Eleições autárquicas: uma análise

As eleições autárquicas realizadas no passado domingo acabaram por se traduzir em algumas confirmações e outras tantas surpresas, sendo que, se existem vencidos claros, não há quem se possa sentir 100% vitorioso.

Na análise que vou fazer, utilizarei os resultados das eleições para os executivos municipais, apenas utilizando os das assembleias municipais (AM) e de freguesia (AF) para o BE, os novos partidos e pequenas formações partidárias, que não lograram eleger vereadores ou elegeram apenas num ou dois concelhos.

A pesquisa que efetuei mostra que, no que se refere aos maiores partidos, as tendências de voto para as AM e as AF seguem as das eleições para as CM, mesmo se o chamado “voto útil” tem menos peso nas primeiras e a proximidade e conhecimento pessoal dos candidatos tem maior importância nas segundas.

Bloco de Esquerda (BE): uma derrota clara

Começando pelo nosso partido, os resultados foram uma desilusão, tendo o BE registado uma descida na sua votação e no número de pessoas eleitas a todos os níveis. Assim, para além de ter obtido apenas 2,8% dos votos, a que se podem somar os 0,1% da coligação com o Livre (L) e o Volt Portugal (VP) em Oeiras, apenas conseguiu quatro lugares nas vereações, mais uma independente eleita por aquela aliança, quando, em 2017, chegara aos 3,3% e elegera 12 vereadores. Por seu turno, conseguiu apenas 94 mandatos nas AM e 162 nas AF (mais três e cinco da coligação oeirense, respetivamente), quando, há quatro anos, chegara aos 125 nas primeiras e aos 213 nas segundas

Concretamente, o BE perdeu quatro dos cinco vereadores que detinha no distrito de Santarém (em Torres Novas, Entroncamento, Abrantes e Salvaterra de Magos), apenas tendo conservado Luís Gomes neste último concelho; no de Lisboa, perdeu dois de três (em Vila Franca de Xira e na Amadora), restando a agora eleita Beatriz Gomes Dias, na capital; em Setúbal, o mesmo (perda dos vereadores no Seixal e na Moita), ficando apenas Joana Mortágua, reeleita em Almada “por uma unha negra”, e, por fim, no Algarve, perdeu-se o lugar em Portimão. No Funchal, a coligação liderada pelo PS, que o BE integrava, foi derrotada pela aliança da direita, enquanto que, em Coimbra, o movimento independente apoiado pelo BE recuou face aos números de 2017.

As únicas boas notícias foram a eleição de Sérgio Aires, no Porto, a primeira vez que o partido consegue um vereador na Invicta, e da independente Carla Castelo em Oeiras, na coligação já referida.

E, há que dizê-lo, não foi a falta de qualidade dos candidatos e candidatas que explica estes resultados, pois a maioria até a tinha e alguns que agora perderam o lugar na vereação fizeram um excelente trabalho autárquico, reconhecido pela maioria dos seus pares.

Na verdade, é a falta de implantação no terreno a nível local, um problema estrutural do BE, que, em 22 anos de vida, o partido não conseguiu resolver, a principal explicação para esta derrota eleitoral. Aliás, é por isso que as eleições autárquicas constituem sempre uma grande dificuldade para o Bloco e os fracos resultados nelas registados são recorrentes.

Para além de alguns contextos mais específicos, onde a bipolarização tende a potenciar o designado “voto útil” (tanto da esquerda, no PS, como, em municípios onde um autarca socialista é impopular, na direita), um importante fator da derrota neste ato eleitoral prende-se, igualmente, com o aparecimento de novas forças políticas (quer numa área próxima, como o PAN, quer à direita, seja a ultraliberal, com a IL, seja a extremista, com o Chega). O primeiro tende a desviar do BE parte do voto ecologista e animalista, o segundo o voto urbano mais jovem e irreverente, o terceiro o do protesto e da raiva. Não que todos eles viessem, antes, para o BE, mas alguns vinham, o que se reflete em alguma perda eleitoral do partido.

