Eleição dos presidentes das CCDR decretada pelo Governo deve ser rejeitada em defesa da descentralização

O Governo aprovou um diploma que determina a eleição indireta dos presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), por um colégio eleitoral composto pelos presidentes e vereadores das câmaras municipais e pelos presidentes e membros das assembleias municipais (incluindo os presidentes de junta de freguesia) da respetiva área territorial (decreto-lei 27/2020).

Bloco, PCP e PSD já adiantaram que vão requerer a apreciação parlamentar desse decreto-lei, iniciativas que podem levar à alteração do texto ou mesmo à cessação de vigência do diploma.

Têm surgido três argumentos principais para que o decreto-lei seja sujeito ao escrutínio parlamentar: a) a eleição indireta dos presidentes das CCDR inscreve-se no acordo PS/PSD (2018) sobre descentralização que tem como objetivo obstaculizar a Regionalização prevista na Constituição; b) a eleição do presidente da CCDR por um colégio eleitoral, apresentada como medida de democratização da governação territorial, colide com a possibilidade de o Governo demitir o presidente eleito; c) eleição prevista para Setembro ser feita por autarcas em final de mandato em vez de ser realizada por autarcas em início de mandato (eleições autárquicas em Outubro de 2021).

As CCDR são órgãos desconcentrados do Estado.  A mera eleição dos seus presidentes não lhes confere outra qualidade que não a de serem serviços periféricos da administração direta do Estado. A orientação estratégica e os objetivos são definidos pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e das autarquias locais. A ministra Alexandra Leitão assegurou em entrevista recente que “não há nenhuma alteração de competências” no papel dos presidentes das CCDR.

De forma alguma as CCDR podem ser enquadradas num processo de descentralização, como pretende o acordo PS/PSD de transferência de competências para os municípios. Os cargos de presidente e vice-presidentes das CCDR são cargos dirigentes da Administração Pública que, enquanto existirem, devem ser indicados segundo os procedimentos concursais previstos. Caso contrário, esses cargos passam a ser ocupados por quadros da confiança do partido com a maioria das Câmaras na região, mas com o carimbo de uma eleição. Na realidade, não deixarão de obedecer ao Governo, que os pode demitir, como é próprio da essência das CCDR.

Transformar a eleição indireta dos presidentes das CCDR numa eleição direta e universal seria “pior a emenda que o soneto”.  De facto, a eleição direta para as CCDR não tem cobertura constitucional e muito menos se fosse para o presidente. No sistema eleitoral, com exceção do PR, o sufrágio direto e universal é sempre para a eleição de órgãos colegiais. De qualquer modo, as CCDR não são autarquias, como seriam as Regiões Administrativas, e está-lhes vedada a eleição direta.

Defender a eleição direta dos presidentes das CCDR, para além de ser uma aberração constitucional, legitimaria a política antirregionalização do PS e PSD e alimentaria politicamente o “presidencialismo” que tem vindo a ser considerado uma tendência antidemocrática nas autarquias e nas CIM.

Nalguns setores políticos, nomeadamente do Governo, tenta-se criar a ilusão de que a eleição dos presidentes das CCDR seria uma etapa na aproximação a um futuro processo de regionalização e de verdadeira descentralização. Nada mais falso. O acordo entre PS e PSD para a chamada descentralização, “atirou às urtigas” a “geringonça” de então e definiu uma estratégia bem evidente de obstaculizar a regionalização e reforçar os poderes dos presidentes das Câmaras, em áreas essenciais como a educação e a saúde, mas também na distribuição de fundos comunitários através das CIM.

À esquerda, a defesa de um processo de descentralização democrática e a concretização do comando constitucional da criação de regiões administrativas, levará certamente a um voto pela cessação de vigência do decreto-lei que altera a orgânica das CCDR.

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