Os autarcas que votaram a favor e estão à espera de financiamento central para as novas competências, certamente que já estão desiludidos e sentir-se-ão enganados. Se já poucos tinham dúvidas sobre a necessidade da rejeição de todas as transferências de competências para os municípios, com a recente Audição na Comissão de Ambiente, Descentralização e Poder Local ao ministro da Administração Interna e ao secretário de Estado das autarquias Locais o assunto ficou plenamente esclarecido.
De facto, foi anunciado que não haverá envelope financeiro para os municípios no que respeita aos diplomas setoriais já publicados e que estavam em análise.
O ministro Eduardo Cabrita afirmou que, em todos estes casos, as autarquias terão capacidade de se financiar para assegurar aos cidadãos aquelas responsabilidades. Considerou mesmo que a própria responsabilidade da manutenção das estradas é geradora de receitas. Não esclareceu se estaria a pensar em portagens municipais para a rede viária periférica das cidades.
Apenas no caso da habitação é que deverá haver uma negociação IHRU/Autarquia. Se a autarquia estiver de acordo com o financiamento fica com as casas, caso contrário manter-se-ão no IHRU.
A conclusão geral é simples: terão de ser os próprios municípios a gerar as receitas necessárias à execução daquelas competências descentralizadas. Sobre educação e saúde (últimos decretos publicados), ainda será caso para analisar por uma comissão a criar.
Confirma-se, assim, que esta “descentralização” não passa de alienação de responsabilidades da administração central para os municípios, sem envelope financeiro. Na realidade, um apelo à concessão destes serviços públicos a empresas privadas.
Cerca de 70% dos municípios têm menos de 30 mil habitantes e carecem de recursos financeiros, humanos e técnicos para assumir o conjunto de competências que PS e PSD negociaram transferir para os municípios. Sem transferências financeiras, ficarão incapazes de montar estruturas municipais que assegurem serviços de qualidade naquelas áreas. A tendência será para que venham a ser privados a contratualizar essas competências, agregando vários municípios. Para pagar a essas empresas, haverá necessidade de imposição de novas taxas sobre os munícipes.
Por exemplo, na área da Justiça, com que verbas poderão as Câmaras Municipais vir a assegurar julgados de paz, redes de apoio à reinserção social de jovens e adultos, apoio às vítimas de crimes e às vítimas de violência doméstica, que implica nessas valências criar residências, infraestruturas sociais e gabinetes técnicos especializados?
Tiveram razão os autarcas que rejeitaram a transferência de competências. Essa rejeição é em número tal que já configura um sério revés para o precipitado, imprudente e inconsequente acordo PS/PSD de municipalização de competências.
Parabéns pelo brilhante e responsável artigo publicado.