Há, ainda, que pensar se as prioridades dos nossos programas eleitorais autárquicos são as que mais preocupam as pessoas e, também, se a forma como comunicamos é a melhor para fazer passar a nossa mensagem.

Torna-se, assim, necessário fazer uma reflexão interna, tentando, desde logo e em conjunto, encontrar soluções para ultrapassar o problema estrutural mencionado. Sem resolver, de forma satisfatória, mesmo que gradual, essa questão, dificilmente teremos bons resultados nas autárquicas e estaremos sempre muito dependentes do carisma da liderança e do trabalho do grupo parlamentar.

O facto de esta derrota vir na sequência de outros desaires eleitorais (a pequena descida percentual nas legislativas e o fracasso nas presidenciais) deve preocupar-nos. Também por isso há que pensar bem a estratégia para os próximos tempos, num quadro político que tende a tornar-se cada vez mais complexo e mais desfavorável para a afirmação do Bloco.

Partido Socialista (PS): Um vencedor vencido

O PS foi, em termos numéricos, o claro vencedor deste ato eleitoral. Foi o mais votado, tendo as suas listas obtido 34,2% dos votos. Se somarmos as coligações por ele lideradas, que somam 3,3%, temos um resultado de 37,5%. Conseguiu a presidência de 149 municípios (um dos quais numa coligação com o Livre) e 916 lugares na vereação dos 308 concelhos do país.

É certo que registou uma descida face a 2017, quando logrou o melhor resultado eleitoral autárquico de sempre, com 39,1% dos sufrágios (37,8% em listas próprias e 1,3% em coligações), tendo conquistado 161 presidências de câmara (160 mais a referida coligação com o Livre) e 968 mandatos camarários. Porém, isso não seria suficiente para não reconhecer o seu triunfo.

Acontece, no entanto, que o PS perdeu a autarquia lisboeta, com Fernando Medina a ser derrotado, de forma inesperada, por Carlos Moedas, do PSD, apoiado numa coligação de direita, quando todas as sondagens indicavam o contrário. Se, em qualquer país, o município da capital tem sempre uma importância especial, num Estado tão centralizado como o nosso ainda mais.

Acresce, ainda, que os socialistas não conquistaram nenhuma capital regional ou de distrito à oposição, tendo somado as perdas do Funchal e de Coimbra à de Lisboa. Também o resultado no Porto foi pouco famoso, com perdas significativas face a 2017. Assim, passam a deter apenas cinco capitais de distrito (Viana do Castelo, Vila Real, Castelo Branco, Leiria e Beja).

Já no que se refere às áreas metropolitanas, mantem o domínio de ambas, controlando 11 dos 17 concelhos da do Porto (onde não perdeu nenhuma e conquistou Vila do Conde a um movimento de independentes e Espinho ao PSD) e 10 dos 18 da de Lisboa (onde perdeu a capital, mas arrebatou Loures e Moita à CDU).

No deve e haver com as restantes forças políticas, o PS perdeu 25 municípios para o PSD, entre os quais os de Góis, Cartaxo e Reguengos de Monsaraz, que sempre haviam sido socialistas, ou cidades como Barcelos, Lamego e a Horta. Em contrapartida, conquistou-lhes 12, com Penela e Ferreira do Zêzere, até aqui sempre “laranjas”, e Vila Real de Santo António a merecerem referência especial. Também o saldo com grupos independentes é negativo, com quatro conquistas, de que Vila do Conde foi a mais notória, e seis perdas, com destaque para a da Figueira da Foz, ganha pelo agora independente Santana Lopes, bem como a Marinha Grande e Elvas. Já em relação à CDU, o balanço é positivo, tendo ganho seis e perdido apenas duas, sendo que nas que conquistou vêm as duas grandes autarquias já referidas acima e algumas que haviam sido sempre comunistas, como Montemor-o-Novo e Mora, enquanto as que perdeu são de pequena dimensão.

