1 – Ecossocialismo e planeamento democrático[1] – por Michael Löwy

Se for impossível aplicar reformas no capitalismo a fim de colocar os benefícios ao serviço da sobrevivência humana, que outra alternativa existe senão optar por um género de economia planificada ao nível nacional e internacional? Problemas como a mudança climática necessitam da “mão visível” do planeamento direto. No seio do capitalismo os nossos dirigentes corporativistas não podem de maneira alguma evitar, sistematicamente, tomadas de decisão sobre o meio ambiente e a economia que são erróneas, irracionais e, finalmente, suicidas a nível mundial dada a tecnologia que eles têm à sua disposição. Então, que outra escolha nós temos senão vislumbrar uma verdadeira alternativa ecossocialista?

Richard Smith[2]

O ecossocialismo tem como objetivo fornecer uma alternativa de civilização radical àquilo que Marx chamava de “o progresso destrutivo” do capitalismo.[3] É uma escolha que propõe uma política económica visando as necessidades sociais e o equilíbrio ecológico e, portanto, fundada em critérios não-monetários e extra-económicos.

Os argumentos essenciais que o sustentam têm as suas origens no movimento ecológico, assim como na crítica marxista à economia política. Essa síntese dialética – vislumbrada por um grande espectro de autores, de André Gorz a Elmar Altvater, James O’Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster – é ao mesmo tempo uma crítica à “ecologia de mercado” que se adapta ao sistema capitalista e ao “socialismo produtivista” que fica indiferente à questão dos limites da natureza. Segundo O’Connor, a meta do socialismo ecológico é uma nova sociedade fundada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e na supremacia do valor de uso sobre o valor de troca.[4] Eu adicionaria as condições seguintes a fim de alcançar esses objetivos: a) a propriedade coletiva dos meios de produção (o termo “coletivo” aqui significa propriedade pública, comunitária ou cooperativa), b) um planeamento democrático que possa permitir à sociedade a possibilidade de definir os seus objetivos no que concerne ao investimento e à produção e c) uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Colocando de outra forma, uma transformação revolucionária de nível social e económico.[5]

Segundo os ecossocialistas, o problema das principais correntes da ecologia política, cujos representantes são os partidos verdes, é que estas não parecem levar em consideração a contradição intrínseca que existe entre a dinâmica capitalista – fundada sobre a expansão ilimitada do capital e a acumulação dos lucros – e a preservação do meio ambiente. O resultado disso é uma crítica ao produtivismo, muitas vezes pertinente, mas que não vai muito além das reformas ecológicas derivadas da “economia de mercado”. Consequentemente, os governos de centro-esquerda privilegiam as políticas socioliberais e justificam-se, em matéria de ecologia, graças aos partidos verdes.[6] Por outro lado, o problema das tendências dominantes da esquerda durante o século XX – a social-democracia e o movimento comunista de inspiração soviética – é que estas aceitavam o modelo de produção existente. Enquanto a primeira se limitava a uma versão reformada – no melhor dos casos keynesiana – do sistema capitalista, o segundo desenvolvia uma forma de produtivismo autoritária e coletivista – ou capitalismo de Estado. Nos dois casos os investimentos ambientais eram negligenciados ou, no mínimo, marginalizados.

Marx e Engels, eles próprios, tinham consciência das consequências destrutivas do modo de produção capitalista sobre o meio ambiente, como indicam diversos trechos de O Capital.[7] E ainda estimavam que o objetivo do socialismo não era produzir cada vez mais bens, mas sim dar aos seres humanos o tempo livre para que pudessem desenvolver plenamente o seu potencial. Nesse sentido, pouco compartilham da ideia de “produtivismo”, isto é, da ideia de que a expansão ilimitada da produção é um fim em si mesmo. No entanto, alguns dos seus escritos, nos quais a questão consiste na capacidade de o socialismo permitir o desenvolvimento das forças produtivas para além dos limites impostos pelo sistema capitalista, sugerem que a transformação socialista não concerne apenas às relações capitalistas de produção, as quais se teriam tornado um obstáculo (o termo empregado mais frequentemente é “amarras”) ao livre desenvolvimento das forças produtivas. “Socialismo” queria dizer, sobretudo, apropriação social dessas capacidades produtivas, colocando-as ao serviço dos trabalhadores. Eis aqui, por exemplo, uma passagem do Anti-Dühring de Friedrich Engels, um texto “canónico” para um grande número de gerações marxistas: sob o regime socialista “a sociedade toma posse abertamente e sem rodeios das forças produtivas que se tornaram grandes demais” no sistema existente.[8]

A ideologia do progresso

O caso da União Soviética ilustra os problemas que decorrem de uma apropriação coletivista do aparelho produtivo capitalista. A tese da socialização das forças produtivas existentes predominou desde o começo. Certamente, o movimento ecológico pode-se desenvolver durante os primeiros anos que se sucederam à Revolução Socialista de Outubro e o governo soviético adotou algumas medidas limitadas de proteção ambiental, mas com o processo de burocratização stalinista, a aplicação dos métodos produtivistas, tanto na agricultura como na indústria, foi imposta por meios totalitários, enquanto os ecologistas eram marginalizados ou eliminados.

