Há fogo em Monchique. Como já se esperava

Ao longo de vários dias, o fogo da Serra de Monchique já consumiu mais de 20 mil hectares. Antes, Monchique já encabeçava a lista de concelhos mais ameaçados.

O combate está a ser difícil por causa das temperaturas elevadas e dos ventos que sopram fortes.

Pelas notícias que nos vão chegando, estará a ser feito um grande esforço para o controlar e, sobretudo para evitar mortes de pessoas, como aconteceu nos incêndios de 2017.

Há críticas sobre a forma como o fogo está a ser combatido. Mas sempre houve, por melhor que se faça. Isso não é necessariamente mau. Mas, neste caso, não consigo juntar-lhes a minha voz.

A crítica que já faço há muito tempo vai para uma outra questão mais complexa: a política florestal é uma corrida de fundo, de maratona, e não um sprint de poucos minutos. Por isso a política florestal não se compagina com um “mercado dos votos”, com características cada vez mais urbanas e desligadas da realidade. Esse é o grande problema da nossa floresta e que está longe de ser assumido e resolvido.

Até este momento, felizmente, no incêndio de Monchique ainda não morreram pessoas. Mas em Portugal já morreram este ano mais de 10 pessoas para prevenir os fogos. Ou seja, já tivemos uma catástrofe para prevenir outra catástrofe — que afinal não prevenimos…

Refiro-me às vítimas da limpeza das chamadas faixas de gestão de combustível, uma operação que instalou o pânico entre os pequenos produtores, pois os grandes têm as suas áreas florestais bem cuidadas e as faixas  bem limpas; não precisam para isso de Lei ou Decreto Lei, é a economia que o determina.

Os pequenos proprietários foram obrigados a cortar árvores e limpar mato para defender propriedades de terceiros, nomeadamente casas construídas junto ao seu terreno, ou adjacentes a aglomerados populacionais.

As regras impostas por este Decreto Lei, foram consideradas tecnicamente incorrectas pelo grupo de peritos nomeadas pela Assembleia da República e  consideradas inconstitucionais por vários juristas.

Apesar de, como se está a verificar agora, esta medida não atingir os objectivos a que se propõe e ter já custado a vida a mais de 10 pessoas, ela permitiu muito tempo de antena nas televisões e muitas páginas de jornais. É o tal mediatismo e o imediatismo que não combina com a defesa da floresta.

Por várias ocasiões, tenho referido que estas medidas me fazem lembrar uma entrevista que fiz a António Louro, Presidente da Associação de Produtores Florestais de Mação. Lembrou ele que, em 2003 pensavam ter executado em Mação todas as medidas necessárias para defender a floresta do seu concelho. Tinham faixas de gestão de combustível, pontos de água, as aldeias equipadas com kits de primeira intervenção e a população sensibilizada para se defender.

Mas, justamente nesse ano, quando tudo parecia estar feito, veio um grande incêndio e o concelho ardeu quase todo.

Aí, concluíram que, afinal, o problema será a gestão. Não há gestão da floresta, pois 75% da população já não vive lá, teve que abandonar a terra à procura de trabalho.

Começaram, então, a pensar na melhor forma de organizar os produtores e os proprietários desses minifúndios, para em conjunto ganharem a necessária escala para o planeamento e a gestão. Fizeram um projecto piloto e andam com ele “às costas” de governo em governo.

Penso que Portugal ainda está na fase de Mação 2003. Está na altura de assumirmos que o problema é essencialmente de gestão e planeamento e que, para o resolver, temos que juntar na mesma entidade gestora uma área considerável de pequenas parcelas.

O instrumento legal está criado, são as UGF – Unidades de Gestão Florestal. O Fundo Florestal Permanente já abriu uma medida para financiar a sua constituição, embora curiosamente, no site do ICNF, a Lei que cria as UGF não esteja publicada. Lapso? Avaria do site? Certo é que nos discursos políticos e técnicos pouco ou nada se diz sobre este processo.

O Ministro da Agricultura já foi ao Parlamento dizer que iria criar medida adequada ao financiamento das UGF que se vierem a constituir. O Secretário de Estado das Florestas já anunciou, num encontro distrital em Braga e na presença de dirigentes associativos do sector, que não irão faltar apoios para as UGF. Apesar disso, os poderes instalados parecem sobrepor-se as estas declarações.

Na minha opinião a única grande medida de política florestal dos últimos anos que pode dar o contributo que falta para o controlo dos fogos florestais e rurais é a organização dos produtores através das UGF.

Vamos à maratona e deixemos a corrida dos cem metros para outros sectores que sejam menos exigentes em planeamento estratégico.

1 comentário em “Há fogo em Monchique. Como já se esperava”

  1. O Nosso problema é que se fala muito e se faz pouco, basta de promessas já é tempo de passar à ação e evitar que as situações se repitam o caso do incêndio de Monchique é outra vez mais do mesmo.

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