Por tudo isto, e passe o oxímoro, podemos dizer que o PS foi um vencedor vencido, porque venceu em termos numéricos, mas perdeu em termos políticos.

A derrota em Lisboa, onde o voto tende a ser mais nacional que local, constitui um sério aviso ao governo, mostrando que este revela algum desgaste e que começa a haver algum descontentamento popular. A própria atuação de António Costa, mostrando uma enorme arrogância, em especial quando deu a entender que os dinheiros da chamada “bazuca” europeia seriam melhor geridos por autarcas socialistas, a par com um discurso triunfalista sobre os feitos do seu executivo, caiu mal em vários setores e terá tido, porventura, um efeito contrário ao pretendido.

Partido Social Democrata (PSD): um vencido vencedor

Com o PSD passou-se exatamente o contrário do PS. Ao nível dos resultados, obteve 13,2% em listas próprias, a que se somam 10,8% em coligações com o CDS, mais 7,6% em alianças diversas com os populares e outras forças de direita e 0,7% com estas e sem aqueles, num total de 32,3%. Ao nível das presidências de câmara, conseguiu 114, das quais 72 em listas próprias, 31 em coligações com o CDS, 10 com este e diversas formações de direita e uma em aliança com uma destas. Quanto aos mandatos nas vereações, as listas do PSD obtiveram 437, as conjuntas de PSD e CDS 240, destes dois com outros partidos 100 e do PSD com outras formações 14, somando 791.

Relativamente às últimas autárquicas, nas quais obteve o seu pior resultado de sempre, experimentou uma ligeira subida, já que, então, se ficara por 16,1% em listas apenas do PSD, 8,8% em coligações com o CDS, 4,2% com estes e outros parceiros de direita e 1,4% apenas coligado com estes últimos, o que perfaz 30,5%. Já quanto a presidências, ficou-se pelas 98, sendo 79 em listas suas, 16 em coligações com os populares e três com outros formações direitistas e sem aqueles. Em mandatos nas câmaras, tinha 493 em listas próprias, 171 nas coligações com o CDS, 49 com este e outras forças políticas e 15 só junto com estas, o que deu um total de 728.

Ou seja, mesmo melhorando, dificilmente se consideraria o PSD como o vencedor destas eleições, já que teve menos votos e obteve menos lugares que o PS.

Contudo, numas eleições onde as expectativas eram baixas, a vitória surpreendente de Moedas em Lisboa acabou por transformar uma derrota numérica numa vitória política, tornando o PSD num vencido vencedor destas autárquicas, ou seja, o oxímoro exatamente oposto do que se aplica aos socialistas.

Para além disso, os triunfos sobre o PS em Coimbra e no Funchal, a par com a reconquista de Portalegre a uma independente ex-militante do partido, acabou por tornar positiva uma noite que se previa poder ser bastante negativa e ditar, inclusivamente, a saída de Rui Rio. A perda da Guarda para uma lista de independentes acabados de sair das hostes “laranjas” foi apenas um pequeno revés, sem grande relevância. A partir de agora, o PSD detém a presidência de nove sedes de distrito (Braga, Bragança, Aveiro, Viseu, Coimbra, Santarém, Lisboa, Portalegre e Faro), para além das duas capitais regionais (Funchal e Ponta Delgada).

Nas áreas metropolitanas, o partido continua débil, mostrando grandes dificuldades em penetrar no eleitorado suburbano. Assim, apesar de terem ganho na capital, os “laranjas” apenas dispõem de mais duas presidências na de Lisboa (Cascais e Mafra). Por sua vez, na do Porto, após terem perdido Espinho para os socialistas, ficaram reduzidos a quatro autarquias municipais (Póvoa de Varzim, Maia, Trofa e Santa Maria da Feira). Na Invicta, apesar de ter voltado a ficar em terceiro lugar, o seu resultado foi um pouco melhor do que as sondagens vaticinavam.

