutro ‘jogo’) no Panamá, nas Ilhas Caimão, nas Ilhas do Canal, na Suíça ou na Holanda de onde lançam os dados (viciados, aliás, com as quinas e senas sempre pra cima), de cuja batota resulta para si o exponencial acumular de riqueza.
    Para os ‘dominados’ (a quem só saem duques), e que residem física e fiscalmente no tabuleiro, está reservado o privilégio de contribuírem com impostos para o ‘caixa’ que alimenta os ‘dominantes’.
    E, vá lá, vá lá… se calharem na casinha da ‘Sorte’, ainda levam 1,90 Euros de aumento.

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