António Arnaut, enquanto ministro dos Assuntos Sociais do II Governo Constitucional, teve um papel decisivo na criação Serviço Nacional de Saúde, após o 25 de abril. O advogado e político, opositor à ditadura, faleceu na segunda-feira, com 82 anos, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde estava em tratamento.
O chamado “pai do SNS” nunca deixou de intervir na vida pública portuguesa, tendo recentemente lançado, em conjunto com o antigo coordenador do Bloco de Esquerda, João Semedo, uma proposta para uma nova Lei de Bases da Saúde no livro “Salvar o SNS – Uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a democracia”.
Numa entrevista ao Diário das Beiras, citada pelo jornal Negócios, a propósito dos 35 anos do SNS, 2014, dizia António Arnaut que “A maior parte dos partidos estava contra a criação do SNS, mesmo algumas pessoas do meu partido, porque diziam que o orçamento não o permitia, que não havia sustentabilidade financeira. Eu dizia-lhes que se os políticos fossem doentes das caixas, em vez de serem tratados em clínicas privadas, defenderiam o SNS. E ainda hoje isso acontece. A maior parte dos políticos não são doentes do SNS e às vezes ignoram os benefícios alcançados“.
O mesmo jornal refere que Arnaut chegou a ser acusado de estar a “soldo de Moscovo” e de querer estatizar a saúde, nomeadamente pelo então bastonário da Ordem dos Médicos, Gentil Martins. Arnaut, porém, sempre garantiu que só queria “socializar a saúde, isto é, torná-la um direito de todos e não um privilégio de quem a podia pagar“.
Salvar o SNS – a última grande opção de António Arnaut
Por altura da morte deste importante português, surgem notícias de uma forte degradação do SNS um pouco por todo o país.
Hoje mesmo, ocorreu a demissão em bloco de 30 directores e coordenadores de serviço no centro hospitalar Tondela-Viseu, protestando contra falta de condições. Já o hospital de Sta. Maria, em Lisboa, teve de fechar camas no sector de cirurgia devido à falta de enfermeiros. Segundo o DN “Se há menos de duas semanas o diretor de serviço de oncologia do hospital se queixou da falta de médicos na unidade, dados consultados pelo DN mostram também que o número de enfermeiros está muito abaixo do necessário: só desde o início do ano, mais de cem enfermeiros abandonaram o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) e nem metade desse número foi contratado para compensar as saídas.”
Também nos cuidados paliativos é notória a desvalorização do SNS. De acordo com o JN “Entre 69 a 82% dos doentes que morrem no nosso país necessitam de cuidados paliativos. Mas mais de 80% não os têm porque as respostas são insuficientes. Os maiores hospitais do país, Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa incluído, não têm unidades de internamento. Oito dos 18 distritos não têm qualquer equipa domiciliária. E mais de 70 mil doentes continuam sem acesso a esses cuidados. Faltam recursos humanos e materiais. Faltam horas nos hospitais destinadas a estes cuidados. Faltam equipas em várias zonas do país. E falta formação orientada para um setor tão específico.”
Esta degradação progressiva do SNS abre caminho ao continuado assalto dos privados, para quem a saúde é um negócio como qualquer outro. Os lucros crescentes dos hospitais privados aí estão para o provar.
Um serviço para ricos e outro, extremamente degradado, para os mais pobres, é o modelo visado por muitos dos que hoje lamentam a morte de António Arnaut, mas que estão, de facto, a destruir a sua obra essencial, o Serviço Nacional de Saúde.
Honrar a sua memória é defender e salvar o SNS.