Teve, no entanto, motivos para sorrir nas regiões autónomas. Assim, nos Açores, estas autárquicas confirmaram a viragem consumada nas últimas regionais, com o PSD a conquistar quatro autarquias aos PS (Praia da Vitória, na Terceira; Santa Cruz da Graciosa, S. Roque do Pico e Horta, no Faial), apenas tendo  perdido Vila do Porto (Santa Maria). Por seu turno, na Madeira, para além de arrebatar o Funchal à coligação de esquerda, recuperou S. Vicente a um grupo de independentes e não perdeu nenhuma das autarquias municipais que detinha.

Um aspeto que deu grande satisfação às hostes “laranjas” foi a conquista de cinco municípios no Alentejo (Alter do Chão, no distrito de Portalegre; Vila Viçosa, Redondo, Reguengos de Monsaraz e Mourão, do distrito de Évora), a par com a conservação dos que já estavam na sua posse.

Nas trocas com outras forças políticas, teve um claro saldo positivo com o PS, com 25 ganhas e 12 perdidas, como referimos acima. Face aos independentes, o saldo foi nulo, arrebatando quatro, com destaque para Portalegre, e outras tantas que lhe foram arrebatadas, mas perdeu autarquias mais urbanas, como Guarda, Caldas da Rainha e Ílhavo. Por seu turno, conquistou Vila Viçosa à CDU e Oliveira de Frades ao Nós, Cidadãos (NC).

Numas autárquicas que eram vistas como um teste difícil, em especial devido à emergência de novas forças da direita liberal (IL) e da extrema-direita (CH), o PSD acabou por se sair melhor do que se esperava, aproveitando também a implantação local do aparelho do partido.

Por outro lado, Rui Rio soube gerir as expectativas com inteligência, baixando-as bastante, e, com isso, transformou a derrota numérica em vitória política. Ganhou, assim, mais algum tempo e os putativos candidatos à liderança “laranja” terão, para já, de “enfiar as violas nos sacos”.

Coligação Democrática Unitária (CDU): a descida continua

A CDU, coligação liderada pelo PCP, sofreu mais uma derrota, algo que vem sendo recorrente desde as autárquicas de 2017. Assim, obteve 8,2% dos votos, 19 presidências de câmara e 148 mandatos municipais. Um recuo face aos resultados de há quatro anos, quando atingiu 9,5%, 24 municípios e 171 mandatos nas vereações.

É certo que, em Lisboa, João Ferreira conseguiu subir um pouco a sua votação (de 9,6% para 10,9%), tal como Ilda Figueiredo no Porto (de 5,9% para 7,5%), embora esta última tenha beneficiado do aumento da abstenção, mas esses resultados não salvam mais uma noite pouco simpática para os comunistas.

Assim, estes perderam sete municípios, tendo ganho apenas dois.

Nas capitais de distrito, manteve, a custo, as duas que já detinha, embora perdendo as maiorias absolutas: Setúbal e Évora (tendo segurado a cidade alentejana por apenas 273 votos).

Já na área metropolitana de Lisboa, perdeu, de forma algo inesperada, Loures e Moita, esta última desde sempre na posse do PCP, e falhou o “assalto” a Almada e ao Barreiro, mantendo apenas quatro municípios na sua posse (Seixal, Palmela, Sesimbra e Setúbal).

Por seu turno, viu fugir mais cinco presidências de câmara, quatro para o PS (Alpiarça, no distrito de Santarém; Mora e Montemor-o-Novo, até agora, sempre comunistas, no de Évora, e Alvito, no de Beja) e uma para uma coligação de direita liderada pelo PSD (Vila Viçosa, também no distrito eborense). Ao invés, apenas foi buscar aos socialistas duas pequenas autarquias alentejanas (Viana do Alentejo e Barrancos). Fora do Alentejo e da península de Setúbal, conserva apenas três presidências de câmara: Sobral de Monte Agraço (distrito de Lisboa), Benavente (Santarém) e Silves (Faro).

