Interesses da ANA/VINCI comandam decisão sobre novo aeroporto

O Governo assinou um compromisso do Estado português com a empresa de gestão aeroportuária ANA/Vinci para o financiamento e construção do novo aeroporto do Montijo, ainda que não tenha sequer sido apresentado o respetivo Estudo de Impacte Ambiental (EIA).

O Governo justifica esta precipitação com as obras na Portela, Lisboa, incluídas neste pacote, e que não avançam sem que todos os interesses da ANA/Vinci estejam negociados e firmados. Ora, começam aqui as questões centrais sobre as decisões relativas à construção do novo aeroporto.

O que está a determinar todo este processo são os interesses da ANA/Vinci, que exige o alargamento do prazo de concessão para 50 anos (este consórcio gere os 10 mais importantes aeroportos portugueses), a possibilidade de aumentar rapidamente as receitas das taxas aeroportuárias e investir o menos possível nas infraestruturas para alargamento da capacidade aeroportuária.

O país está a pagar verdadeiramente as consequências da privatização em 2012 da ANA, vendida ao grupo francês Vinci. Nos dez anos anteriores à privatização, a ANA empresa pública tinha entregue 2 mil milhões de euros de receitas e de investimento público. O que a privatização trouxe, para além do encaixe conjuntural de 3 mil milhões de euros, foi a grave perda de receitas e de investimento público e a dependência de um setor estratégico aos interesses privados dos acionistas da ANA/Vinci.

A assinatura do acordo com a ANA/Vinci para transformar a BA6 do Montijo num aeroporto complementar à Portela sem ser conhecido o EIA, coloca em causa a sustentabilidade da decisão e configura uma chantagem sobre a Agência Portuguesa do Ambiente que tinha devolvido, em dezembro, o primeiro estudo realizado, devido a várias insuficiências detetadas.

São muito elevados os riscos ambientais e para a própria navegação aérea de uma infraestrutura aeroportuária localizada em pleno estuário do Tejo, a maior e mais importante zona húmida da Europa ocidental, junto à Reserva Natural do Estuário do Tejo. Não se conhece qualquer situação idêntica noutro país europeu. O entendimento geral é que as áreas estuarinas, com grande circulação de aves, e particularmente as zonas de sapal, devem ser preservadas e protegidas, o que não se coaduna com a instalação de um aeroporto na proximidade.

Dezenas de milhares de pessoas que residem naquela zona do Arco Ribeirinho, Montijo, Alcochete, Barreiro, ficam sujeitas ao impacte do ruído que poderá atingir níveis superiores ao que são legalmente permitidos. Os edifícios residenciais e os equipamentos sociais não estão preparados para esta alteração. A pressão sobre a população de Lisboa também aumentará, com o alargamento da capacidade da Portela.

Todas as limitações que a opção Montijo coloca em termos da infraestrutura, a extensão da pista em 300 metros para dentro do estuário, a indefinição sobre acessibilidades e rede de transporte, para além da falta do EIA quando as questões ambientais são decisivas, exigiria ganhar tempo com a imediata ponderação de alternativas.

Nesta situação, que implica uma redefinição importante do setor e a duplicação da capacidade de operação aeronáutica, decorre da legislação europeia e nacional a exigência da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica. O objetivo é comparar as várias opções e permitir uma decisão informada e participada, onde o interesse público (ambiental, económico e social) prevaleça.

Não está a ser esta a opção do Governo que prefere despachar o assunto adaptando-se aos interesses da ANA/Vinci. Devia ser mais exigente na defesa do interesse público e célere nas alternativas. Não colocar os impactes ambientais sobre o estuário e sobre as populações como qualquer coisa marginal. Esta precipitação é grave, agudiza as consequências da privatização e coloca de forma evidente que o controlo público sobre a gestão do setor aeroportuário tem de ser um objetivo que decorre do interesse estratégico nacional.

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