Em todo o país, as três estações ferroviárias com mais movimento — Cais do Sodré e Rossio, em Lisboa e S, Bento, no Porto situam-se dentro das cidades. Este facto revela a enorme importância da ferrovia como meio de transporte de massas, com muito menor poluição por passageiro e quilómetro do que outros modos de transporte.
A revelação decorre da análise aos dados de 2018 fornecidos ao jornal Público pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.
Pela estação do Cais do Sodré (em cima, na foto) passam mensalmente 1,5 milhões de passageiros, enquanto a estação do Rossio movimenta 1,1 milhões de passageiros por mês. Já pela estação ferroviária de S. Bento (Porto) passa mensalmente um milhão de passageiros.
A seguir a estas grandes e históricas estações ferroviárias, na lista das mais movimentadas aparecem, algo surpreendentemente, várias estações da Linha de Sintra, como Agualva-Cacém, Amadora, Sete Rios, Cascais, Queluz-Belas. Todas movimentam mais gente que a estação de Porto Campanhã, por exemplo. E de que Santa Apolónia, em Lisboa.
Globalmente, segundo as contas do jornalista Carlos Cipriano, “o top 10 das mais estações movimentadas representa 38% do número total de passageiros do país. E deste conjunto só duas são do Norte (São Bento e Campanhã).”
Já fora das áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e Coimbra, a estação ferroviária do Entroncamento aparece com uma das mais movimentadas, com 110 mil passageiros por mês, em 53º lugar do ranking de movimentos. Ainda assim, à frente da estação da capital de distrito (Santarém), com “apenas” 85 mil passageiros por mês.
Estes números evidenciam a necessidade de uma aposta estratégica na ferrovia, ao invés do seu desmantelamento, prosseguido durante décadas por governos do PS e do PSD. Recentemente, esta tendência negativa parece estar a ser invertida.
O transporte ferroviário rápido usando energia eléctrica (incrementando-se prioritariamente a produzida por meios renováveis), deveria ser opção estratégica não só nas ligações por todo o país (pessoas e mercadorias), como também no formato ligeiro – subterrâneo ou de superfície – para as deslocações pendulares dentro de uma mesma região.
Todos teríamos a ganhar em tempo, dinheiro e saúde.
Aliás, deveria priorizar-se e incentivar-se a nível europeu a construção de super-ferrovias, para substituir pelo menos parte dos mais de 50 000 voos comerciais diários neste continente.
No mundo, a qualquer minuto, há no ar 11 000 aviões comerciais de um total de 110 000 voos/dia; um absurdo de poluição que, para além do ruído, emite gases tóxicos e de efeito negativo sobre o clima e ainda nanopartículas causadoras de doenças coronárias e pulmonares.
Mas a opção pela ferrovia é uma luta onde se contabilizam biliões!
São os fabricantes de aeronaves, as transportadoras aéreas, as empresas de handling e as operadoras aeroportuárias privadas (que em Portugal até fazem vergar os governos transformando o aprovado NAL (Campo de tiro de Alcochete) em Portela +1 e é o lobby automóvel, maná para as petrolíferas, as construtoras e montadoras de veículos, os impostos para os governos, as concessionárias de autoestradas e por aí fora.
Claro que teria de existir uma coordenada, progressiva e necessária reconversão industrial e embora isso careça de opinião técnica que eu não possuo, parece-me que não traria menos emprego e, pelo contrário, talvez os novos desafios trouxessem mesmo um novo fôlego e um novo foco para a indústria e as diversas tecnologias envolvidas.
Voltemos ao Cais do Sodré.
Segundo os ‘novos visionários’ (1), estão previstos até mais 24 voos/hora para o futuro hidroporto do Montijo ou seja, 12 aterragens/hora.
Ainda que apenas 1/3 dos passageiros chegados não optem pelos autocarros que atravessarão em fila a Vasco da Gama, mas sim pela via marítima em moderníssimos e chiquérrimos catamarãs para Lisboa (o interesse dos turistas brasileiros, nórdicos ou chineses que chegam a Portugal não será naturalmente fazer compras nas lojas do Montijo), teremos por hora perto de 1000 pessoas e mais uns milhares de malas a chegar ao Cais do Sodré. Esta zona entre a estação multimodal e o cais marítimo, transformar-se-á então num gigantesco estacionamento de tuk tuks e ubers, para complicar a vida aos milhares de habituais utentes que aí chegam ou que daí partem.
(1) – A Câmara do Montijo é favorável à aberração proposta. Talvez não apenas por solidariedade partidária com o governo, nem pela explosiva especulação imobiliária em curso, mas sim pelo facto (ou simples coincidência) da sua zona urbana não ser sobrevoada nem nas aterragens nem nas descolagens!