Com um eleitorado maioritariamente idoso, que a “lei da vida” vai estreitando, uma linguagem que pouco diz às novas gerações e o cansaço de algumas gestões autárquicas mais longas, os desaires vão-se sucedendo, o que poderá acelerar a mudança de líder.

O bom resultado de João Ferreira em Lisboa terá, porventura, convencido os mais renitentes e tudo indica que será o futuro secretário-geral do PCP. Resta saber quando!

Centro Democrático Social (CDS): conservou o pouco que tinha

Cada vez mais condenado à irrelevância, o CDS teve um papel secundário nestas autárquicas. As suas listas obtiveram apenas 1,5% dos votos, tendo mantido as seis presidências de câmara que já detinha e 30 mandatos nas vereações, a que se podem somar os 0,2% e um vereador das coligações com pequenos partidos de direita. No resto, concorreu coligado com o PSD ou com este e outras forças políticas. Relativamente às últimas autárquicas, houve uma quebra clara, pois as suas listas tinham conseguido 2,6%, os mesmos seis municípios e 41 mandatos camarários, a que se podiam somar 1,4% e oito vereadores de alianças com outras formações de direita, com destaque para a que Assunção Cristas liderou em Lisboa e que valeu 1,1% a nível nacional e quatro mandatos na CM.

O partido detém, assim, os municípios de Ponte de Lima (distrito de Viana do Castelo), Vale de Cambra, Albergaria-a-Velha e Oliveira do Bairro (Aveiro), Santana (Madeira) e Velas (S. Jorge, Açores), como era previsível. E, à exceção do Corvo, onde liderava uma coligação com o PSD, que não ganhou, não tinha expectativas de conquistar mais algumas. Mesmo no Porto, onde integrou o movimento de Rui Moreia, viu este perder a maioria absoluta.

Face a estes resultados, o líder, Francisco Rodrigues dos Santos, afirmou que estava satisfeito, acreditando que pode ganhar tempo e segurar a sua liderança. Mas a verdade é que os resultados conseguidos foram mais fruto do bom trabalho ou do carisma dos seus autarcas que da ação da direção nacional. Por isso, o mais provável é os seus adversários internos manterem a pressão sobre este.

Chega (CH): um poucochinho que é muito

O partido de André Ventura, da extrema-direita populista, que se estreou em eleições autárquicas, obteve 4,2% dos votos e elegeu 19 vereadores. Conseguiu, ainda, 173 mandatos em assembleias municipais e 205 nas de freguesia. Um resultado que pode ser visto como um “copo meio vazio” (ou seja, muitos esperavam que se aproximasse do resultado do seu líder nas presidenciais e até conquistasse dois ou três municípios) ou “meio cheio” (para uma formação com dois anos de vida, que vive do carisma do líder e tem pouca implantação no terreno acaba por ser um bom desempenho).

Infelizmente, considero esta última interpretação a mais correta. Desde logo, ter conseguido apresentar candidaturas em 218 dos 308 municípios, mesmo que vários candidatos se tivessem revelado totalmente impreparados, alguns dos quais verdadeiros “cromos”, já foi um êxito.

Por outro lado, ter ficado à frente do BE em grande parte dos municípios a que concorreu e da CDU em alguns, mostra um preocupante potencial de crescimento, a que todos temos de estar atentos.

Se, no início, Ventura tinha colocado a fasquia relativamente alta, rapidamente percebeu que ela não era realista e baixou as expectativas, tendo logo o cuidado de afirmar que a sua liderança não se jogava neste ato eleitoral. E, no final, lá declarou que “não foi uma vitória total”, mas se considerava satisfeito.

