No dia 30 de julho de 2014, o Banco Espírito Santo (BES) anuncia um prejuízo de 3,6 mil milhões de euros no exercício do primeiro semestre de 2014, reflexo de uma gestão gravemente danosa e violadora de normas básicas da actividade bancária.
Os prejuízos atingiram um valor largamente superior à almofada de segurança de capital que o banco dispunha. O BES, com cerca de 20% de quota de mercado, entrou numa situação de risco de incumprimento das suas obrigações a curto prazo. A perda da licença bancária era praticamente inevitável.
O governo PSD/CDS-PP optou por uma medida de resolução que criou o Novo Banco (NB), o chamado “banco bom”, com os ativos considerados não tóxicos do BES e uma injeção de 4,9 mil milhões de euros de fundos públicos com vista à sua posterior alienação a privados, como veio a acontecer.
Após as eleições de 2015, o governo PS recusou a possibilidade de nacionalização e manteve a estratégia anterior de venda do NB a privados. O banco é salvo da liquidação, com dinheiro público, e o processo de venda conduz à sua entrega à Lone Star. Para que o negócio se consumasse, a Lone Star, um fundo abutre norte americano, exigiu ao Estado português uma contragarantia pública de 3,9 mil milhões de euros.
À custa dos contribuintes portugueses, a Lone Star fez um negócio sem riscos, passou a ter 100% do controlo do banco, com o único compromisso de injectar mil milhões no NB (não se sabe se injetou ou não). O objetivo é vir a vender o Novo Banco logo que as condições de mercado lhe sejam favoráveis, mesmo que isso implique a falência de empresas dependentes do financiamento do ex-BES e de milhares de despedimentos.
Antes da entrega à Lone Star, o Novo Banco valeria em termos contabilísticos cerca de 5 mil milhões de euros. Acresce à injeção inicial de 4,9 mil milhões de euros, a garantia pública de 3,9 mil milhões, num total de 8,8 mil milhões de euros de fundos públicos que passaram a ser inteiramente controlados pelo fundo abutre norte americano.
O interesse público está claramente em causa em todo este processo. O Governo tem dito que foi a “solução menos má”, argumentando que no caso de nacionalização teria de ser o Estado a arcar com todas as responsabilidades.
De facto, o Estado já está a arcar com todas as responsabilidades. Com a agravante de ter perdido totalmente o controlo de 8,8 mil milhões de euros de fundos públicos, que serão completamente executados pela Lone Star e que servirão para realização de lucros numa futura venda do NB. O Estado perde o dinheiro e a possibilidade de gerir um banco importante para a economia nacional.
Há quem argumente que a nacionalização poderia originar um contencioso com a UE. É previsível que Bruxelas reagisse, como reagiu com o aumento do salário mínimo nacional, com a recapitalização da CGD ou com a nacionalização do banco Monte dei Paschi di Siena, em Itália, que acabou por ser concretizada. Contudo, a nacionalização está prevista na própria diretiva europeia sobre resolução e recuperação bancária, quando há perdas significativas, como aconteceu com o BES. Se a defesa do interesse público nacional exige esse confronto, o Estado português não lhe pode fugir e deve preparar-se para o fazer.
Do governador do Banco de Portugal já nada se espera. Governo e Presidente da República fizeram em conjunto o caminho que desembocou nesta situação penalizadora dos contribuintes. Colocar fundos públicos a suportar o negócio privado de um fundo abutre norte-americano é insustentável. Cabe à Assembleia da República assegurar a defesa do interesse público, colocar cobro a esta sangria de recursos públicos para a banca privada, com evidente prejuízo para as contas públicas e para a economia do país.
A Assembleia da República tem a obrigação de aprovar um Projeto Lei que, por via de nacionalização, assegure o controlo público da estrutura acionista do Novo Banco, nos termos do Regime Jurídico de Apropriação Pública, no sentido de salvaguardar o interesse público nacional.