A catástrofe de Chernobyl é o exemplo final das consequências desastrosas da imitação das tecnologias ocidentais de produção. Se a mudança das formas de propriedade não for seguida por uma gestão democrática e uma reorganização ecológica do sistema de produção, tudo isso levará a um impasse. Nos escritos de alguns dissidentes marxistas da década de 1930, como Walter Benjamin, já aparecia uma crítica à ideologia produtivista do “progresso” assim como à ideia de uma exploração “socialista” da natureza. Todavia, é sobretudo ao longo dos últimos decénios que o ecossocialismo propriamente dito se desenvolveu como desafio à tese da neutralidade das forças produtivas que tinha predominado no seio das principais tendências da esquerda durante o século XX.

Os ecossocialistas deviam-se inspirar nas observações feitas por Marx a respeito da Comuna de Paris: os trabalhadores não podem tomar posse do aparelho capitalista de Estado e colocá-lo ao seu serviço. Eles devem demoli-lo e substituí-lo por uma forma de poder político radicalmente diferente, democrático e não estático. A mesma ideia aplica-se, mutatis mutandis, ao aparelho produtivo que, longe de ser “neutro”, traz na sua estrutura a marca de um desenvolvimento que favorece a acumulação do capital e a expansão ilimitada do mercado, o que o coloca em contradição com a necessidade de proteger o meio ambiente e a saúde da população. É por isso que devemos levar a cabo uma “revolução” do aparelho produtivo no panorama de um processo de transformação radical.

O grande valor dos avanços científicos e tecnológicos da era moderna é incontestável, mas o sistema produtivo deve ser transformado no seu conjunto e isso só é possível graças a procedimentos ecossocialistas, isto é, graças à criação de um planeamento democrático da economia que leve em conta a preservação dos equilíbrios ecológicos. O que pode desencadear a supressão de alguns ramos de produção como as centrais nucleares, algumas técnicas de pesca intensiva e industrial (responsáveis pela quase extinção de numerosas espécies marinhas), o desmatamento das áreas de floresta tropical etc. A lista é muito longa. Entretanto, a prioridade continua a ser a revolução do sistema energético que devia conduzir à substituição das fontes atuais (sobretudo a energia fóssil), responsáveis pela mudança climática e pelo envenenamento do meio ambiente, por fontes energéticas renováveis: a água, o vento, o sol.

A questão da energia é capital já que a energia fóssil é responsável pela maior parte da poluição do planeta e pelo desastre que representa o aquecimento global. A energia nuclear é uma falsa alternativa, não só em razão do risco de novos Chernobyl, mas também porque ninguém sabe o que fazer com os milhares de toneladas de resíduos radioativos – e com grande quantidade de centrais poluídas que se tornaram inúteis. Negligenciada desde sempre pelas sociedades capitalistas (pela sua falta de “rentabilidade” ou de “competitividade”), a energia solar deve-se tornar objeto de pesquisas e de desenvolvimento de ponta. Deve ter um papel central na construção de um sistema energético alternativo.

(continua)

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[1] Artigo publicado em Socialist Register, 2007. Tradução de Sofia Boito. Revisão de Isabel Loureiro. Adaptação e destaques de “Via Esquerda”.

[2]R. Smith. “The engine of ecocollapse”. Capitalism, Nature and Socialism, v.16, n.4, 2005, p.35.

[3] Ibidem.

[4] J. O’Connor. Natural Causes. Essays in ecological marxism. New York: The Guilford Press, 1998, p.278, 331.

[5] John Bellamy Foster emprega o conceito de “revolução ecológica”, mas explica: “Uma revolução ecológica em escala planetária, digna desse nome, só pode ter lugar no quadro de uma revolução social – e eu reitero, socialista – mais ampla. Uma tal revolução necessitaria, como Marx sublinhava, que a associação dos produtores pudesse regular racionalmente a relação metabólica entre o homem e a natureza. Ela deve-se ter inspirado nas ideias de William Morris, um dos mais originais ecologistas dos herdeiros de Karl Marx, nas de Gandhi e de outras figuras radicais, revolucionárias e materialistas, entre os quais o próprio Marx, chegando até Epicuro.” (J. B. Foster. Organizing ecological revolution, Monthly Review, v.57, n.5, 2005, p.9-10).

[6] Ver o cap. VII de The enemy of nature, de Joel Kovel, para uma crítica ecossocialista da “ecopolítica realmente existente” – a economia verde, a ecologia radical, o biorregionalismo etc.

[7] Ver J. B. Foster. Marx’s ecology. Materialism and nature, Monthly Review Press, New York, 2000.

[8] F. Engels. Anti-Dühring. Paris: Éditions Sociales, 1950, p.318.

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