Convergência: “Depois do vírus, a fome”

Por um novo caminho no interesse dos/das trabalhadores/as e do povo

  • Comunicado da plataforma Convergência, do Bloco de Esquerda

1. Aumenta a fome no nosso país. Parte significativa dos trabalhadores com menores rendimentos perdeu tudo ou foi profundamente afetada. Este é o efeito do aumento galopante do desemprego, dos despedimentos, do lay off que abrange mais de 1 milhão e 250 mil trabalhadores, do encerramento e falência de muitas micro e pequenas empresas, da necessidade de assistência à família, da paralisação da actividade de trabalhadores/as autónomos/as ou a recibo verde. Dezenas de milhares de pessoas empobreceram e são obrigadas a recorrer a ajuda alimentar. Combater a fome, o desemprego, o corte de rendimentos de quem trabalha é a grande prioridade imediata

2. É preciso impedir os despedimentos, proibindo-os, integrar todos trabalhadores despedidos durante o período da pandemia e criar um subsídio nunca inferior ao salário mínimo nacional para todos os outros/as trabalhadores/as (recibos verdes, trabalho informal, etc.). Propor subsídios ao rendimento do trabalho inferiores ao salário mínimo nacional é entrar no caminho da austeridade.

Combater a uberização do trabalho passa pela revisão do código de trabalho. A precariedade não pode ser o futuro do trabalho. Deve ainda ser reposto o tratamento mais favorável e a negociação e contratação coletivas; instituir-se as 35 horas no privado, sem perda de salário; aumento geral dos salários garantindo o poder de compra às famílias em tempos de crise.

É fundamental proteger os mais vulneráveis

É fundamental proteger os mais vulneráveis, as pessoas sem abrigo, desalojadas, idosas confinadas aos lares ou ao isolamento das suas casas, refugiados ou imigrantes sujeitos a níveis elevados de insegurança sanitária, mulheres vítimas de violência doméstica, moradores/as em bairros ou áreas degradadas, minorias estigmatizadas e alvo de racismo, como as comunidades ciganas, trabalhadores/as com emprego informal, onde as mulheres são uma parte muito significativa, como empregadas de limpeza ou domésticas, setor totalmente desprotegido.

As micro e pequenas empresas, maioritárias no país, precisam de apoio, o que não se faz empurrando-as para a banca comercial onde vão somar mais dívida à dívida existente. Só a disponibilização de verba a fundo perdido para pagamento de salários, contra a garantia da readmissão de todos/as os/as trabalhadores/as despedidos/as durante a pandemia, contribui para a reanimação da economia, com impacto positivo no combate ao empobrecimento.

3. Neste quadro de crise sanitária, em que já há a lamentar mais de um milhar de pessoas falecidas, a resposta no domínio da saúde pública centrou-se, e bem, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, por força das circunstâncias, deixou para segundo plano o tratamento e a intervenção noutras patologias, expondo ao país as fragilidades de estrangulamento e definhamento do SNS, em larga medida agravadas pela política da troika e do governo PSD/CDS.
Ainda assim, sem SNS tudo teria sido incomparavelmente pior. O SNS vai continuar a ter de responder à COVID-19 e vai ter de recuperar na resposta ao tratamento doutras patologias, mas isso não pode significar entregar esta função social à sucção dos privados. Este deve ser o momento para reforçar substancialmente o investimento no SNS e na valorização salarial e de condições de trabalho dos seus profissionais, assumindo permanentemente todos os novos profissionais entretanto contratados no combate à crise, pois todos/as que têm estado a aguentar estoicamente a crise sanitária que vivemos

A resposta aos doentes com outros problemas de saúde não pode esperar mais. Deve ser feita no quadro do SNS através não só da contratação de pessoal especializado e da aquisição de equipamento, mas também da intervenção do Estado nos hospitais privados, colocando-os sob a tutela do Ministério da Saúde. Se há coisa que a atual pandemia mostrou e demonstrou é que só um SNS forte, universal e gratuito é capaz de responder aos problemas de saúde da população.

A resposta aos doentes com outros problemas de saúde deve ser feita no quadro do SNS

O desconfinamento do trabalho exige medidas urgentes de segurança sanitária, designadamente nos transportes públicos. Depois da escassez no mercado, a obrigatoriedade do uso da máscara e o aconselhamento dos desinfetantes, que se justifica, tem conduzido à especulação com o preço destes produtos, pelo que deve ser garantida a distribuição gratuita de máscaras e um apertado controlo dos preços do desinfetante para as mãos.