Para que conste, eis os concelhos onde o Chega elegeu vereadores: Vila Verde (distrito de Braga), Mangualde (Viseu), Entroncamento, Santarém, Salvaterra de Magos e Benavente (Santarém), Azambuja, Vila Franca de Xira, Loures, Odivelas, Sintra e Cascais (Lisboa), Seixal, Moita e Sesimbra (Setúbal), Moura e Serpa (Beja), Portimão e Loulé (Faro). Na capital, onde obteve 4,4% dos sufrágios, esteve perto de obter um mandato, ficando a 840 votos desse desiderato. Em Moura, a lista à assembleia municipal, encabeçada por Ventura, foi apenas terceira, atras de PS e CDU, mas obteve 25,3% dos sufrágios e seis dos 21 mandatos.

Como se pode verificar, ao contrário das presidenciais, onde o voto em Ventura teve maior expressão no interior do país, agora foi, em geral, nas áreas suburbanas que obteve os melhores resultados, com oito dos 19 eleitos a virem da área metropolitana de Lisboa.

Isto explica-se, por um lado, pelo facto de, nas regiões rurais, o peso dos autarcas incumbentes e respetivas clientelas ser maior, dificultando a ação de novas forças políticas e, por outro, porque é nos subúrbios que alguns temas lançados pela extrema-direita, como a imigração e a (in)segurança, têm maior acolhimento. Os restantes vieram do Ribatejo, região onde as novidades eleitorais tendem a “pegar” e o apoio às touradas terá tido influência nos bons resultados da extrema-direita, enquanto nos dois municípios alentejanos onde elegeu vereadores a ciganofobia estará na base dessa eleição.

Iniciativa Liberal (IL): vítima do “voto útil”

A IL não foi além de 1,3% dos votos a nível nacional, não tendo eleito nenhum vereador. Foi em Lisboa, onde obteve 4,2%, que esteve mais perto de o conseguir. No mais, conseguiu 26 mandatos nas assembleias municipais e 45 nas de freguesia. No Porto, apoiou o movimento de Rui Moreira e o seu ex-candidato presidencial, Tiago Mayan, foi facilmente eleito presidente da junta de freguesia de Nevogilde, Foz e Aldoar na lista daquele.

Tendo optado por ir sozinha na maioria dos municípios onde se apresentou, com vista à sua afirmação na cena política nacional, até tinha alguns bons candidatos e bons materiais de propaganda, com cartazes que se distinguem pela irreverência da mensagem.

Porém, o partido tem dois anos e é ainda, essencialmente, um fenómeno urbano, que vem ganhando apoio entre as camadas jovens mais abastadas e alguns empresários, e tem ainda muito pouca implantação no terreno, o que é sempre uma dificuldade nas eleições autárquicas, mais ainda numa estreia.

Para além disso, a IL acabou por ser vítima do “voto útil” no PSD ou nas coligações de direita por este liderado, o que não é surpresa, dado o caráter presidencialista das eleições dos executivos camarários, e falhou o seu objetivo, em especial em Lisboa.

Apesar de tudo, não parece que, para já, a liderança de Cotrim de Figueiredo esteja em risco.

Pessoas-Animais-Natureza (PAN): uma aposta falhada

O PAN foi um dos derrotados da noite eleitoral autárquica, não indo além de 1,1% dos votos, não tendo conseguido eleger nenhum vereador, nem estado perto de o conseguir. Mesmo nas assembleias municipais (onde obteve 23 mandatos) e de freguesia (16), os resultados foram, em muitos casos, mais pobres que em 2017.

Também os animalistas pretenderam apresentar-se, na maioria das autarquias, a solo, visando a sua afirmação na política nacional. Contudo, o partido tem fraca implantação no terreno e, por isso, as eleições autárquicas são sempre uma dificuldade para ele. Por isso, a sua aposta acabou por falhar. Assim, mesmo em Lisboa, a sua candidata nunca esteve perto de ser eleita, acabando por se ficar por uns modestos 2,7%, abaixo do resultado de há quatro anos (3,0%). No Porto, esteve um pouco melhor, tendo passado de 1,9% para 2,8%, mas muito longe de conseguir chegar à vereação.

