O jornal Expresso on line revelou que o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU confrontou o Estado português com a necessidade de garantir o direito à habitação no caso de uma família de Queluz que está na iminência de ser despejada.
Segundo o Expresso, o Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas analisou o caso e concluiu haver fundamento suficiente para solicitar a intervenção do Estado. “É um enorme progresso no direito à habitação e pode ser um fator de jurisprudência interessante”, defende especialista ouvido pelo Expresso.
Numa “decisão inédita”, o Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas (ACDH) decidiu em seu favor e pediu ao Estado português que adote medidas cautelares enquanto o processo está a ser analisado.
Em causa está o caso de uma mulher de 78 anos e do filho de 44 anos, de quem é cuidadora. Ambos pensionistas, estão em risco de ficar sem casa depois de o senhorio ter recusado renovar a renda da habitação onde vivem há mais de quatro décadas. A situação arrasta-se desde 2019, estando o despejo atualmente suspenso ao abrigo do “regime processual excecional e transitório” aprovado em 2020 para fazer frente à pandemia.
Antes de ser conhecida a decisão da ACDH, o filho mais velho falou com o Expresso sobre a situação da família. “Recorri a tudo e mais alguma coisa. [Todos] dizem que realmente ela [mãe] está em condições de usufruir das casas de renda social, mas não dão resposta”, afirmou.
A família espera desde 2015 por um alojamento concedido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). A Câmara de Sintra reconheceu, igualmente, que estão reunidas as condições para o acesso ao arrendamento social, mas justifica o atraso com a falta de casas.
“É UMA LUFADA DE AR FRESCO. É O RESPIRAR”
No passado dia 25, a família avançou com uma comunicação contra o Estado português junto do Comité dos Direitos Económicos Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas.
No dia 28, o ACDH considerou haver fundamento suficiente no processo enviado para solicitar ao Estado português que “tome medidas para evitar possíveis danos irreparáveis enquanto o caso estiver a ser examinado pelo Comité”, informa a associação Habita, que tem estado a acompanhar o caso, numa nota enviada ao Expresso. Estas medidas cautelares “consistem na suspensão do despejo da casa em que os autores se encontram atualmente, ou alternativamente, para fornecer-lhes um alojamento alternativo apropriado às suas necessidades”.
“É uma lufada de ar fresco. É o respirar”, reagiu o filho mais velho. “Isto é um stress e uma injustiça tão grande. A qualquer momento esperamos que alguém bata à porta e que aconteça alguma coisa. Não há espaço para compreender este tipo de acontecimentos no nosso país. Temos tantos deveres e temos de cumpri-los, porque é que temos de lutar tanto pelos nossos direitos? Temos de apresentar provas e mais provas. As pessoas acabam por não conseguir esta luta e desistir.”
Já Rita Silva, da Habita, destaca a rapidez da “decisão inédita”, mas sublinha que situações como a desta família são “bastante comuns”. “É a primeira vez que a sociedade civil apela a esta entidade e que tivemos sucesso com um caso de despejo”, afirma a ativista.
Para a Habita, a decisão reforça, assim, “que não pode haver despejos se não há alternativa de habitação adequada, uma vez que isso tem graves implicações que lesam direitos humanos fundamentais e a integridade física e mental das vítimas da crise de habitação.”
“NÃO DIRIA QUE É UMA MUDANÇA DE PARADIGMA, MAS SIM UMA TOMADA DE DECISÃO POUCO COMUM”
Na comunicação entregue ao Comité dos Direitos Económicos Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, os queixosos argumentam estar perante uma violação do Artigo 11º do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – um tratado multilateral do qual Portugal é subscritor e no qual se compromete a defender, entre outros, o direito à habitação.