Joana da Ribeira: o rosto feminino da luta pelo direito à habitação no Porto!

“a cidade onde cães devoram,   com extrema piedade, crianças cintilantes e despidas”.

(Eugénio de Andrade, 1977:25.)

Enquanto os deputados da Nação e o seu Governo aprovam a Lei de Bases da Habitação em 3 de Setembro de 2019 de forma a garantir o Direito à Habitação, anteriormente consagrado em direito constitucional no Artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, o Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira despeja uma jovem mãe e duas crianças da casa onde residiam na Ribeira do Porto.

Um despejo brutal, sem acompanhamento, sem apoio, sem cumprir com o que está consagrado no artigo 13.º da Lei de Bases da Habitação. Um despejo enquanto Joana Pacheco estava em reunião com os representantes do pelouro da habitação e inclusão social na câmara do Porto. Enquanto decorria a reunião entram-lhe na casa, despejam-lhe os bens, mudam-lhe a fechadura, lacram a água e impedem vizinhos e familiares de defender a casa da Joana. Um cordão de policia municipal cercou a casa, bloqueou a rua, decretou uma lei injusta para aplicar uma injustiça social contra uma jovem mãe e seus filhos que de boa-fé se deslocaram à câmara do Porto para defender os seus direitos de forma cívica e legal.

No Artigo 11.º da Lei de Bases da Habitação declara que «o Estado respeita e promove o direito dos cidadãos à escolha do lugar de residência», mais em caso de «realojamento» por entidades públicas, é «obrigatória a audição dos envolvidos e promovida, sempre que possível, a permanência das pessoas e famílias a realojar na proximidade do lugar onde anteriormente residiam». Mas não é este o caso. A Joana vivia com um familiar, que entretanto faleceu e ela comunica à Domus Social [empresa municipal do Porto para a habitação social] o interesse em continuar no locado. A Domus Social devia e podia fazer novo contrato de arrendamento e fazer a reactualização da renda de acordo com os parâmetros legais. O problema é que na Domus Social existe uma prática de fragmentar, dispersar, de despejar os familiares sem garantir o direito à continuidade na casa onde já viviam, independentemente do contrato de arrendamento estar em nome de um familiar.

Mais, levantasse aqui algumas dúvidas que nos parecem oportunas, como por exemplo, com a aprovação da Lei de Bases da Habitação (Lei n.º83/2019 de 3 de setembro) os despejos não podem ser realizados como se fez no caso da Joana Pacheco. Aliás, com a aprovação da LBH o seu Regulamento Municipal de Habitação Social tem “obrigatoriamente” de ser suspenso e revisto porque está fora dos princípios da Lei de Bases da Habitação. Porque é que a Secretaria de Estado de Habitação ainda não implementou as reformas necessárias e habita num silêncio profundo e cúmplice?

Faz sentido ou não cumprir a Lei de Bases da Habitação no que diz respeito à regulamentação da habitação municipal social? Faz sentido ou não mandar suspender todos os regulamentos municipais? Faz sentido ou não ter a habitação municipal entregue a Empresas Municipais que vivem fora do escrutínio democrático das Assembleias Municipais? Faz sentido ter um regulamento municipal de habitação que funcione como um instrumento de terror contra os moradores? Faz sentido uma Empresa Municipal de Habitação fazer da Lei um instrumento burocrático e desumano para o despejo de famílias e crianças vulneráveis?

Um Regulamento que devia proteger, valorizar e integrar é na realidade um mecanismo de terrorismo social contra os mais desprotegidos, os mais pobres da nossa cidade. E nesta matéria nem Rui Moreira nem Manuel Pizarro podem lavar as mãos como pilatos, refugiando-se na aplicação da Lei. Rui Moreira é o principal actor destas políticas de ataque aos direitos constitucionais, mas o actual Vereador do PS, Manuel Pizarro durante quase quatro anos foi cúmplice na forma como manteve desactualizado este regulamento e nada fez de substantivo para alterar as práticas burocráticas e desumanas que fazem escola na Domus Social.

Ontem, pelas 21.00 horas, centenas de moradores protestavam pelo direito à habitação. Eram muitos os cidadãos do Porto, com a presença activa e energética das mulheres, homens de todos os quadrantes, jovens estudantes da cidade que protestavam em frente à Câmara Municipal do Porto. Nesse momento já decorria a Assembleia Municipal para tratar o caso dos despejos na cidade. Com a Joana Pacheco na Assembleia Municipal, onde estavam reunidos o executivo da câmara e membros da Assembleia Municipal, Joana esperava para poder intervir no final da magna reunião em nome do povo da cidade.

Cá fora gritava-se de indignação, de descontentamento por um acção injusta para com uma mulher que só queria manter o direito à sua habitação. A noite ia longa, quando pelas uma e pico da manhã, começaram a sair os senhores ilustres membros da Assembleia Municipal, de andar rápido, ombros caídos e cúmplices, de rabo entre as pernas lá saíram de mansinho entre palavras de ordem e de toque de tambores. O Senhor Presidente e mais vereadores fugiram por outra porta. Tiveram medo de enfrentar a cidadania que lhes queria dizer «Despejos nunca Mais, Habitação Sim»; o «Porto é nosso»; ou «Moreira tira as patas da Ribeira».

 

Texto de:

Fernando Matos Rodrigues

António Joaquim Soares Luz

 

Deixe um comentário