Este foi o primeiro teste eleitoral da nova líder, Inês Sousa Real, eleita em junho passado, em substituição de André Silva. Apesar do mau resultado, não parece que a sua liderança venha a ser posta em causa a curto prazo, dada a especificidade destas eleições e o relativamente pouco tempo que teve para as preparar.

Mas é provável que, de futuro, o PAN repense a sua estratégia, apostando mais em coligações com outras forças políticas nas autárquicas.

Pequenos partidos: quase sem relevância

Das forças políticas de menor dimensão, o único que manteve a presidência da câmara que já detinha foi o Juntos Pelo Povo (JPP), que somou 0,3% a nível nacional e voltou a vencer no seu “feudo”: o concelho madeirense de Santa Cruz. Foi aí que elegeu 12 dos seus 13 mandatos nas assembleias municipais e 42 dos 43 de freguesia. Os restantes foram obtidos no vizinho município do Machico. Na verdade, é um partido local, quando muito regional e pouco mais.

Já o Nós, Cidadãos (NC), que serviu de “barriga de aluguer” a várias candidaturas independentes, quer isoladamente, quer em alguns que participaram em coligações de direita (como sucedeu em Coimbra), obteve 0,3% a nível nacional e cinco vereadores, os mesmos que em 2017, quando se ficara pelos 0,2%. Contudo, perdeu a câmara de Oliveira de Frades, que havia ganho há quatro anos. Há, ainda, a acrescentar 0,2% e um vereador conseguidos por coligações que o NC liderou.

As restantes forças políticas concorrentes não atingiram, sequer, 0,1%, embora algumas delas tenham integrado coligações com PS e/ou PSD.

Independentes: menos votos, mas mais mandatos

Os grupos de cidadãos independentes que se apresentam às autárquicas constituem uma massa heterogénea, cujos elementos têm apenas em comum a ausência de filiação partidária das respetivas listas, que não necessariamente dos seus membros.

Desde logo, do ponto de vista ideológico, alguns são de esquerda (como em Coimbra ou em Peniche) e outros de direita (como o de Rui Moreira, no Porto, ou o de Santana Lopes, na Figueira da Foz).

Por outro lado, alguns têm, no seu seio, elementos de alguns partidos que os apoiam (como sucede com o BE, nos Cidadãos por Coimbra, e o CDS e a IL no de Rui Moreira), outros são fruto de divergências partidárias em especial no PSD (caso da Guarda) ou no PS (Castelo Branco), outros albergam descontentes de outros partidos (como o de Santana Lopes), alguns são apenas veículos eleitorais, destinadas a sustentar candidaturas unipessoais (como os de Isaltino, em Oeiras, do ex-comunista Carlos Sousa, em Palmela, ou do ex-presidente da câmara de Leiria, eleito pelo PS, Raul Castro, na Batalha, e onde poderíamos incluir os de Santana e Rui Moreira). Na verdade, poucos são, verdadeiramente, independentes.

Daí que se torne difícil tirar grandes ilações da soma dos seus resultados a nível nacional, já que as motivações das respetivas candidaturas estão relacionadas, essencialmente, com fatores locais.

Em todo o caso, podemos ver que, nestas eleições, os diferentes movimentos independentes somaram 5,5%, tendo obtido 19 presidências de câmara e 134 lugares nos executivos camarários. Há quatro anos, obtiveram 6,8%, mas apenas venceram em 17 municípios, tendo conseguido, então, 130 lugares nas vereações.

Essa diferença pode dever-se ao facto de as alterações à lei eleitoral autárquica aprovadas no Parlamento dificultarem muito as candidaturas independentes, levando algumas destas a optar por “barrigas de aluguer”, função para a qual o NC foi a força política que mais se disponibilizou. O recuo posterior dos principais partidos parlamentares, que levantaram algumas restrições à apresentação de candidaturas não partidárias, travou um pouco esse fenómeno, mas várias destas acabaram por optar por aquela solução, até porque, em tempos de pandemia, não é fácil recolher proposituras.

