Educação — a origem do trumpismo

Num texto publicado no FB, o antigo jornalista Márcio Candoso escreve, a propósito do trumpismo: “Por razões que deixo a outros estudarem, os EUA perderam a batalha da educação. E é aí que está o problema — a criação de uma sociedade em que a maioria não se importa de ser tido por imbecil, e que criou uma cultura na qual a vulgaridade define uma prática genérica seguida por muitos. Uma sociedade de ‘refugiados’, fechados nas bibliotecas e nas universidades, que não quiseram ou não tiveram o poder para divulgar o que sabem, e conseguir a adesão da maioria aos cânones básicos desse saber. Um alerta para a Europa do facilitismo e do relativismo.”

Não posso estar mais de acordo. A educação é, antes de tudo o mais, a ferramenta que permite aos homens entender o mundo que os rodeia. E entender o mundo que nos rodeia é conhecer a história da humanidade, conhecer os princípios filosóficos que estão na base das leis que regem as sociedades humanas, é saber que fazemos, enquanto espécie, parte da natureza, que estamos sujeitos às suas regras e não às regras que inventamos. A educação é a base do respeito que permite a sobrevivência da espécie e a vida em sociedade. A educação é percebermos os outros e conhecermo-nos a nós mesmos.

Os Estados Unidos aprofundaram o conceito de educação para a função, que herdaram dos ingleses. A Inglaterra, uma sociedade estratificada, tão estratificada como a sociedade de castas na Índia, ou da monarquia dos imperadores deificados da China e do Japão, desenvolveu o seu sistema de educação separando a educação das classes superiores, as upperclass, das classes inferiores. Os primeiros, que constituíam a elite, eram “educados” (é curioso que o termo que em inglês designa elevados graus académicos seja educated) e os segundos eram “ensinados”.

Esta doutrina fez o seu caminho, mais cedo nos Estados Unidos do que na Europa, mas está cá. O utilitarismo dominante na sociedade, e refletido no sistema educativo, formou artífices, engenheiros, contabilistas, juristas, maquinistas, gestores, vendedores, operadores de sistemas, sejam estes um avião ou uma caixa de supermercado. O saber fazer esmagou e matou o saber pensar. E o discurso, sempre atrasado, que ouvimos aqui em Portugal, a pessoas que pensam como os americanos, é o da ligação da escola ao mundo do trabalho. De uma escola, mesmo das universidades, como campo de treino para o “local de trabalho”. Do ódio ao “intelectual”, considerando quem pensa e usa o intelecto um social-dependente que vive à conta dos «honrados trabalhadores»!

A discussão que recentemente ocorreu a propósito das aulas de educação para cidadania foi reveladora do perigoso caminho que leva à boçalidade refletida no trumpismo. Que conceitos de democracia são transmitidos aos cidadãos. O que é “democracia”? De onde veio? Que caminhos percorreu, que variantes tem? E liberdade? E sociedade? E que conceito sobre política? E quem foram os primeiros autores que abordaram estes temas? E que correntes de pensamento existem sobre conceitos fundamentais? Ou existe, como parece querer fazer-se crer ao eliminar a educação do ensino, um pensamento único? O trumpismo (e as réplicas) é fruto da falta de educação para a diferença. É o bico de um funil!

A aberração de Trump e dos trumpistas é fruto da ausência de educação. Da regressão ao paradigma social retratado por Charlie Chaplin no filme Tempos Modernos, dos homens-máquina, impedidos, por falta de educação, de resistir à exploração, de procurar através da educação novas soluções.

É esta sociedade desumanizada que resulta da falta de educação, ou da substituição da educação pelo ensino, ou pela domesticação. Uma sociedade bestializada, como a de Trump.

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