Comunicado Convergência: A engrenagem da guerra saiu reforçada

A caminho de ano e meio da invasão da Ucrânia pela Federação Russa, a guerra na Europa continua a marcar o quadro político internacional e as agendas noticiosas.

O recente motim do grupo de mercenários Wagner, do oligarca russo Yevgeny Prigozhin, em confronto com o Kremlin, reanimou todos os impulsos para uma estratégia de derrota militar da Rússia e de prolongamento da guerra na Ucrânia. Um alegado enfraquecimento do regime de Putin deu azo ao reforço dos discursos em defesa da escalada armamentista do chamado eixo euro-atlântico e do fortalecimento das posições da NATO. Em suma, acelerou a engrenagem que sustenta a guerra.

A ação de Prigozhin em reação à anunciada desativação do grupo Wagner e à sua integração, total ou parcial, no exército regular russo é sinal das contradições no topo do regime oligárquico. Trata-se da luta pelo poder militar e económico de um oligarca e do seu grupo. Não constitui a expressão das fraturas no seio da sociedade russa, nem dos anseios de mais democracia e paz, nem tem a ver com qualquer linha de oposição a um regime autoritário, violento, explorador das riquezas nacionais a favor de oligarcas, que envia milhares de jovens russos para a morte e continua a massacrar o povo ucraniano. Putin e Prigozhin são farinha do mesmo saco.

O governo russo está a responder a esta crise e à chamada “contraofensiva” militar ucraniana com o incremento dos bombardeamentos sobre cidades ucranianas, atingindo alvos civis e provocando novas vítimas. Deve ser condenada a ofensiva russa e reiterada toda a solidariedade com o povo ucraniano e a sua resistência, sem que isso implique qualquer concessão ao regime ucraniano que reprime duramente as oposições internas e sindicatos.

Tudo tem de ser feito para recusar a chantagem e deter a escalada que está a conduzir a uma guerra total de disputas entre potências imperialistas, as atualmente hegemónicas lideradas pelos EUA e as dos blocos emergentes. A única solução verdadeiramente realista para esta guerra começa pela condenação do discurso da escalada militar, por um posicionamento da comunidade internacional que recuse o jogo mortífero entre os EUA/UE e a Rússia, que exija um cessar-fogo imediato e a abertura de negociações para um plano de paz, como tem defendido Lula da Silva.

Este é o combate pela paz de uma esquerda solidária com os povos, de forma independente, em qualquer instância ou órgãos institucionais, sabendo que os trabalhadores/as nada têm a ganhar com a guerra. Uma luta pela paz sob a consigna “Putin fora da Ucrânia, NATO fora da Europa”.

AUMENTO DOS JUROS E PRESSÃO CONTRA SALÁRIOS ALIMENTA A GUERRA SOCIAL

A coberto da guerra na Ucrânia, aprofunda-se na UE a guerra social. Os corajosos protestos em várias cidades francesas contra o assassinato do jovem Nahel pela polícia, demonstram o profundo problema social que alastra à medida que os liberais de Macron aumentam a ofensiva contra os direitos e os rendimentos de uma população cada vez mais insegura, discriminada e esquecida.

A guerra social consubstancia-se em cortes salariais gerais e reais através da inflaçãoe do aumento continuado do custo de vida, no ataque a direitos laborais, na precarização e uberização, degradação de serviços públicos (salário indireto) e do direito a uma habitação condigna, na transformação das metas climáticas em fonte de novos negócios, em vez da drástica redução da produção de energia a partir de fontes fósseis.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), surgido na sequência do Tratado de Maastricht, tem sido o instrumento da elite europeia neoliberal para impor restrições orçamentais, desmantelar o Estado-social, acelerar a abertura dos serviços públicos e da segurança social aos privados. O Banco Central Europeu (BCE) está a criar um mecanismo para intervir diretamente na política económica, orçamental e social dos países que não cumpram os critérios impostos pelo PEC. Desta forma, os governos nacionais da UE, que vão aprovar essa medida, são encostados às cordas e abdicam de uma política soberana que sirva osinteresses dos trabalhadores e da maioria das suas populações.