No entanto, depois de um período de grande crescimento na votação destas candidaturas não partidárias, esta parece ter estagnado. Com efeito, se, no início, um certo populismo antipartidos, que considerava estes a semente de todos os males da nossa política, viu nos movimentos independentes, supostamente mais “limpos” e mais “fofinhos”, os regeneradores da nossa democracia, rapidamente se desenganou, após alguns casos de corrupção, compadrio, nepotismo, má gestão e autoritarismo de alguns dos seus eleitos, ou seja, os mesmos pecados de que acusam as candidaturas partidárias.

Brancos e nulos: fuga para a extrema-direita explica descida

Os votos brancos e nulos tiveram uma descida, somando 4,1% dos sufrágios, quando, em 2017, atingiram os 4,6%.

Muito provavelmente, o aparecimento do Chega levou alguns eleitores descontentes com a política e os políticos, que, habitualmente, anulavam o boletim, a votar na extrema-direita.

Abstenção: elevada, mas não subiu muito

Os valores da abstenção, habitualmente elevados nas autárquicas, cresceram, tendo atingido 46,3% dos inscritos, contra os 45,0% de há quatro anos. Apesar de tudo, uma subida não muito significativa.

A situação pandémica em que ainda vivemos poderá explicar esse ligeiro aumento do número de abstencionistas. Em todo o caso, a elevada percentagem dos que escolheram não comparecer nas urnas é um sinal muito preocupante do desencanto de muita gente com a política e os políticos, seja por razões mais ou menos válidas. Os casos de corrupção de que vamos tendem conhecimento, tanto a nível nacional como local, a falta de resposta da justiça face à criminalidade de colarinho branco, a ausência de melhorias nas condições de vida de muitos, fruto das reformas neoliberais regressivas, e a perceção de que as alternativas de governo nacional, regional ou local não passam de alternância de caras e cadeiras explica muito esse fenómeno.

Conclusão

Estas eleições autárquicas não tiveram, verdadeiramente, um vencedor a nível nacional, embora tenham tido vários perdedores.

Assim, BE, CDU, IL e PAN figuram entre os derrotados, os dois primeiros porque sofreram perdas significativas, os dois últimos porque não atingiram os objetivos pretendidos.

Por seu turno, PS, PSD, CH e CDS serão, por um lado, vencedores e, por outro, vencidos. Os populares conservaram as suas seis presidências, mas perderam votos e só a sua integração em muitas coligações de direita disfarçou a sua crescente irrelevância. A extrema-direita conseguiu um bom resultado para uma formação estreante, mas não conquistou nenhum município e Ventura esperava mais. Por fim, os dois maiores partidos: o PS venceu nos números totais, mas as derrotas em Lisboa (em especial), Coimbra e Funchal, sem nenhuma conquista de outras capitais de distrito, acaba por constituir um desaire ao nível político, não compensado pelas arrebatadas à CDU, enquanto que com o PSD sucedeu o contrário: perdeu no todo nacional, mas obteve triunfos significativos a nível local, ainda para mais quando as expectativas eram baixas.

Mesmo a nível das candidaturas independentes, as duas personalidades mais mediáticas (Rui Moreira e Santana Lopes) venceram, mas o primeiro perdeu a maioria absoluta e o segundo não a conseguiu alcançar, pelo que, sendo vencedores, não o são na totalidade

Veremos, agora, quais as consequências destas eleições para o futuro imediato, que podem ser ou não significativas.  Esperemos é que não sejam, rapidamente, “jogadas para debaixo do tapete” pelas diferentes forças políticas, agora que as negociações do Orçamento de Estado para o próximo ano entram na sua fase decisiva.

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