Das palavras à realidade de quem vive no interior

Em nome das populações das regiões do Interior que sofrem caladas, enganadas e ignoradas; do povo que se tornou pasto da escravatura da mentira após mais de quarenta anos de esperança; dos jovens que esmolam emprego e trabalho digno; dos comerciantes dos centros urbanos em lenta e irreversível caquexia; dos agricultores e dos criadores que vendem explorações aos espanhóis porque não têm crédito.

Em nome do agricultor familiar que se depara com impostos e normas sanitárias que não são aplicadas às culturas intensivas; dos homens e das mulheres que não conseguem perceber porque se podem canalizar milhares para colmatar os excessos dos ricos impunes e não o podem fazer para ajudar no transporte de quem vai doente, ou no aquecimento e na alimentação da escola do filho, ou em melhores condições para quem está num lar à espera da morte que virá sempre mais depressa porque não têm alimentação adequada, nem assistência médica capaz, nem dinheiro para contratar enfermeiros que saibam lidar com Parkinson, Alzheimer e Diabetes.

Em nome dos nossos que citei e de muitos mais que não deixam de ser torturados e alienados pela mensagem capitalista, que não deixam de ser vítimas da aculturação veiculada pela televisão e outros meios de comunicação, que não conseguem evitar a própria depressão perante a ausência de caminhos para si e para os filhos, que não sabem o dia em que vão ser despejados, ou penhorados, ou presos porque roubaram uma caixinha de bombons para dar à neta no dia do aniversário;

Em nome de todos eles, apelo para que não nos deixem ficar sozinhos.

Não nos deixem sozinhos com a dor de todos os pais cujos filhos emigraram depois de se esmifrarem para pagar as propinas e os quartos nos grandes centros; com a solidão de todos os filhos cujos pais saíram do País ou procuraram refúgio na indigência e na frustrante desagregação familiar.

Não nos deixem ficar sozinhos com hospitais e centros de saúde saturados por anos e anos de guerras políticas, recursos escassos e profissionais desmotivados; com a dor daqueles que ocultam a dor e as ideias, com medo do desemprego, da humilhação, do segregacionismo e do revanchismo político.

Não nos deixem morrer com a triste noção de injustiça que os tribunais perpetram, afastando-se das pessoas, não nos dando respaldo aos abusos do Estado, nem aos leoninos ditames contratuais, nem aos abusos dos oportunistas institucionalizados: bancos, empresas de telecomunicações e de energia, financeiras e especuladores de todo o tipo que nos batem à porta e nos abordam pelo telefone.

Não nos deixem ficar sozinhos com dois deputados apenas que não representam a pluralidade e distorcem a proporcionalidade, ainda assim assoberbados pela canseira da não exclusividade e pela agonia castradora da voz do dono; com os socialistas apenas de nome que enrodilham as nossas autarquias e as suas gentes num mapeado de interesses promíscuos e obscuros sem o necessário controle democrático que uma nova lei das Autarquias deverá exigir; com instituições que influenciam o nosso futuro sem que a sua ação possa ser plebiscitada; com o amiguismo, o nepotismo, o patrocinato, o caciquismo, o compadrio, os empregos criados à medida, as PPP (s) ressuscitadas, as scuts, as privatizações da água e do ar, do subsolo e do espaço aéreo, das espécies autóctones e das outras, das estradas e dos caminhos vicinais, da caça, da pesca, do turismo e da saúde.

Não nos deixem ficar sozinhos com a deriva marialva, que é tudo menos apolítica, e que teima em dar à juventude desprevenida que mais tarde ou mais cedo se tornará vítima desse caminho inconsequente uma perspetiva de vida arreigada nos valores opostos ao avanço civilizacional, revendo todos os mecanismos legais que vão sendo usados pelas Autarquias e pelo Estado usando dinheiros públicos para subsidiá-la e incentivá-la à socapa.

Este abandono que, desde 1951, mutila de desertificação os nossos campos, aldeias, vilas e cidades tem de ser enfrentado e com urgência.

Acudam-nos e não deixem que brinquem com o nosso voto, o nosso trabalho e os nossos impostos, que distorçam a nossa democracia, que alienem a nossa liberdade, que se empanturrem à nossa conta, que nos segreguem, nos dividam e cataloguem e nos impeçam de escrever uma carta a quem amamos, ter uma conta bancária sem despesas, e pagar uma fatura da água, do lixo ou da luz sem recorrer a um empréstimo à pensão, ao subsídio ou ao salário do mês seguinte.

Enfrentar o abandono é termos capacidade de decisão sobre as nossas vidas e as nossas terras. Descentralizar não é concentrar mais poder em que já o tem, é dar mais poder de decisão democrática às populações que cá vivem.

1 comentário em “Das palavras à realidade de quem vive no interior”

  1. Estou inteiramente de acordo, já deveria ter sido feito algo pela Democracia e pelo Povo.
    O Partido Socialista já esteve no governo com maioria e nada fez pelos desfavorecidos e pela Democracia. Agora porque precisa da Esquerda para governar o discurso fez uma viragem, mas precisamos de atitudes urgentemente, basta de promessas.

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