Desbloquear a Contratação Colectiva – Pelo início do fim da Caducidade

A Constituição da República Portuguesa (CRP), no n.º3 do artigo 56.º, estipula que “compete às associações sindicais exercer o direito à contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei” e determina, no n.º 4 do mesmo artigo, que  “A Lei estabelece as regras para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como a eficácia das respectivas normas”.

Estas normas revestem-se de capital importância na medida em que atribuem à lei, e não à vontade das partes, a determinação da legitimidade das partes e da eficácia pessoal das convenções colectivas.

A Lei regulamenta a eficácia específica das convenções colectivas impondo a sua obrigatoriedade unicamente quanto aqueles que devem considerar-se representados pelas entidades com direito à contratação colectiva (associações patronais e associações sindicais) e que as subscrevem à luz do Direito do Trabalho.

A CRP indica expressamente os sindicatos como entidades com competência para exercer o direito à contratação colectiva e não o faz quanto às associações patronais o que determina que é estas entidades que cabe o impulso no processo negocial.

A direita e outros sectores neoliberais olharam sempre para a referida norma com desconfiança e até sentido pejorativo e procuraram mesmo, de uma forma mais ou menos encapotada, atribuir também essa competência em pé de igualdade às associações patronais.

A concertação social embora com aparente boas intenções procura chamar para esse espaço, dito de igualdade, mas cuja a correlação de forças pende claramente para o patronato competências que são dos sindicatos e aspectos negociais que são do foro dos sectores e dos locais de trabalho (trabalhadores/sindicatos/associações patronais/empresas).

A introdução no Código do Trabalho de Bagão Félix de 2003 da caducidade da contratação colectiva com o argumento de modernizar e tornar mais dinâmica a negociação colectiva veio a ser desmentido não só pelo sentido ideológico das normas, como pelo número de convenções colectivas, posteriormente, negociadas e publicadas e trabalhadores abrangidos. A caducidade da contratação colectiva foi um artifício normativo para bloquear a negociação colectiva e permitiu a chantagem do patronato que procurou incluir normas inferiores às que a lei estabelece, atacar os direitos colectivos e congelar os salários

A contratação colectiva deixou de ser valorizada como instrumento de consagração de direitos individuais e colectivos, de harmonização social nas empresas através do combate às desigualdades, de regulação da organização e gestão dos tempos de trabalho e a sua articulação com a vida pessoal e familiar e de actualizações salariais de acordo com a realidade de cada sector económico e empresarial para se transformar num parente pobre das relações laborais, ou, em alguns casos, de subordinação aos interesses económicos das empresas e dos, por vezes, contando com ajuda displicente e intencional de sindicatos da UGT.

A contratação colectiva é um dos principais instrumentos dos trabalhadores na defesa dos seus direitos, interesses e na conquista de novas regalias e aumento dos salários.

Não é aceitável que a contratação colectiva seja desvalorizada e para a desbloquear e dinamizar não se pode desistir de eliminar as normas da caducidade e do tratamento favorável. Não há outro caminho que não seja o de repristinar estas normas. E o PS tem de se definir de que lado está:  – se do lado do patronato conservador e bloqueador – ou dos trabalhadores.

Todos reconhecemos que a contratação colectiva tem de ser encarada numa perspectiva diferente e dirigida para a luta e pela adaptação das convenções colectivas de trabalho às novas dinâmicas e realidades. É necessária a valorização e dignificação dos novos saberes e conhecimentos técnico – profissionais dos trabalhadores através da regulação de carreiras, de categorias profissionais, horários de trabalho e aumentos salariais. Tal só será possível com o fim da caducidade da contratação colectiva.

A contratação colectiva não pode ser encarada como um acto administrativo, promovido por portarias de extensão, mas como imperativo dos trabalhadores no sentido de conquistarem e regularem direitos que os protejam e os valorizem e dignifiquem profissionalmente.

O exórdio da contratação colectiva e da sua dinamização está, repito, na necessidade de luta forte contra as causas que a bloqueiam e que estão estipuladas no nosso Código de Trabalho (indispensável alterar os artigos 486.º, 493.º, 498.º, 499.º, 500.º e 505º e revogar as normas dos artigos 501.º e 502.º que se reportam à caducidade das convenções colectivas, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).

Há que motivar, mobilizar e criar todas as condições de participação dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho em todas as fases da negociação colectiva de trabalho.

A intervenção nos locais de trabalho não pode nem deve ser descurada e tem de ser encarada em cada fase do processo negocial numa perspectiva sindical que vise unir os trabalhadores e os mobilize a partir do local de trabalho em torno das suas reivindicações.

Há que valorizar todas as formas de intervenção dos trabalhadores desde que sirvam a prossecução dos seus objectivos.

O conceito de negociação colectiva é mais amplo do que o de contratação colectiva. A negociação colectiva abrange processos como a apresentação e negociação de cadernos reivindicativos, acordos de reestruturação de empresa e sectorial.

No quadro de alteração da correlação de forças decorrente das eleições de 04 de Outubro de 2015 que impôs uma derrota à direita da Troika é imperioso que o direito à contratação colectiva e o fim da caducidade das convenções colectivas seja uma peça fundamental na luta política e sindical. Os trabalhadores só podem aspirar a melhores direitos laborais, a uma regulação normativa que concilie a vida profissional com a vida pessoal e familiar, à protecção contra os arbítrios patronais, a carreiras e salários dignos que assegurem a uma justa qualidade de vida se a houver uma aposta clara na contratação colectiva revertendo o regime de caducidade e da fragilização do tratamento mais favorável ao trabalhador.

O BE esteve e está nesta luta porque é preciso mudar a correlação de forças favorável ao patronato que tudo faz no actual quadro legal para que caduquem as convenções colectivas e que os direitos colectivos e individuais nelas consagrados caiam desprotegendo os trabalhadores e dificultando e fragilizando o papel dos Sindicatos.

Não basta ao Vieira da Silva/PS afirmar que houve, no actual quadro político, um aumento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho publicados, um maior número de trabalhadores abrangidos e que não será accionado o mecanismo da caducidade. Em nome da efectiva defesa dos direitos de quem trabalha, é preciso ir mais longe revogando as normas negativas do Código do Trabalho no que respeita à contratação colectiva e ao tratamento mais favorável.

Deixe um comentário