Considerada inconstitucional norma da Lei Cristas – arrendamento urbano – que promoveu e facilitou despejos

O Tribunal Constitucional (TC) emitiu um Acórdão (n.º 393/2020) em que “julga inconstitucional a norma extraível dos artigos 30.º e 31.º, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30.º determina a transição do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, sem que ao primeiro tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio.”

A norma da Lei Cristas agora julgada inconstitucional deu cobertura à vaga de despejos, em muitos casos inquilinos idosos que viviam nos centros históricos, impondo a transição dos antigos contratos vinculísticos para os atuais NRAU, em que ficavam sujeitos a aumentos de renda e à oposição à renovação de contratos de arrendamento, alimentando desta forma, em muitos casos, a passagem de fogos de habitação para Alojamento Local. A norma previa que bastava ao senhorio comunicar ao inquilino a passagem do contrato de arrendamento, frequentemente com dezenas de anos, para o NRAU.

O TC considerou desadequado que a ” redefinição do estatuto do vínculo locatício – para mais em termos integralmente coincidentes com a proposta apresentada pelo senhorio – sejam produzidos direta e automaticamente pelo silêncio do arrendatário sem que este haja sido previamente esclarecido das faculdades que lhe assistem e, mais do que isso, das consequências que a lei associa à sua eventual inação.”

Com esta norma da Lei Cristas (PSD/CDS) “nenhuma vantagem é assegurada a qualquer interesse que possa dizer-se legítimo. O único interesse que uma reação desinformada e (por isso) omissiva do arrendatário é de modo a realizar o eventual interesse do senhorio em fazer valer integralmente e com a maior brevidade possível os termos e condições constantes da sua proposta, designadamente quanto à duração do contrato e ao valor da renda, evitando, consoante os casos, os impedimentos, acertos e ajustes na redefinição do estatuto do arrendamento que, nos termos da lei, podem resultar de uma participação ativa e esclarecida do locatário no procedimento desencadeado pelo segundo”, refere o Acórdão do TC.

Segundo os juízes do  TC, esta norma que visava promover e facilitar os despejos “diminui tão dramática quanto desnecessariamente as condições do arrendatário para intervir eficientemente no procedimento extrajudicial em defesa dos seus interesses, sujeitando-o à contingência de, contra a sua vontade e em possível desconformidade com o que lhe seria devido, ver-se confrontado com um contrato de arrendamento com prazo certo – e, por isso, caducável – e/ou com uma renda de valor demasiado elevado para o seu nível de rendimentos. O mais das vezes numa fase já avançada da vida, em que, como se disse no Acórdão n.º 277/2016, dificilmente encontrará soluções habitacionais equivalentes àquela que tinha por consolidada, o arrendatário vê deste modo exponenciado – desnecessariamente exponenciado – o risco de vulnerabilização do vínculo que lhe garantia a ocupação do locado, com consequente agravamento da sua situação, já de si frequentemente precária, tanto do ponto de vista do direito a não ser arbitrariamente privado da sua habitação, como ainda, tanto na generalidade dos casos como na concreta situação sub judice, do direito à proteção na terceira idade, consagrado no 72.º da Constituição.”

A norma sindicada constitui, em suma, uma restrição desproporcionada do direito à habitação, tornando-se, assim, constitucionalmente censurável à luz do que se dispõe no n.º 1 do artigo 65.º (direito à habitação), conjugado com os artigos 17.º (proteção de direitos e deveres sociais), 18.º, n.º 2 (limites constitucionais à restrição de direitos),  todos da Constituição.

Resta agora saber se, nos casos em que a norma foi aplicada, os inquilinos despejados vão ter direito a alguma forma de compensação e de restabelecimento dos seus direitos. Trata-se de uma exigência elementar de quem foi prejudicado e restringido nos seus direitos pela aplicação de uma norma inconstitucional de uma lei que colocou em causa o direito à habitação, com o objetivo de favorecer a especulação e a liberalização do mercado.

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