Um estudo denominado Referencial Estratégico para o Desenvolvimento Social do Alentejo Central considera que a elaboração do referido Referencial pode ser um “contributo importante” para cada um dos municípios do Alentejo Central “compreender como se pode solucionar a problemática da excessiva população de etnia cigana e minorias étnicas” na região.
O estudo, contratado por cerca de 50 mil euros à MONTE-ACE pela Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC), constitui parte integrante da Elaboração de um Referencial Estratégico para o Desenvolvimento Social do Alentejo Central.
Na página 37 do estudo é mencionado que um dos aspetos referidos pelos atores presentes nas sessões de trabalho é a “excessiva população de etnia cigana e minorias étnicas”. Segundo os autores, sendo necessário “solucionar esta problemática”, o Referencial Estratégico poderá ser um contributo importante para esse efeito.
Tendo tido conhecimento deste documento público da responsabilidade da CIMAC, Fernando Moital, professor, fotógrafo e ativista defensor dos direitos ciganos, enviou em Janeiro de 2019 uma queixa à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) que acusou a receção do e-mail, mas, passado quase um ano, nada respondeu em concreto.
Acusar uma etnia de ter uma “população excessiva” numa determinada região é um ato que assume contornos de racismo institucional grave, que se reveste de particular importância tratando-se de um documento elaborado sob responsabilidade de uma entidade pública e com referências diretas a autarcas presentes nas “sessões de trabalho” que lhe terão estado na origem.
Este racismo institucional, frequentemente escamoteado, mas bem presente nos éditos que obrigaram as famílias ciganas ao nomadismo ao longo de gerações e que determinou segregação social e atraso educacional, tem neste estudo elaborado sob responsabilidade da CIMAC mais um caso, desta vez explícito, de racismo institucional, absolutamente inaceitável.
O que leva a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial a não intervir e a não ter uma resposta a dar ao fim de um ano de ter tido conhecimento da situação, nem sequer ter no seu site qualquer informação sobre a abertura de um processo de contraordenação, revela como os ciganos são, a muito grande distância, “a mais grave e escandalosa de todas as situações de racismo e xenofobia registadas em Portugal”, conforme refere o antropólogo José Gabriel Pereira Bastos.
O Governo deve ser questionado e os autarcas dos municípios da CIMAC que não se compadecem com o racismo não podem deixar de exigir uma urgente responsabilização e correção do documento. Não é admissível que a definição de uma estratégia social para o Alentejo Central contenha tamanha barbaridade racista e xenófoba ao considerar que a população de uma qualquer etnia é “excessiva”.