Fernando Mires é um escritor chileno, fundador da revista POLIS, que hoje publica um breve texto evocativo do 11 de Setembro de 1973, no Chile, dia do desfecho do golpe militar fascista preparado meticulosamente pelos EUA e que derrubou o presidente eleito Salvador Allende[i] O regime de Augusto Pinochet saído do golpe prendeu, torturou e assassinou milhares de pessoas, reprimiu violentamente direitos civis, destruiu partidos políticos, sindicatos e organizações populares, impôs uma ditadura sangrenta e o modelo económico precursor do neoliberalismo.
“O 11 de Setembro marcou – não sei se para sempre – a história do meu país e dos seus habitantes. Foi nesse dia que o Chile perdeu sua inocência. Aquele país distante do mundo, aquela fina faixa de terra que, segundo Alonso de Ercilla, “província fértil e designada”, não pode resistir com a sua fragilidade aos ataques que vieram do seu próprio planeta.
A Guerra Fria transformou-nos num país negociável, uma bola de pingue-pongue com a qual Brejnev e Kissinger jogavam. A interferência cubana transformou-nos num país errático. A velha esquerda, velha, parlamentar, conciliadora, tornou-se revolucionária da noite para o dia. A direita, num tumulto de histéricos, conspiradores e golpistas. O exército constitucionalista foi transformado por um general cruel e sádico numa horda de assassinos. Nesse dia tornamo-nos notícia do mundo. 11 de Setembro é para nós, chilenos, o aniversário do sangue.
O caminho pacífico para o socialismo terminou numa imensa tragédia. Hoje as águas voltaram aos seus canais. Mas não há chileno – ainda que o não tenha vivido – que não pense hoje no 11 de Setembro. No luto, na falta, nos amigos e na família, nas traições, no presidente morto. Com medo. Hoje, quase ninguém no Chile quer falar sobre o 11 de Setembro. Ou o que é o mesmo, todo o mundo quer conversar, mas sem dizer nada. Está claro: 11 de Setembro.”
[Extrato do texto do escritor chileno Fernando Mires publicado no blog POLIS: Política y Cultura]
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[i] Salvador Allende era um antigo parlamentar socialista que concorreu pela quarta vez a presidente. Ele era um reformista convicto e nunca o escondeu. As concessões reais feitas na primeira parte de seu governo, a implacável oposição que seu governo sofreu por parte da burguesia e do imperialismo e a sua morte trágica provocada pelos golpistas assassinos fizeram com que seja idolatrado pelas massas. Mas não devemos nos confundir: o seu grande valor pessoal no último ato ao enfrentar com coragem os gorilas chilenos não redime seus erros, a escolha equivocada da chamada via institucional ao socialismo e sua responsabilidade na derrota. (Citado de “O outro 11 de setembro: a tragédia chilena” in Esquerda.net)