4. O estado de emergência representou a imposição de restrições nos direitos do trabalho, a possibilidade de suspensão do direito de greve e do direito à resistência ativa e passiva. As indispensáveis medidas de contenção e confinamento não obrigavam ao estado de emergência. O quadro legal dispunha de mecanismos de enquadramento dessas medidas, como agora ficou evidente quando é decretada a situação de calamidade.

O perigo está na disseminação do medo social e do vírus da pulsão autoritária que corrói a sociedade e abre caminho à ação da direita e extrema-direita. Estas cavalgam este medo numa lógica de “normalização” da supressão dos direitos conquistados na rua por muitas gerações de homens e mulheres. Exemplos recentes são os ataques às comemorações do 25 de Abril no Parlamento e do 1º de Maio na rua, apesar do respeito pelas regras de segurança sanitária verificadas. Mais do que nunca, toda a esquerda deveria ter-se feito representar nas comemorações de rua do 1º de Maio, como sempre foi a combativa tradição histórica à esquerda.

Hoje vivemos uma situação estranha de “novo normal” de desconfinamento do trabalho, expondo, mais uma vez, as fragilidades estruturais da rede de transportes coletivos, sem que isso constitua para o Governo preocupação significativa, enquanto se diaboliza qualquer desconfinamento, por mais recuado que seja, ligado ao associativismo, à contestação social ou a outras formas de acção colectiva. Não há resposta à crise sem a defesa, de forma robusta, dos direitos dos trabalhadores e do povo.

5. A distribuição de dividendos aos acionistas das grandes empresas deve ser proibida, como deve ser vedada a ajuda estatal às que se sediaram em paraísos fiscais ou em Estados europeus como forma de evitar pagar os seus impostos no país onde desenvolvem a respetiva atividade. Este é o momento para concretizar o controlo público do sistema financeiro, quando o Estado acaba de colocar mais 850 milhões de euros no Novo Banco. A desprivatização das empresas estratégicas para o desenvolvimento do país, designadamente no campo da energia e dos transportes, é central para o relançamento da economia e criação de emprego, uma maior soberania alimentar, a transição energética (descarbonização e eletrificação) e o combate aos efeitos da crise ambiental e das alterações climáticas.

O euro continua a ser um instrumento da União Europeia para impor políticas de tratamento desigual

6. No quadro da atual crise, que é europeia e global, são precisas respostas internacionais que efetivamente resolvam dificuldades e que não acrescentem nem mais dívida, e antes se renegoceie a existente, nem mais assimetrias regionais. A União Europeia continua a persistir nestas políticas de tratamento desigual e o euro continua a ser um instrumento nesse sentido. É preciso desobedecer à Europa, reforçar a nossa soberania democrática e de refletir, no campo das relações internacionais, sobre qual a geometria geoestratégica das nossas alianças e dos nossos alinhamentos. Torna-se inadmissível que o Tribunal Constitucional alemão, em nome do capital financeiro, coloque em causa a compra de dívida pelo BCE, com consequências imediatas na subida das taxas das obrigações soberanas dos países do Sul, enquanto a taxa de juro da dívida alemã se mantém negativa (-0,577%).

7. Em democracia há sempre alternativa. Este é o momento para iniciar um novo caminho contra a fome e o empobrecimento dos/as trabalhadores/as e do povo, contra a austeridade e as velhas e novas políticas de recuperação capitalista, de construção de alianças sociais para um programa antiausteritário, na disputa de uma maioria social que altere a atual correlação de forças, porque outra Europa e outro Portugal são possíveis.

i) Proibição de despedimentos e pagamento integral dos salários dos trabalhadores em lay off; combate à uberização do trabalho; revisão do código de trabalho; jornada de 35 horas no privado, sem perda de salário; aumento geral dos salários garantindo o poder de compra às famílias em tempos de crise;

ii) Readmissão de todos os trabalhadores/as despedidos/as ou dispensados/as desde o início da pandemia;

iii) Salário mínimo nacional deve ser a referência mínima para os apoios em emergência social a todos/as os/as que perderam rendimentos do trabalho;

iv) Apoio sem endividamento às micro e pequenas empresas;
v) Reforço do SNS, requisição e mobilização de meios dos hospitais privados para aumento da resposta a outras patologias preteridas pela covid-19;

vi) Distribuição gratuita de máscaras comunitárias, requisição pública de máscaras cirúrgicas e comunitárias e controlo dos preços do gel desinfetante;

vii) Controlo público da banca e desprivatização de sectores estratégicos para o relançamento da economia e do emprego, medidas para maior soberania alimentar, transição energética e digital, combate à crise ambiental e às alterações climáticas, num modelo planeado para maior autonomia industrial;

viii) Adoção de medidas anticíclicas para estimular a economia e o emprego, rejeitando a austeridade, as políticas do euro e do semestre europeu.

Fotos: VisualHunt

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