Criar qualquer ilusão sobre a possibilidade de uma inversão desta política por ação do Banco Central Europeu (BCE) e da sua presidente Christine Lagarde constitui um perigo e dificulta o combate da esquerda. O aumento das taxas de juro vai continuar, com impacto negativo em quem vive do seu salário ou pensão, nomeadamente no pagamento do crédito imobiliário. Também o recente discurso da presidente do BCE, que atira contra os trabalhadores que procuram aumentos salariais que os protejam da inflação, quer responsabilizar os salários pela previsão de persistência da crise inflacionista, em vez dos cada vez maiores lucros dos grandes grupos económicos e da banca.

Aliás, as próprias previsões do BCE desmontam esse argumento, porque admitem um crescimento médio dos salários na Zona Euro de 14% até final de 2025, quando a previsão da inflação acumulada até essa mesma data é de 20%, segundo o mesmo BCE. Ou seja, aumentos salariais sempre menores do que a inflação o que significa perda real nas remunerações do trabalho e a impossibilidade óbvia de serem responsabilizados pela crise.

Na realidade, o que Christine Lagarde quer é uma justificação para novos aumentos dos juros, o que significa aumentar as transferências para o sistema financeiro, atacando o trabalho e procurando encobrir os lucros escandalosos que a crise está a gerar nos maiores grupos económicos e na banca.

O combate a esta posição e a luta política contra a desvalorização salarial são fundamentais. A desobediência à UE é um elemento político essencial de resistência.

DA “CRISE INSTITUCIONAL” À REALIDADE DA CRISE SOCIAL

Terminado o período de audições na Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP (CPI), presidente da República, direita e extrema-direita perderam o palco principal para insistir na tese da “crise institucional” que deveria ou poderia levar a eleições legislativas antecipadas.  O que estamos a viver está muito para além de uma episódica e conjuntural crise institucional, de um qualquer desaguisado entre PR e PM.

Direita e extrema-direita procuraram criar essa imagem, impelidas por sondagens que as fazem salivar pelo poder. A esquerda nada tem a ver com tal festim. À esquerda compete apresentar e lutar por soluções que melhorem a vida das pessoas e, dessa forma também, combater o populismo.

O verdadeiro ataque às políticas do Governo desta maioria absoluta PS tem vindo a surgir e deve continuar a surgir das lutas populares pelos salários, pela habitação, pela saúde, por direitos laborais, contra a degradação das condições de vida e as discriminações, pelos direitos feministas, LGBTQ+ e antirracistas, pelo cumprimento das metas ambientais, contra as desigualdades entre litoral e interior do território, pela exigência de transparência na gestão das empresas públicas e das autarquias, contra a corrupção.

O aproveitamento populista da alegada “crise institucional” serve para desviar as atenções do que de facto é importante para as pessoas, alimenta a extrema-direita e os objetivos da direita. É preciso recusar com clareza esse caminho sem saída. É preciso dar combate à extrema-direita com respostas concretas às necessidades das populações rejeitando a prioridade das “contas certas” e dos “défices zero” que são o alfa e o ómega da finança e da Comissão Europeia.

A esquerda, os movimentos sociais e sindicais, têm de estar preocupadas e mobilizar forças que contribuam para as lutas contra os efeitos da crise inflacionista nos salários, a precariedade, a especulação na habitação e a subida dos juros, a degradação no SNS, a falta de paz nas escolas e de resposta às reivindicações de professores e profissionais da educação, e a privatização da TAP.

De facto, a crise que vivemos ainda não é institucional, pois os responsáveis institucionais estão de acordo no essencial. Quando o for que seja por ação das lutas dos movimentos, dos trabalhadores e da juventude.

Vivemos, sim, uma crise social que se agrava com a política do Governo e para a qual a direita e extrema-direita não têm respostas porque a política do agravamento da crise é a sua própria política.

E, por isso, vão continuar a procurar fazer barulho para que o espetáculo se sobreponha à realidade social, das vidas difíceis de quem trabalha e tem salários baixos, de quem quer dar melhores condições de vida aos seus filhos e não chega lá. Dos grupos económicos que lucram milhões com a inflação e com os milhões de pessoas que empobrece.

É no campo das mobilizações sociais que está o nosso combate principal. Apoiamos as manifestações e greves em curso, e as que se perspetivam num caminho de unidade das lutas e de ampliação e acumulação de forças.

Jun.2023

Articulação Nacional

 

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